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Quando se pensa no desenvolvimento da competência textual, é recomendável que se tenha clareza sobre sua conceituação. Adotamos a perspectiva de Koch & Travaglia, segundo os quais

[...] o texto é uma unidade lingüística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor e ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente de sua extensão. (1997)

Ainda que a noção de texto verbal incorpore a idéia que, ao falarmos, também produzimos textos, vamos centrar nossa atenção especialmente no texto escrito, que será tomado – também ao longo do ensino médio – como uma unidade de ensino. Vale ainda lembrar que a idéia de texto como unidade de ensino será abordada tanto do ponto de vista da leitura quanto da produção.

Quando se pensa no trabalho com textos, outro conceito indissociável diz respeito aos gêneros em que eles se materializam, tomando-se como pilares seus aspectos temático, composicional e estilístico. Deve-se lembrar, portanto, que o trabalho com textos aqui proposto considera que:

• alguns temas podem ser mais bem desenvolvidos a partir de determinados gêneros;

• gêneros consagrados pela tradição costumam ter uma estrutura composicional mais definida;

• as escolhas que o autor opera na língua determinam o estilo do texto.

Essa abordagem explicita as vantagens de se abandonar o tradicional esquema das estruturas textuais (narração, descrição, dissertação) para adotar a perspectiva de que a escola deve incorporar em sua prática os gêneros, ficcionais ou não-ficcionais, que circulam socialmente:

• na literatura, o poema, o conto, o romance, o texto dramático, entre outros; • no jornalismo, a nota, a notícia, a reportagem, o artigo de opinião, o editorial, a

carta do leitor;

• nas ciências, o texto expositivo, o verbete, o ensaio; • na publicidade, a propaganda institucional, o anúncio;

Se, na sala de aula, o estudante analisa textos com os quais convive fora da escola, as relações que faz entre os conteúdos disciplinares e sua vivência tornam-se muito mais significativas. Não se pode relevar a importância de suportes diversos do livro – cuja leitura é tão cobrada nas aulas de literatura – e se estendem à revista, ao jornal, à enciclopédia, ao outdoor, para citar apenas alguns. Somente como leitores de múltiplos textos os alunos desenvolverão a contento sua competência textual.

Procedimentos

Antes de propormos procedimentos para o desenvolvimento da competência textual, convém lembrar as maiores dificuldades com que os estudantes se deparam na leitura de textos, como aponta Emilio Sánchez Miguel (2002):

• não conhecer o significado de algumas palavras; • perder o fio da meada;

• não saber o que o texto quer dizer; • enxergar a parte, mas não o todo; • não saber o que está pressuposto;

• não saber se houve compreensão efetiva do que foi lido.

Diante dessas dificuldades reais na leitura, e portanto na compreensão, na interpretação e na valoração de um texto, parece conveniente propor aos alunos alguns procedimentos gerais de leitura, relacionados sobretudo aos seus níveis micro, macro e superestrutural:

• buscar apoio no significado de palavras conhecidas e inferir o das desconhecidas; • fazer relações entre os significados das palavras para construir proposições; • reconhecer o que é novo e o que já está dado em cada proposição e conectar as

proposições entre si;

• construir um significado global, a partir do entendimento da função das partes do texto (simples ou complexo; particular ou geral; relevante ou dispensável); • organizar as idéias globais num esquema coerente, concebendo o texto como: – uma resposta a um problema;

– uma explicação e uma argumentação sobre uma tese;

– um contraste ou uma analogia entre dois ou mais fenômenos; – uma descrição;

– uma seqüência de acontecimentos;

• articular as idéias do texto com aquilo que já se sabe; • perguntar-se sobre o processo de leitura e seus resultados.

Como os textos ganham materialidade por meio dos gêneros, parece útil propor que os alunos do ensino médio dominem certos procedimentos relativos às características de gêneros específicos, conforme sugerem as Matrizes Curriculares de Referência do Saeb:

• reconhecer características típicas de uma narrativa ficcional (narrador, personagens, espaço, tempo, conflito, desfecho);

• reconhecer recursos prosódicos freqüentes em um texto poético (rima, ritmo, assonância, aliteração, onomatopéia);

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argumento, contra-argumento, conclusão) bem como analisar a estratégia argumentativa do autor;

• reconhecer características típicas de um texto informativo (tópico e hierarquia de informação, exemplificação, analogia).

Ao se adotar textos de circulação social, é necessário reconhecer a importância de se trabalhar com os alunos alguns procedimentos que permitam identificar as características do suporte ou do enunciador na construção de valores e sentidos:

• comparar o tratamento da informação em duas notícias sobre o mesmo fato; • reconhecer em um texto marcas decorrentes de identificações políticas,

ideológicas e de interesses econômicos dos agentes de produção;

• comparar as diferenças de uma mesma informação em diferentes veículos informativos (jornal, revista, televisão, rádio);

• relacionar os valores e sentidos veiculados por um texto informativo ou analítico-opinativo com as condições de produção desse texto e as intenções do autor, levando em conta elementos como as fontes de divulgação, o lugar social de quem o produziu, os contextos da época.

O trabalho com a diversidade de gêneros permite que se estabeleçam diferentes relações entre textos e que se proponham alguns procedimentos:

• comparar paráfrase, avaliando sua maior ou menor fidelidade ao texto original; • avaliar a intenção da paródia de um texto dado;

• identificar referências ou remissões a outros textos;

• analisar incoerências ou contradições na referência a outro texto ou na incorporação de argumento de um outro autor;

• estabelecer relações temáticas ou estilísticas (de semelhança ou de oposição) entre dois textos de diferentes autores ou de diferentes épocas.

Tomando-se como referência o eixo temático e a estrutura composicional segundo os quais se desenvolvem os textos opinativo e narrativo, podem ser propostos os seguintes procedimentos:

• identificar a tese e os argumentos de um texto opinativo; • analisar a seleção de argumentos para a corroboração da tese;

• analisar a pertinência das informações selecionadas na exposição do argumento; • estabelecer relações comparativas entre duas operações argumentativas, considerando as diferenças de sentido decorrentes da opção por uma ou outra; • avaliar a complexidade do núcleo dramático de uma narrativa e das ações dele

decorrentes;

• relacionar o narrador ao foco narrativo (ponto de vista);

• relacionar a organização do cenário (tempo e espaço) com o enredo e a ação das personagens;

• avaliar a propriedade da incorporação de dados da realidade na construção do universo ficcional.

Por fim, convém ressaltar a importância do reconhecimento, pelo aluno, do texto como objeto sócio-historicamente construído, com o auxílio de alguns procedimentos:

• distinguir texto literário de texto não-literário, em função da forma, finalidade e convencionalidade;

• comparar dois textos literários, percebendo semelhanças ou diferenças decorrentes do momento histórico da produção de cada um deles;

• diferenciar, em textos, marcas de valores e intenções de agentes produtores, em função de seus comprometimentos e interesses políticos, ideológicos e econômicos;

• identificar, na leitura de um texto literário, as implicações do tratamento temático e do estilo relativas ao contexto histórico de produção e recepção do texto; • relacionar o universo narrativo com estilo de época, bem como com estereótipos

e clichês sociais.

Produção textual

Se priorizamos até agora procedimentos voltados para a leitura, isso se deve certamente à intenção de valorizar a formação do leitor competente nos múltiplos textos a que tem acesso. Entretanto, os procedimentos indicados especialmente quanto à recepção dos textos devem contribuir também para os processos de produção textual.

Um primeiro aspecto a ser considerado na produção de textos diz respeito à crescente percepção, pelos alunos, das condições em que essas unidades de sentido são produzidas. Diante de uma dada proposta de produção, o aluno deve ter clareza sobre:

• o que tem a dizer sobre o tema proposto, de acordo com suas intencionalidades; • o lugar social de que ele fala;

• para quem seu texto se dirige;

• de quais mecanismos composicionais lançará mão; • de que forma esse texto se tornará público.

Ter clareza sobre esses elementos certamente auxilia o aluno a compor seu texto com mais segurança, ponto de partida para o desenvolvimento de suas habilidades como produtor de textos. Na produção, entretanto, é preciso que o aluno mobilize uma série de recursos, também relacionados às suas competências interativa e gramatical:

• utilizar relações várias, de acordo com seu projeto textual – tese e argumentos; causa e conseqüência; fato ou opinião; anterioridade e posterioridade; problema ou solução; conflito e resolução; definição ou exemplo; tópico e divisão; comparação; oposição; progressão argumentativa;

• quanto ao texto dissertativo (expositivo ou argumentativo), relacionar adequadamente a seleção e a ordenação dos argumentos com a tese;

• quanto ao texto argumentativo, identificar o interlocutor e o assunto sobre o qual se posiciona para estabelecer interlocução;

• considerando as condições de produção, utilizar diferentes recursos resultantes de operações lingüísticas – escolha, ordenação, expansão, transformação, encaixamento, inversão, apagamento.

De acordo com as possibilidades de cada gênero, empregar:

• mecanismos de coesão referencial (retomada pronominal, repetição, substituição lexical, elipse);

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• recursos oferecidos pelo sistema verbal (emprego apropriado de tempos e modos verbais, formas pessoais e impessoais, emprego das formas condicionais, privilégio das formas simples em relação às perifrásicas);

• recursos próprios do padrão escrito na organização textual (paragrafação, periodização, pontuação sintagmática e expressiva, e outros sinais gráficos); • convenções para citação do discurso alheio (discurso direto, indireto e indireto livre): dois-pontos, travessão, aspas, verbos dicendi, tempo verbal, expressões introdutórias, paráfrase, contexto narrativo;

• ortografia oficial do Português, desconsiderando-se os casos idiossincráticos e as palavras de freqüência muito restrita;

• regras de concordância verbal e nominal, desconsiderando-se os chamados casos especiais.

Conforme se observa, a produção de textos mobiliza uma série de recursos profundamente relacionados à competência gramatical.