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As últimas décadas caracterizaram-se por um grande desenvolvimento dos estudos sobre o movimento humano. Esses estudos e as perspectivas por eles apontadas levaram vários autores a sugerir que a ação profissional em educação física e esporte deve basear-se num corpo teórico e interdisciplinar de conhecimentos, cujo objeto de estudo é o basear-ser humano em movimento. Muitos desses autores, sobretudo a partir da década de 1980, apontaram a tomada de consciência dos profissionais da área sobre a necessidade de teorizarem a sua prática como única alternativa para superar a crise da Educação Física

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e indicaram a pesquisa científica como possibilidade de romper a estagnação e provocar mudanças, pela introdução de novas informações.

Naquela época tiveram início inúmeros debates que objetivavam refletir sobre a formação do profissional em Educação Física e do técnico desportivo. Tais discussões pautavam-se pela proposição de mudanças na grade curricular, pelo aumento da carga horária e pela definição e estabelecimento de um perfil do profissional a ser formado.

Em 1987, a Resolução N° 3/87 do Conselho Federal de Educação (CFE) regulamentou a formação superior em Educação Física, determinando:

• 2.800 horas-aula como carga mínima para os cursos de graduação;

• prazo mínimo de quatro anos e máximo de sete para a duração desses cursos; • divisão do currículo em duas partes – formação geral (humanística e técnica) e

aprofundamento de conhecimentos;

• possibilidade de formação nas modalidades bacharelado e licenciatura; • exigência de estágios supervisionados;

• apresentação de uma monografia ao final do curso;

• possibilidade de os graduados em Educação Física se habilitarem como técnicos desportivos, em cursos de especialização (Brasil, 1987).

Apesar da grande liberdade garantida às instituições de ensino superior na elaboração de seus currículos, muitas continuaram a desenvolver programas semelhantes aos utilizados antes dessa regulamentação, com transformações mínimas nos componentes curriculares. Para se enquadrarem na nova legislação, aumentaram a carga horária dedicada às disciplinas da área de ciências humanas e a algumas subdisciplinas; mantiveram porém a concepção anterior, na qual se valorizava o “saber fazer para ensinar”. Na verdade, a grande maioria dos cursos superiores apenas se adequou à Resolução, sem modificar a essência de sua proposta pedagógica.

Ainda que diversas mudanças estejam em andamento, a concepção dominante nos cursos de formação em Educação Física, sobretudo das instituições particulares, segue ainda hoje o que se denomina “modelo tradicional”. São cursos que enfatizam as chamadas disciplinas práticas, especialmente as habilidades esportivas, estabelecendo uma nítida distinção entre teoria e prática. Neles, teoria são os conteúdos apresentados na sala de aula (principalmente aqueles ligados ao domínio biológico) e prática são as atividades realizadas nas quadras, piscinas, pistas etc.

Ao veicular apenas uma concepção eminentemente esportiva da Educação Física, a formação profissional implementada homogeneíza o grupo de professores: sua prática profissional é, de uma maneira ou de outra, balizada pelo esporte; alguns acreditam explicitamente que o objetivo da disciplina é ensinar habilidades esportivas aos alunos mais capazes.

O domínio das habilidades motoras – saber realizar o movimento – não leva a uma atuação profissional de qualidade. Ou seja, saber fazer não é suficien-te para saber ensinar.

Atualmente espera-se que o professor de Educação Física proporcione condições para que os alunos ampliem suas possibilidades de conhecimento da cultura corporal para além da prática pela prática. Não basta o estudante correr ao redor da quadra: é preciso que ele saiba por que e como correr, quais os benefícios advindos da corrida, em que intensidade e duração ela deve ser exercitada. Não basta aprender as habilidades motoras específicas de algum esporte; é preciso aprender a organizar-se socialmente para jogar, compreender as regras como elemento que torna o jogo possível, aprender a respeitar o colega como um companheiro e não um inimigo a ser aniquilado. Como ressalta Betti (1992, p. 162), é preciso que o aluno seja preparado para incorporar o esporte e outras práticas da cultura corporal em sua vida, para delas tirar o melhor proveito possível.

Para encaminhar o processo de ensino nessa perspectiva, a formação do professor deve abarcar mais do que experiências anteriores em algumas modalidades esportivas.

Mudanças de perspectiva

Na tentativa de romper com o modelo de formação tradicional, quase exclusivamente esportiva, a partir de meados da década de 1980 algumas instituições de ensino superior implementaram novas propostas curriculares. Essas propostas procuraram ampliar a formação do futuro profissional de Educação Física, atribuindo menor relevo à prática das modalidades esportivas e valorizando a teoria, o conhecimento científico derivado das ciências-mãe como base para as tomadas de decisão do profissional. O chamado currículo científico consolidou-se no início da década de 1990, acompanhando as mudanças conceituais e epistemológicas da Educação Física.

Trata-se de um modelo de formação desenvolvido especialmente nas instituições públicas, já que demanda um número menor de alunos por turma, bibliotecas com acervo amplo e atualizado, laboratórios de pesquisa e, principalmente, professores engajados na produção do conhecimento. O currículo científico valoriza as subdisciplinas da Educação Física – como Aprendizagem Motora, Fisiologia do Exercício, Biomecânica – assim como as disciplinas da área de ciências humanas – como História da Educação e da Educação Física, Filosofia da Educação e da Educação Física, Sociologia da Educação e da Educação Física, entre outras. Essa perspectiva privilegia a concepção de que o importante é aprender a ensinar e, por isso, considera o conhecimento teórico fundamental, por fornecer os elementos para a compreensão do processo de ensino e aprendizagem.

Resultados de uma pesquisa realizada nas universidades americanas, citada por Lawson (1990), exemplificam a importância que esse corpo teórico passou a exercer na área: houve um decréscimo de 50% no número de disciplinas voltadas para a prática, correlato a um aumento de 500% no número de disciplinas de cunho teórico-científico. Tais dados demonstram as intensas modificações nos programas de preparação profissional decorrentes da cientifização da área, com reflexos nos currículos nacionais. O modelo científico é especialmente evidente nas instituições que contam com cursos de pós-graduação stricto sensu.

No Brasil, embora haja mais de 200 cursos de graduação em Educação Física, há apenas dez programas de mestrado, equivalendo a menos de 5% do total de cursos. Todavia, é preciso reconhecer que há um número razoável de docentes com mestrado e doutorado atuando nas instituições particulares – muitos dos quais fizeram sua graduação ou pós-graduação nas universidades públicas. Isto tem produzido, na maioria dos cursos de

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graduação em Educação Física, modelos de formação profissional diversificados, em que se mesclam as perspectivas tradicionais de cunho esportivo com o modelo científico. O modelo científico hierarquiza os conhecimentos, considerando que as disciplinas-mãe (ciência básica) devem oferecer as bases para as subdisciplinas (ciência aplicada); ele inclui também as disciplinas pedagógicas, as práticas corporais e a prática de ensino, cuja finalidade é integrar os conhecimentos teóricos e aplicados. A concepção é que a teoria deve subsidiar a prática: acredita-se que dominando os conteúdos teóricos o futuro profissional será capaz de utilizá-los e adaptá-los à sua prática, em qualquer dos campos de atuação que a área oferece.

Por que, então, o modelo científico não apresentou os resultados esperados na prática (e não apenas na área de Educação Física)?

Embora a adoção desse modelo tenha representado um enorme avanço ao quebrar a hegemonia dos setores mais conservadores na Educação Física, por que os conhecimentos derivados das ciências-mãe não alteraram substancialmente a prática dos professores, como indicam as pesquisas mais recentes?

Isto provavelmente se deve à grande ênfase na transmissão de informações teóricas durante o processo de formação profissional, comprometendo o desenvolvimento de uma cultura de análise da prática pedagógica. Mais ainda: por muito tempo acreditou-se que a competência de promover a mediação didática de qualidade decorreria “naturalmente” do conhecimento teórico dos conteúdos e dos processos de aprendizagem – o que não se verifica na realidade.