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Uma nova posição em relação à avaliação implica refletir sobre os objetivos que se pretende atingir com cada etapa e com todo o percurso da aprendizagem – o que necessariamente envolverá acompanhar o processo de ensino e provavelmente realizar ajustes ou mudanças ao longo dele. Finalmente, implica observar também os resultados a que se chegou ao final do percurso. Há, ainda, que superar a visão que circunscreve a avaliação a um ou alguns momentos isolados, considerando-a parte efetiva do processo de ensino e aprendizagem.

Como se situa historicamente entre dois pólos intrinsecamente opostos – a valorização da excelência e a exposição do desconhecimento ou, ainda, a aprovação e a reprovação – depreende-se daí a enorme polêmica gerada em torno da avaliação. Vale ressaltar que avaliar também significa classificar, hierarquizar, privilegiar formas de conhecer o mundo e de nele estar. Sempre será muito difícil, portanto, estabelecer um consenso capaz de harmonizar a visão mais tradicional de avaliação normativa e as novas formas que se pretende conferir ao processo, privilegiando a avaliação formativa.

Na década de 1960, despontaram os princípios da visão mais recente da avaliação, com Bloom, que defendia uma pedagogia do domínio, segundo a qual “todo mundo pode aprender”. Sendo assim, a avaliação deveria tornar-se o instrumento privilegiado de uma regulação contínua das intervenções e das situações didáticas. Firmavam-se então as bases iniciais da avaliação formativa, que deve subsidiar uma organização do ensino que permita individualizar o conteúdo, o ritmo e as modalidades de aprendizagem em função de objetivos bem definidos. Não se tratava de criar hierarquias, mas de “delimitar as aquisições e os modos de raciocínio de cada aluno, o suficiente para auxiliá-lo a progredir no sentido dos objetivos”. (Perrenoud, 1999, p. 14)

A avaliação formativa introduz uma ruptura, uma vez que desloca a regulação das aprendizagens de modo a individualizá-las para cada aluno. Esta avaliação pressupõe um diagnóstico, instrumentos apropriados, observação in loco, intervenções diferenciadas.

Todavia, há inúmeros obstáculos materiais e institucionais que impedem que ela seja efetivamente posta em prática de modo coerente e com continuidade: o número de alunos por classe, a extensão dos programas, o horário escolar, a proposta curricular, a carência de recursos materiais e a formação dos professores.

Especialmente quanto à avaliação a formação docente não favorece que se dê prioridade aos processos individuais de aprendizagem e, conseqüentemente, a acompanhá-los com intervenções diferenciadas. Isso demanda uma adesão dos educadores e das instituições a uma visão mais igualitarista da escola e ao princípio da educabilidade. Exige que se estabeleçam estratégias pedagógicas capazes de vencer o fracasso escolar e as desigualdades – o que não dispensa os professores de conferir notas aos alunos, redigir apreciações sobre seus desempenhos, observar suas aquisições, decidir sobre orientação e apoio intra ou extra-escolares.

A avaliação formativa exige uma qualificação crescente dos professores em seus domínios específicos de conhecimento, bem como no domínio didático. O período de transição que vivemos nos obriga muitas vezes a nos colocar entre a avaliação normativa

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tradicional e a avaliação formativa que se deseja implantar. É de se esperar que num futuro não tão distante as hierarquias de excelência tenham menos importância que as competências e habilidades a serem adquiridas por nossos educandos em situações contextualizadas.

A favor da avaliação formativa pesam argumentos segundo os quais

[...] a avaliação tradicional, não satisfeita em criar fracasso, empobrece as aprendizagens e induz, nos professores, didáticas conservadoras e, nos alunos, estratégias utilitaristas. [...] [O professor], outrora dispensador de aulas e lições, [...] se torna o criador de situações de aprendizagem “portadoras de sentido e de regulação”. (Perrenoud, 1999, p. 18)

Atualmente, no âmbito do ensino das línguas estrangeiras na escola, a grande dificuldade do processo de avaliação reside:

• na heterogeneidade do conhecimento dos estudantes sobre o idioma; • no grande número de alunos por sala;

• na preocupação de muitos educadores em centrar a aprendizagem na gramática normativa, em processos puramente metalingüísticos, baseados exclusivamente na língua escrita.

Quanto aos dois primeiros itens, é essa a realidade que temos de enfrentar, já que poucas escolas oferecem salas-ambiente e agrupamento de alunos por níveis de conhecimento, o que facilitaria enormemente o trabalho de professores e alunos.

Quanto ao terceiro item, trata-se de uma situação que só pode ser mudada se for dada atenção à qualificação e à formação contínua dos professores, de modo a desenvolver competências que os levem a implementar métodos de trabalho centrados no desenvolvimento de competências e habilidades de seus alunos em situações de aprendizagem contextualizada. Reiteramos, mais uma vez, que o objetivo da aprendizagem não deve visar apenas as aquisições gramaticais, mas contemplar o aprendizado lingüístico com vistas à sua aplicação prática de leitura, compreensão e comunicação, tendo a língua estrangeira como veículo de interação e meio de acesso ao conhecimento. Segundo os PCNEM,

[...] deixa de ter sentido o ensino de línguas que objetiva apenas o conhecimento metalingüístico e o domínio consciente de regras gramaticais. [...] Esse tipo de ensino [...] cede lugar, na perspectiva atual, a uma modalidade de curso que tem, como princípio geral, levar o aluno a comunicar-se de maneira adequada e em diferentes situações da vida cotidiana. (p. 148)

• A carência de docentes de línguas estrangeiras modernas com formação adequada para desenvolver tanto o ensino baseado em competências como a avaliação formativa é outro fator complicador, como já se mencionou brevemente acima. Philippe Perrenoud salienta que

a avaliação das competências deve ser formativa, passar por uma co-análise do trabalho dos estudantes e pela regulação de seus esforços, mais do que pelas notas ou classificações.

Perrenoud aponta ainda características essenciais ao processo de avaliação formativa que devem ser levadas em conta pelos docentes. Segundo esse autor, a avaliação:

• deve incluir apenas tarefas contextualizadas; • deve referir-se a problemas complexos;

• deve contribuir para que os alunos desenvolvam ainda mais suas competências; • exige a utilização funcional de conhecimentos disciplinares;

• pressupõe que as tarefas e suas exigências sejam conhecidas pelos alunos antes do início do trabalho;

• exige uma certa forma de colaboração entre pares; • inclui a auto-avaliação.

Quanto à correção, o autor destaca que:

• deve levar em conta as estratégias cognitivas e metacognitivas utilizadas pelos alunos;

• só deve considerar erros importantes segundo a ótica da construção das competências.

Em língua estrangeira, ainda que se desenvolva o trabalho didático em várias frentes – leitura e interpretação de textos, aquisição de estruturas lingüísticas, a ampliação do repertório vocabular, desenvolvimento das funções comunicativas da língua – devemos ter clara a inter-relação entre todas elas. Como essas frentes não são áreas estanques e não podem ser produtivamente desenvolvidas em separado, a avaliação deve estender-se a todos esestender-ses aspectos, ainda que de modo específico e diferenciado. Não há como avaliar a competência de leitura e interpretação sem levar em conta o domínio estrutural, o conhecimento vocabular e os modos pelos quais esse conhecimento servirá ao aluno em uma situação de interação comunicativa, falada ou escrita. Ainda que no ensino médio se privilegie a leitura, a interpretação e a língua escrita mais do que a língua falada, é papel do professor abrir espaços para que múltiplas competências em outras esferas possam ser trabalhadas, inclusive quanto à língua oral.

Perrenoud enfatiza a idéia de que não se aprende por patamares hierarquizados. Há constantes remanejamentos e reestruturações dos saberes graças à aquisição de novas experiências e de novos conhecimentos, segundo a ótica construtivista. Não deve, portanto, o tempo de aprendizagem ser confundido com o tempo de ensino.

A avaliação formativa pressupõe a inclusão; cabe portanto ao professor de língua estrangeira administrar e gerenciar a heterogeneidade de suas classes. O único e principal objetivo da avaliação formativa é o de ajudar o aluno a aprender e a progredir rumo aos objetivos propostos. No entanto, não pode ser objetivo do professor de língua estrangeira propor o domínio integral do código; logo, as atividades de construção e de avaliação do conhecimento propostas não devem voltar-se para esse fim.

Situações de aprendizagem são também situações de avaliação e de auto-avaliação. O modo como o aluno constrói e gerencia sua própria aprendizagem deve ser objeto de observação e apreciação por parte do professor, o que implica exercer a regulação do trabalho do aluno e prover apoio no contexto da atividade em curso, encaminhar o aluno a outro grupo de trabalho e atividades de outro tipo, sempre que for necessário, e monitorar os percursos individuais de formação.

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Avaliar bem em língua estrangeira pressupõe:

• selecionar conteúdos, competências e habilidades efetivamente relevantes para os três anos do ensino médio;

• compreender o papel docente como de orientador e, portanto, como parte do processo de aprendizagem – o que vai além do papel de mero observador e corretor de erros;

• oferecer múltiplas situações de aprendizagem, com mais de uma frente de trabalho, ainda que se privilegie um aspecto específico;

• não pretender corrigir todos os erros do aluno, não só no uso escrito como também na linguagem falada;

• refletir sobre as práticas docentes à luz dos objetivos que se pretende atingir durante o curso, levando em conta os conteúdos e as competências a serem adquiridas pelos alunos, ainda que de modo diferenciado;

• fazer alterações ou correções de percurso sempre que houver necessidade; • realizar processos de avaliação quantitativos e qualitativos que sejam

complementares entre si;

• prover meios variados de avaliação individual e em grupo, a partir de atividades significativas e contextualizadas;

• perceber a avaliação, bem como a aprendizagem, como processos em construção, dinâmicos, que requerem reflexão e contínua reelaboração.

Competências e habilidades a serem avaliadas