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3. O conhecimento profissional mais geral

3.1. O contexto educativo

3.1.1. O sistema educativo

Sobre o sistema educativo português, Tiago apela à sua experiência pessoal que tem “desde os sete anos, portanto, há quase quarenta anos que eu faço uma reflexão sobre o sistema educativo” (EntT.170) para concluir que “realmente as coisas não têm evoluído de forma positiva”. Constata a existência de “um grande fosso entre os diversos ciclos de ensino” (EntT.169) que tem originado uma má articulação e interligação entre os ciclos com a consequente falta de respostas adequadas para todos os alunos quer pretendam seguir imediatamente uma profissão quer queiram prosseguir os seus estudos. Refere que o sistema educativo também tem sofrido grandes pressões por parte do poder político, “tem andando com os partidos políticos e com a cor do partido político que está no governo” (EntT.170), e, embora em determinados momentos os professores tivessem tido a possibilidade de discutir as ideias e as propostas apresentadas, parece que essa discussão pouco acabou por alterar o que o poder político pretendia:

“há um governo que propõe determinadas reformas, esse governo cai ou muda e logo são alteradas as reformas que se propunha fazer e então volta-se ao início, volta-se outra vez às comissões de discussão, volta-se a discutir os assuntos. Muitas vezes, há tentativas, houve várias tentativas, de pôr os professores a discutir e a reflectir… Principalmente, eu lembro-me de uns documentos preparatórios que existiam para a discussão da Lei de Bases do Sistema Educativo [finais da década de oitenta] em que nós fomos chamados a intervir, houve um chamado Dia D para isso, em que nós discutimos esses assuntos, mas não sei até que ponto é que [esses comentários] foram tidos em conta” (EntT.170).

Por isso, entende que quando a Lei de Bases do Sistema Educativo, “a Constituição do sistema educativo português”, foi promulgada em 1986 já havia aspectos que não tinham ficado bem resolvidos e que “não estavam dentro daquilo que seria de maior interesse não só para os professores, mas principalmente para os alunos, que são a razão de ser dos sistemas educativos” (EntT.170), justificando-se, na sua opinião, a necessidade de ser reformulada e adaptada ao século XXI.

Neste sentido, segue com atenção as propostas de reformulação da Lei de Bases do Sistema Educativo que diferentes entidades vão adiantando, sendo contrário à redução do período de duração do ensino básico de nove para seis anos de escolaridade

e não vendo propostas que resolvam convenientemente a questão da possibilidade e incentivo de percursos mais profissionalizantes. A este propósito, faz a comparação, com as devidas distâncias e reservas, com as possibilidades existentes no seu tempo de estudante:

“o princípio da criação do ensino básico foi bom, isto é, levar os alunos, todos os alunos, a fazer a escolaridade obrigatória até ao nono ano e depois haver a possibilidade para os alunos mais capazes de seguirem para o secundário e, possivelmente, para o ensino superior… os alunos menos capazes chegarem ao nono ano, mesmo sem adquirirem todas as competências essenciais, para progredirem e poderem seguir uma via profissionalizante Isso foi uma coisa que foi sendo adiada, embora o Centro de Emprego e Formação Profissional vá remendando um pouco essa lacuna… Mas acho que deviam ser as próprias Escolas EB2,3 e Secundárias, os próprios estabelecimentos de ensino a ter esses cursos de via profissionalizante, porque o aluno não precisava de sair da escola e tinha a continuação, mesmo paralelamente, com os colegas que seguiam os cursos com mais incidência em termos intelectuais. Isto comparando um pouco com aquilo que existia nas antigas Escolas Industriais e Comerciais, em que as pessoas saíam de lá minimamente preparadas para a vida activa… Chegava-se ao quinto ano [actual nono ano] e com mais um ano, a chamada Secção, estavam preparados para a vida activa. Há variadíssimos casos… a maior parte dos funcionários bancários ou dos contabilistas da altura era formada no Curso Geral de Administração e Comércio. Por exemplo, os estaleiros navais vinham às Escolas Industriais e Comerciais à procura de indivíduos formados com os cursos de electromecânica e isso era quase uma garantia de emprego, de estabilidade de emprego. (…) Os cursos da Escola tinham uma componente profissionalizante, mais prática, em que os alunos estavam minimamente preparados para a vida activa e… hoje isso não acontece. E então a única saída praticamente são as escolas privadas” (EntT.171).

Assim, para Tiago, de uns tempos a esta parte, o sistema educativo português tem regredido um pouco neste aspecto de permitir vias mais profissionalizantes, resultando daí que a educação e a formação proporcionadas aos alunos não têm constituído uma verdadeira preparação para a vida activa. E esta é, na sua opinião, apesar de reconhecer a sua dificuldade em dar uma resposta definitiva sobre o assunto, a grande finalidade da escola actual:

“os alunos andam na escola para quê? Boa pergunta [risos] (…) é evidente que se anda na escola para uma preparação para a vida, seja para qualquer actividade. Porque é que um pedreiro não há-de ter o nono ou o décimo ou o décimo segundo ano? Acho que se um operário de construção civil tiver o [ensino] secundário está muito mais preparado

do que estará um aluno que abandonou a escolaridade, por exemplo, no segundo ciclo. (…) Agora, a escola, neste momento, deve preparar para vida, deve preparar para a vida activa, mas muitas vezes isso não acontece. Estou muito céptico em relação a isso” (EntT.172).

Por outro lado, a elevada taxa de insucesso escolar dos alunos que se verifica na escola é uma preocupação constante, “é uma questão em que eu penso todos os dias” (EntT.195), e para a qual contribuem vários factores, embora Tiago pense que “a escola tenta fazer o melhor que pode e sabe, mas muitas vezes não tem meios, não tem tempo”. Um desses factores prende-se com os próprios currículos que são demasiado pesados, com sobreposição de determinados conceitos matemáticos, e “que muitas vezes estão desadaptados à realidade dos próprios alunos, à própria idade mental do aluno, ou às realidades regionais”. Também a formação dos professores, “não nos podemos libertar da nossa quota de responsabilidade”, pode ser insuficiente para lidar com algumas situações caracterizadas pela incerteza e complexidade. Mas, acima de tudo, acha que o elevado insucesso escolar é, e continuará a ser, um “problema estrutural” pois, dependendo muito da forma como as autoridades oficiais vêem e entendem a escola, a verdade é que a intervenção governamental tem sido muito incipiente, frequentemente contraditória e sem um investimento forte na educação.