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B ERNINI (1598-1680), Roma, Igreja de Santa Maria della Vittoria

No documento DA ARTE HISTÓRIA (páginas 169-173)

© Dagli Orti.

S

ituada na igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma, a capela Cornaro foi encomendada por Federico Cornaro, um cardeal veneziano, em memória da sua família. A realização foi confia-da a Bernini e este artista, a um tempo arquitecto, escultor, decorador, pintor e homem de teatro, con-cebeu um conjunto de carácter monumental para valorizar o grupo esculpido. No espaço relativamen-te restrito da capela, Bernini organizará uma verda-deira cena de teatro, ao centro da qual emerge Santa Teresa em êxtase.

Descrição

Bernini realiza o grupo esculpido em mármore, constituído por Santa Teresa e pelo anjo, a partir de textos da grande mística espanhola. Este, constitui a evocação da cena do êxtase, episódio recordado

quando do processo de canonização, em 1622: apro-ximando-se da santa, um anjo teria erguido com uma mão a fímbria do seu hábito enquanto, com a outra, se dispunha a trespassar-lhe o coração e as entranhas com uma flecha de ouro de extremidade incandescente. Como a própria santa escreveria: “Quando se retirou... deixou-me totalmente abrasada do amor de Deus”.

Bernini coloca o grupo no interior do nicho cen-tral do imponente altar, concebido como uma estru-tura de planta convexa, coroado de um frontão triangular quebrado, supor tado por parelhas de colunas compósitas. Por detrás da escultura, raios de madeira dourada acentuam o efeito dramático da luz que desce do zénite através de um óculo dissi-mulado no interior do retábulo.

No flancos da capela abrem-se balcões, como camarotes de teatro, onde estátuas de mármore

Vista de conjunto do altar. © Scala.

Pormenor do anjo. © Dagli Orti. branco, figurando personagens da família Cornaro,

observam emudecidas o transe de Teresa de Ávila.

O estilo

Artista eminentemente barroco, Bernini conju-ga todos os meios plásticos para atingir uma arte total: a policromia dos mármores e do estuque pin-tado, a mistura dos materiais preciosos, o sábio jogo da luz, o contraste das linhas, entre direitas, curvas e contra-curvas, a associação de frontões, balaustra-das, colunas e pilastras, baixos-relevos e estátuas, os efeitos de perspectivas, tudo contribui para for-necer insólitos ângulos de visão. Contudo, admira-dor da Antiguidade, Bernini distingue-se de Borro-mini ao submeter a decoração barroca a uma rigo-rosa reflexão, que faz com que os efeitos plásticos se encontrem em mútua e estreita dependência.

Comentário

Bernini não deixou qualquer obra teórica. As suas estreitas ligações com a Companhia de Jesus persua dem-no a colocar o seu talento ao serviço da propagação da fé, fiel ao programa fixado pelo Concí-lio de Trento, que tinha em vista extasiar os olhos e comover a alma. Assim, lança mão de todos os recur-sos da arte para atingir um efeito de máxima sensua-lidade, no próprio momento em que os Exercíciosde Santo Inácio recomendavam a vivência da fé através de todos os sentidos e de toda e imaginação.

De facto, no Êxtase de Santa Teresa, a voluptuo-sidade é omnipresente. O anjo, de sorriso sedutor, assemelha-se e um amor conquistador e a santa, arrebatada e fremente, quase desaparece sob as pregas tumultuosas do seu hábito de monja, o cor -po convulso tomado de um espasmo que é simulta-neamente sofrimento e prazer. A linguagem de Ber-nini alcança, assim, duma maneira inigualada, expri-mir o que escapa ao domínio do perceptível: a beati-tude celeste, o êxtase místico.

MUNDO TERRESTRE MUNDO DIVINO CALMA CLAREZA DA LEITURA Leveza dos pregueados da túnica do anjo EFEITOS DRAMÁTICOS MOVIMENTO COMPLEXIDADE Peso do turbilhão de pregueados da túnica de Santa Teresa PARA A LUZ DA SOMBRA 148-173.qxd:Minerva 10/11/07 11:27 Page 169

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ANÁLISE DA OBRA

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oco e Classicismo

Os auto-retratos de Rembrandt (1606-1669)

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século XVII assistiria à difusão por toda a Europa do retrato de aparato barroco. Esta representação grandiloquente carecia de sentido para os burgueses holandeses, para quem o retrato deveria antes reflectir a sua serena prosperi-dade, fazendo prova de realismo na reprodução de trajes e expressões.

Os Auto-retratos de Rembrandt inscrevem-se neste contexto e constituem um campo experimen-tal privilegiado, onde o artista pode testar até ao limite extremo as modificações provocadas pela idade e pelos diversos estados de espírito.

Descrição

Rembrandt realiza, entre os seus vinte anos e 1668, data da sua morte, perto de sessenta auto--retratos, mais de vinte gravuras e de uma dezena de desenhos em que se figura, numa sequência sem equivalente na história da arte.

Nos seus retratos de juventude, Rembrandt representa-se em plena luz, vestido de ricos trajes

que lhe conferem um aspecto lisonjeiro. Surge-nos alegre, brilhante, o lábio sensual. Ê bem o jovem pintor da moda que soma triunfos.

No seu Auto-retratodo Prado deixa já transpare-cer uma transpare-cer ta oscilação da sua personalidade. Come çam a despontar o mistério e o sobrenatural e diluise a representação dos bens materiais. Desa pa -re cem as jóias e os chapéus emplumados cedem lugar a turbantes informes. Permanecem alguns objectos, como o punho de uma adaga e as páginas amarelecidas de um manuscrito hebreu no Auto--retrato na figura de S. Paulo.

Depois, toda a referência à existência material se apaga e somente o seu rosto permanece visível no meio das trevas que se adensam. Podemos seguir esta descida progressiva aos abismos da soli-dão através dos seus últimos auto-retratos. O olhar torna-se sonhador, não é mais já que o reflexo dum luar interior, até que, no Auto-retratodos Uffizi, o pintor se expõe sem qualquer complacência. A vida física extingue-se e a obra ganha em aprofundamen-to da realidade íntima.

Auto-retrato da bóina e da cadeia de ouro(1633). Museu do Louvre, Paris.

© Hubert Josse.

Auto-retrato. Museu do Prado, Madrid. © Dagli Orti. Auto-retrato idosoMuseu dos Ufflzi, Florença. © Nimatallah/ Artephot

A técnica

Nos seus Auto-retratos, Rembrandt utiliza uma restrita paleta de cores. Recusa, assim, os reflexos dos vermelhões e dos verdes-esmeralda que se encontram nas suas outras obras e exprime-se com castanhos, ocres e amarelos. Esta grande economia de cores permite-lhe exaltar com mais intensidade os poderes expressivos da matéria pictórica, fazen-do malabarismos com os densos empastafazen-dos e a transparência das velaturas e alcançando, desse modo, uma riqueza de expressão incomparável.

As velaturas ocupam, aliás, um lugar primordial na técnica de Rembrandt. Coloca-as sobre empasta-dos de branco ou de cinza, para conferir às zonas de luz um brilho que emerge das tonalidades mais sombrias, sugerindo as próprias sombras através de velaturas aplicadas sobre as tonalidades mais escu-ras. Esta técnica confere um brilho extraordinário às suas obras e uma profundidade insondável às superfícies coloridas. Aplica uma pintura gordurosa em largas e espessas pinceladas ou recobre a tela

com camadas transparentes. Coloca a pasta à esco-va ou mesmo à espátula para obter efeitos mais poderosos.

Rembrandt utiliza magistralmente a técnica do claro-escuro. Na sua pintura, a luz não dá e impres-são de iluminar as coisas a partir do exterior, antes parece jorrar do interior mesmo dos objectos.

Comentário

Com o decurso dos anos, a pesquisa de Rem-brandt ultrapassa pouco a pouco a descrição exte-rior, para se abandonar a uma aguda introspecção que tem por fim desvendar os segredos mais pro-fundos da alma. Observa, calmamente, o seu pró-prio ser e analisa o seu percurso individual marcado pelas penas, pela incompreensão e dificuldades da última etapa da sua existência. Esta sombra espes-sa, na qual cada vez mais o artista mergulha as suas telas, atrai, irresistivelmente, o nosso olhar e consti-tui um verdadeiro resumo do trajecto de toda a humanidade.

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ANÁLISE DA OBRA

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oco e Classicismo

O rapto das filhas de Leucipo (c. 1618)

No documento DA ARTE HISTÓRIA (páginas 169-173)