Competências envolvidas no trabalho pedagógico
7. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão Segundo Bourdieu (1993),
[...] o contraste jamais foi tão grande entre a miséria do mundo e o que poderia ser feito com as tecnologias, os conhecimentos, os meios intelectuais e materiais de que dispomos. [...] Miséria e opulência, privações e desperdício convivem tão insolentemente quanto na Idade Média, tanto em escala planetária como em cada sociedade.
Assim, cabe aos professores criar situações que facilitem tomadas de consciência, construção de valores e de uma identidade moral e cívica, além de desenvolver competências que possam:
• prevenir a violência na escola e fora dela;
• lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais; • participar da criação de regras de vida em comum referentes à disciplina na
escola, às sanções e à apreciação da conduta;
• analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em aula;
• desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentido de justiça. Atualmente o trabalho com língua estrangeira constitui excelente recurso para a aproximação dos alunos com culturas e modos diferentes de ver o mundo e nele estar, visando a combater estereótipos e preconceitos, propiciando o convívio solidário das diversidades. O educador catalão Joan-Carles Mèlich aponta o caráter ético da educação:
O que faz com que a educação seja educação é a ética. [...] Sem ética, não há educação, há apenas domesticação de cérebros. E, sem ética, não há maneiras de distinguir relações totalitaristas das demais. É a ética que baliza e dá parâmetros para que uma relação possa ser chamada de educativa. (2002, p. 24)
Ainda segundo Mèlich,
[...] como o tema da diversidade faz parte da moda pedagógica atual, fala-se muito em aprender a tolerar as diferenças. Mas há um tipo de relação de tolerância da diferença que acaba convertendo-se em indiferença. O importante do ponto de vista ético não é que o outro seja tolerado como diferente, mas sim que relação estabeleço com essa diferença. A ética começa quando um é capaz de ser “deferente” (cuidadoso) com o outro. Ou seja, ocupar-se do outro, atendê-lo, cuidá-lo, acolhê-lo. Derrida, um filósofo francês, e Lévinas, outro pensador contemporâneo dele, falam de uma ética da hospitalidade. Eu concordo com essa maneira de ver.
Relacionando educação e ética: a educação é uma relação com um outro que necessita ser atendido, acolhido, cuidado. A relação educativa precisa ser uma relação de hospitalidade com o outro.
Vivemos um momento de mais incertezas do que respostas. Numa sociedade marcada pelo individualismo, professores e escolas sentem-se remando contra a maré.
É necessário que os docentes tomem consciência dessa situação adversa de forma lúcida, sem ingenuidade, e assumam suas responsabilidades, buscando não abarcar aquelas que cabem a outros profissionais e entidades.
O que se requer dos professores são competências de análise, de descentralização, de comunicação, de negociação. Otimismo e boa vontade não são pré-requisitos para a solução de todos os problemas educacionais. A aquisição de competências docentes é o que nos permitirá navegar, com relativa segurança, em meio às contradições de nossos sistemas sociais.
8. Administrar sua própria formação contínua
Esta talvez seja a mais necessária e importante das competências a serem desenvolvidas pelos docentes. Saber administrar a formação contínua é mais do que simplesmente fazer cursos. É, principalmente:
• saber e explicitar as próprias práticas;
• estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua (cursos, leituras, reflexão sobre as próprias práticas, trabalho em equipe, auto-avaliação);
• negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede); • participar de projetos educacionais da escola, interagindo com os colegas e
outros profissionais de apoio;
• participar da formação dos colegas, observando e aceitando ser observado. A profissionalização do ofício de professor, bem como sua formação contínua, requerem parceiros: as universidades, os sindicatos, as instituições educacionais onde os professores trabalham, as empresas, a esfera governamental, além dos centros independentes de formação e as associações profissionais de docentes.
O sucesso da formação contínua depende de recursos, tempo, estatutos, orientações e do estabelecimento de prioridades. Depende, enfim, de uma elaboração cooperativa, que requer uma discussão compartilhada sobre a formação, de modo a evitar “decidir na incerteza e agir na urgência”, síntese feita por Perrenoud sobre a situação em que o professor exerce seu ofício hoje.
Especificamente, não se pode conceber que professores de Língua Estrangeira assim se autodenominem sem dominarem amplamente sua disciplina, tanto nos aspectos relativos à linguagem escrita como à falada. E mesmo que nossas aulas não devam centrar-se exclusivamente no domínio gramatical e metalingüístico, precisamos conhecer profundamente os conceitos e usos do idioma que ensinamos. Além de conhecer e estudar os fundamentos teóricos da disciplina, o professor também precisa conhecer os aspectos lingüísticos referentes à fonologia, à literatura e às características culturais dos países em que o idioma é falado.
Para suprir falhas porventura advindas de seu curso de graduação, o docente deve buscar aprimorar seus conhecimentos técnicos específicos, bem como atualizar-se em relação aos novos padrões didáticos e metodológicos.
Todos nós, professores, devemos aproveitar iniciativas das esferas federal e estadual –cursos de especialização, aprimoramento e reciclagem – para aperfeiçoar
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nossa formação profissional. Nossa função não se reduz à transmissão formal de conhecimentos constituídos. Nossa prática integra saberes plurais, oriundos da formação profissional, além de saberes disciplinares, curriculares e da nossa experiência.
Paralelamente às iniciativas institucionais, é tarefa pessoal de cada educador procurar informar-se e atualizar-se por meio de leituras, assim como de discussões e reflexão com a equipe de sua escola, incluindo docentes da própria disciplina e da área como de outras áreas e disciplinas.
Ensinar é fazer escolhas em situação de interação com a instituição, com os colegas e com os alunos.
[...] Se assumirmos o postulado de que os professores são atores competentes [dentro do processo educativo], sujeitos ativos, deveremos admitir que a prática deles não é somente um espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos oriundos dessa mesma prática. (Tardif, 2002, p. 234)
A concepção tradicional dos professores como aplicadores de conhecimentos gerados pela pesquisa universitária, muitas vezes produzida fora da prática do ofício de professor, tem levado a um enfoque reducionista da profissão. Como decorrência, podemos ser levados a crer que nas universidades podem ser produzidos “conhecimentos sem ações, teorias desvinculadas da prática, saberes sem enraizamento em atores e em sua subjetividade.” (Tardif, 2002, p. 236).
Outra decorrência dessa visão tradicionalista nega aos profissionais do ensino e às suas práticas o poder que verdadeiramente têm, de produzir saberes autônomos e específicos. É como se o trabalho dos professores fosse permeado por diferentes saberes como, por exemplo, o saber dos peritos, o saber dos funcionários que elaboram os currículos, o saber dos didatas e dos teóricos da pedagogia, o saber produzido pelas disciplinas científicas e transposto para as matérias escolares, o saber oriundo das pesquisas na área da educação, o saber proveniente da sociedade e dos meios de comunicação antigos ou novos – saberes esses que não podem nem devem ser produzidos pelos próprios professores.
A nova visão que se tem do profissional docente estrutura-se em torno da noção de que os professores são sujeitos do conhecimento, possuidores de saberes específicos a seu ofício, e de que sua prática cotidiana também constitui um espaço de produção, de transformação e de mobilização de conhecimentos. Por serem evolutivos, dinâmicos e progressivos, os conhecimentos profissionais dos professores, tanto em suas bases teóricas quanto em suas conseqüências práticas, devem estar sujeitos a reciclagem e autoformação por diferentes meios.
Quanto aos docentes brasileiro, sua realidade e suas necessidades, muito há para ser feito. A nova LDBEN foi um primeiro grande passo, seguido pela elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais. O novo paradigma convive, contudo, com a velha ordem.
Nossa prática reflexiva, como profissionais da educação, deve partir de um enfoque psicopedagógico que rompa com o modelo tradicional, conteudista, fragmentador e
reducionista. É pelo trabalho com competências e habilidades, aliado ao desenvolvimento dos conteúdos, que poderemos inserir-nos num contexto mais humanista e construtivista da educação.
É, portanto, fundamental repensar estratégias de mudança que permitam a profissionalização do ofício de educador e de professor, bem como a elevação do nosso nível de formação.
Isso só será possível quando, em todo o país, houver cursos de habilitação de qualidade, salários dignos, condições institucionais (no âmbito do sistema e das escolas) para reuniões sistemáticas dos profissionais para discutir os fundamentos teóricos e práticos que norteiam o trabalho docente, além de cursos permanentes de reciclagem e atualização, promovidos pelas esferas governamental e privada. De acordo com Piaget, há que haver “um reajuste interno que ocorra a cada momento.”
Para a consecução de alguns desses objetivos, há que ocorrer um trabalho cooperativo, de construção em equipe, no qual há co-responsabilidade consciente permeando as ações do grupo. Para isso, precisamos estudar muito, abandonar as velhas práticas “seguras” e aderir a essa nova consciência profissional. Isso requer mudanças de postura, no plano pessoal e no institucional.
Se quisermos construir esquemas próprios de conhecimento e propiciar que nossos alunos também os construam, devemos ser, ao mesmo tempo, professor-educador e professor-aprendiz.
Construir habilidades e competências é caminhar passo a passo, dentro de um processo contínuo que ocorre a partir de um diálogo interior, representado pelas relações intrapessoais e interpessoais. Isso requer um professor instrumentalizado para avaliar e para se auto-avaliar criticamente, pois muitas vezes, as situações criadas em sala de aula promovem a mera reprodução de conteúdos, e não uma verdadeira aprendizagem.
Precisamos encontrar meios adequados para lidar com todos os alunos, os que têm grande facilidade e os que apresentam dificuldades peculiares. Perrenoud propõe n o v a s e s t r a t é g i a s q u e f a v o re ç a m e s s a i n c l u s ã o , q u e s e j a m p e n s a d a s e operacionalizadas em função de necessidades específicas de acordo com a ideologia educacional brasileira.
A adesão a novas tecnologias em educação bem como o trabalho por projetos devem fazer parte da formação do novo profissional brasileiro. Segundo Mèlich,
[...] a educação é configuração de uma identidade, de um si mesmo que nunca é de todo ele mesmo. Nesse sentido, parafraseando e transformando Kant, eu diria que um dos imperativos pedagógicos fundamentais é: chega a ser quem não é! Se a educação é vivida como um acontecimento ético, ela transforma também o educador. Portanto, minha mensagem é [...]: atreva-se a ser o outro, a
transformar-se! Um professor que não tenha essa coragem não pode ser um bom educador. [...] Por isso penso que a educação precisa ser formação tanto de quem educa q u a n t o d e q u e m é e d u c a d o . N ó s , o s p ro f e s s o re s , d e v e m o s e s t a r s e m p re aprendendo! Quando o professor é também aprendiz, a educação assume a sua dimensão transformadora. (2002, p. 26)
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