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Barroco e Classicismo O Rococó

No documento DA ARTE HISTÓRIA (páginas 111-117)

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porta que acabámos de fechar ao sair da Idade Média tinha a palavra Deus escri-ta no lintel; a que se ergue à nossa frente ostenescri-ta, no mesmo local, a palavra

Homem. De facto, durante os mil anos que decorrem entre a queda do Império

Romano do Ocidente e a eclosão do Renascimento, era o Criador que se preten-dia atingir através da obra de arte. Em consequência, era religiosa a principal finalidade da arquitectura, da escultura ou da pintura e diminuto o quinhão que à Humanidade competia no destino do esforço produtivo.

Ultrapassado, porém, o século XIV, é o Homem que surge, não apenas como destina-tário da criação artística, mas como centro polarizador do próprio processo criativo. Não que a Fé tenha desaparecido do cenário em que se enquadra a existência do homem europeu; simplesmente, ao longo dos últimos séculos da Idade Média, este foi, lentamente, tomando consciência de si mesmo e aqui residiu o motor da grande revolu-ção que se iria projectar até aos nossos dias.

Descobriu-se primeiro simplesmente como criatura, porém moldada à semelhança da divindade e dotada, por conseguinte, de uma inalienável dignidade que a transforma-ria em centro e modelo da próptransforma-ria ctransforma-riação; depois, reconheceu-se como ctransforma-riador tam-bém, capaz, desse modo, de emular a divindade e de converter-se igualmente no princi-pio e no fim do gesto que imprime a chama fundamental à matéria inanimada.

Abriu-se, assim, um novo ciclo na História da Civilização Ocidental em que a ciência e a arte, frequentes vezes de mãos dadas, se esforçarão por analisar até ao último limite o universo das formas naturais, no seio do qual compete sempre ao Homem o lugar central. No interior deste processo, a obra de arte constitui-se agora, com frequência, como agente da própria evolução; mas, sobretudo, esta não é já, simplesmente, criação do Homem, mas antes e, essencialmente, obra do indivíduo.

Ao longo deste período, contudo, dois acontecimentos capitais vêm perturbar a unida-de fundamental da cristandaunida-de: em 1453, a tomada unida-de Constantinopla pelos turcos põe fim à proeminência de Bizâncio nos Balcãs, mesmo se as práticas ortodoxas permanecem vivas nos territórios conquistados e se a arte bizantina prossegue na Rússia o seu floresci-mento; em 1517, as teses de Martinho Lutero e a adesão à Reforma de numerosos cris-tãos do Ocidente, dividem a Igreja Romana. As duas práticas religiosas arrastam consigo duas correntes artísticas, grosseiramente repartidas entre o Norte e o Sul da Europa Oci-dental, ainda que minorias protestantes coexistam em terra católica e reciprocamente. Deste modo, o clima de confiança no Homem e de efervescência artística que havia marcado o Renascimento cede lugar, a partir dos finais do século XVI, a um cenário de paixões extremas, onde a reflexão teológica se projecta em massacres e guerras civis. Na Europa meridional, numerosos são os artistas que se colocam ao ser viço da Contra-Reforma, enquanto nos países protestantes estes tendem preferencialmente a libertar-se de uma tutela exclusivamente religiosa. Ao mesmo tempo, a França do sécu-lo XVII conhece uma evolução diferente, com uma expressão artística quase inteiramen-te voltada para a glorificação do Rei e do poder civil. No século XVIII, enfim, as ques-tões religiosas perdem a sua acuidade e o papel do Homem na sociedade e no mundo converte-se no centro dos debates filosóficos.

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RAFAEL(1483-1520), A Escola de Atenas, cena central.

Palácio do Vaticano, Roma. © Babey/Artephot.

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ontrariamente à Idade Média, da qual podemos fixar arbitrariamente a data de nascimento em 476, quando da queda do Império Romano do Ocidente, nenhum aconte-cimento traumático ou facto histórico de espe-cial importância despoletou a eclosão daquilo a que chamamos Renascimento. Tratou-se, antes, de um amplo e complexo movimento cultural, que se divisa já na Itália do século XIV, lentamente amadurecido por eruditos, filósofos, escritores, políticos e artistas. Desen -volvendo-se e difundindo-se ao longo do século XV e na primeira metade do século XVI, alcan-çaria mudar a face da Europa, projectando as suas consequências até aos nossos dias.

Não é fácil encontrar para este período um esquema redutor, tamanha é a diversidade das suas manifestações; mas é, certamente, o seu empenhamento na ressurreição (rinascita) da cultura antiga em todos os seus aspectos (e, portanto, também no plano artístico), entendi-da como motor do progresso entendi-da Humanientendi-dade, que constituirá o seu traço mais importante. É aí, na verdade, que radicam simultaneamen-te a aguda e nova consciência que desenvolve do seu próprio tempo histórico e da relação que estabelece com os diversos tempos que o precederam, o entusiasmo pela descoberta e pela revisão de conhecimentos adquiridos e a vontade de construir o mundo à medida do homem, colocando o indivíduo no centro de todas as questões.

Assente nestas bases, o Renascimento pro-duziria uma revolução tão completa dos con-ceitos em que assentava até então a cultura europeia, como das suas formas de expressão, e viria a funcionar como um verdadeiro marco antes e depois do qual se situa a civilização ocidental.

Capítulo 8

O Renascimento

ANTÓNIOROSSELINO, pormenor do Túmulo do cardeal de Portugal, Igreja de San Miniato Florença. © Artephot/Nimatallah.

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CONTEXTO

O Renascimento

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eria errado pensar que a Idade Média havia esquecido a herança da Antiguidade. Pelo con-trário, os monges copistas esforçavam-se por preservar o saber antigo, que continuou sendo a base da cultura ocidental, da unificação da Europa e da restauração do Império Romano do Oci dente, como uma ambição que por diversos modos se pro-curou realizar e em apoio da qual se tentaria recriar uma arte. É neste contexto que falamos da existência de diversos renasci men tos, como o carolíngio ou o otoniano, antes da eclosão do Renas cimento propria-mente dito. Este, verificar-se-ia em Itália, a partir dos inícios do século XIV e teria o seu ponto de partida em Florença, com a sistemática recuperação, no seguimento dos escritos de Petrarca e Boccacio, dos chamados studia humanitatis. De facto, o Renasci-mento é, numa primeira fase, um moviRenasci-mento essen-cialmente literário, que tem por finalidade a restaura-ção das línguas grega e latina na sua pureza original e o estudo da literatura, da história e da filosofia dos antigos. Para os escritores e eruditos que se dedicam a esta tarefa (os humanistas), a Antigui dade surgia como o período mais fecundo da história da

humani-MICHELOZZO,(1396-1472) Palácio Medici-Riccardi, Florença. Pormenor da fachada. © Nimatallah.

No início do século XV os artistas esforçam-se por criar um modelo de palácio digno do homem do Renascimento. Reconhecemos aqui a influência das pontes e aquedutos romanos no tratamento rústico das paredes.

PIERODELLAFRANCESCA(1416-1492),

Retrato de Federico de Montefeltro, Duque de Urbino Museu dos Uffizi, Florença. © Dagli Orti.

«Com a Antiguidade por fundo»

dade, durante o qual o homem atingira o apogeu dos seus poderes criadores. Opera-se assim uma ressur-reição consciente do passado, encarado como verda-deira fonte da civilização e um ressurgimento de todas as artes e ciências que na época clássica haviam florescido. Para estes ho mens, apenas uma organiza-ção política assente em direitos de cidadania (e não em laços de feudalidade) fazia sentido. Daí a estreita colaboração que se verifica entre eruditos, escri to -res, filóso fos, políticose artistas, responsáveis pela difusão das ideias modernas. O Renascimento nasce-rá, assim, do ambiente peculiar que se vivia nas prós-peras cidades-estado italianas, com a sua burguesia poderosa e altamente consciente dos seus direitos políticos e todos os cidadãos participam dessa efer-vescência cultural onde as artes, as letras e as ciên-cias são protegidas como na antiga Ate nas. Ao artista caberá um papel fundamental no seio desta nova raça de homens orgulhosos de si mesmos e cientes das suas potencialidades. E, trabalhando agora para uma clientela culta e exigente, sedenta de fama, participan-do participan-dos cœnaculaonde fervilha o debate de ideias, cultiva-se e converte-se também em agente dessa obra comum. Abandona, assim, o estatuto anónimo e corporativo em que permanecera durante a Idade Média, ascendendo à dignidade de intelectual, de homem de ideias, capaz de escrever poemas, autobio-grafias ou tratados teóricos. A partir de agora, o artis-ta adquire, pois, a dimensão de criador individual e este facto não apenas o faria entrar na História, como converteria mesmo, doravante, a História da Arte em História dos Artistase das suas criações.

Vista geral de Florençadominada pelo Duomode Brunelleschi (1377-1446). © Nacivet/Explorer.

LEONARDO DAVINCI(1452-1519). Cabeça de homemcom esquema das proporções. Museu da Academia, Veneza. © Scala.

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CARACTERÍSTICAS

O Renascimento

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