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O triunfo da graça

No documento DA ARTE HISTÓRIA (páginas 179-183)

François Thomas GERMAIN, prato coberto em pratade D. José I de Portugal. Museu do Louvre, Paris. © R.M.N.

Jean-Baptiste PIGALLE(1714-1785), túmulo do Marechal de Saxe. Igre-ja de São Tomás, Estrasburgo. © Lauros/Giraudon.

I

mpulsivo, caprichoso e pleno de vitalidade, o Rococó tem o seu ponto de partida no trabalho dos criadores de motivos decorativos, os quais, partilhando do entusiasmo generalizado pelo mundo natural e beneficiando dos progressos da botânica e da zoologia que caracterizam este período, desenvol-vem ornatos que são, depois, aplicados em todas as produções das chamadas artes menores. A ourivesa-ria, a cerâmica, os têxteis, o mobiliário e as boiseries

convertem-se em embaixadores do novo gosto, que constitui uma lufada de ar fresco na solenidade característica dos ambientes barrocos.

Entre os primeiros desenhadores contam-se Gilles-Marie Oppenordt(1672-1742) e JusteAu -rè le Meissonnier(1695 1750), a quem se de vem também álbuns de gravuras cuja ampla divulgação seria em boa parte responsável pela expansão do estilo. É na decoração de interiores que este género se encontra melhor representado, como atesta o elegantíssimo salão oval do Hotel de Soubise* em Paris, obra de Germain Boffrand.

De facto, boiseries, estuques, pintura e mobiliá-rio conjugam-se agora para a criação de um espaço homogéneo, onde a luz desempenha um importante papel. Os quadros, que ocupavam um espaço tão importante nos interiores da época precedente, são relegados para um espaço impreciso, entre as pare-des e o tecto, perdendo a sua solenidade a favor de temas ligeiros que correspondem melhor ao con-junto da decoração. Por esta razão figuram entre as áreas mais interessantes de expansão do Rococó a ourivesaria, onde se destacam as criações dos Ger-main* (pai e filho) e a porcelana, que conhece agora a sua grande época de implantação europeia e onde adquirirá enorme relevo a produção da fábri-ca de Sèvres, sobretudo a partir de 1760.

Enquanto em França o Rococó se refugiava nos interiores, o ducado de Lorena fornecia, com a

Place de la Carrière, em Nancy, encomendada pelo Duque Estanislau a Emmanuel Héré(1705-1763), um exemplo notável de aplicação ao urbanismo do Rococó francês. Ainda em Nancy, as belíssimas gra-des em ferro e bronze dourado da Praça Sta nislas, de Jean Lamour, representam outra das obras notáveis do Rococó francês, tal como as Fontes de Neptunoe deAnfitrite, de Barthélemy Guibal, ple-nas de naturalismo e de elementos rocaille, que nos projectam já para o domínio de escultura.

Esta constituiria um dos mais ricos reservatórios da criatividade deste período, onde se exploram ten-dências e vias de expressão que serão determinan-tes para a eclosão do Neoclassicismo nos finais do século. A reacção à escultura enfática do período anterior pode considerar-se encabeçada por Bou-chardon(1698-1762) na Fonte das Estaçõesem Paris, ou em Mercúrio talhando o seu arco; porém, a

de renovação viria pela mão de JeanBaptiste Pi -gallecujas figuras, como o Monumento ao Marechal de Saxe*, em Estrasburgo ou Mercúrio apertando as sandálias, impregnadas de um forte naturalismo, se inspirariam directamente na estatuária antiga.

Já nos finais do século, Clodion (1738-1814) impregnará de bucolismo sentimental as suas está-tuas e relevos de terracota, mas a conquista da dig-nidade monumental dever-se-ia a Étienne Falconet (1716-1791) e Jean-Antoine Houdon (1741-1828). O pri meiro, autor de tratados e de modelos para as porcelanas de Sèvres, oscilaria entre um heroísmo gracioso, patente na estátua equestre de Pedro o Grandeem São Petersburgo e uma refinada sensua-lidade, que ilustra em A Banhista(1757), enquanto Houdon, que em certas obras participa já de uma sensibilidade neoclássica, deixaria figuras mitológi-cas, como a belíssima Diana, em que o naturalismo amável do Rococó se encontra ainda presente.

À pintura caberia um papel fundamental na transmissão dos valores que regiam a sociedade deste período, onde o encanto dos temas galantes esconde por vezes uma inquietação mais funda, que prenuncia a era das grandes transformações. A sua história pode resumir-se em três grandes nomes: Watteau*, François Boucher (1703-1770) e Honoré Fragonard (1732-1806). Na obra do pri-meiro perpassa a influência de Rubens, mas dissol-vida numa inquieta nostalgia que se traduz em pai-sagens onde as personagens mergulham numa suave penumbra dourada e que fazem das suas telas, como O Embarque para Cíteraou Os Campos Elísios, a melhor tradução do desencantamento que em certa medida marcaria estes anos.

Diametralmente aposta seria a pintura de Bou-cher, responsável por caprichos galantes como O Banho de Dianaou Le Parc aux Cerfse cuja excelen-te técnica encarnaria na perfeição a frivolidade roco-có. Outro tanto se poderá dizer da obra de Frago-nard, de expressão mais vigorosa, como se compro-va nas suas magníficas Banhistasou em O Baloiço*.

Os países do Norte

Enquanto o Rococó em França corporiza a disso-lução do Antigo Regime e a emergência de uma nova sensibilidade que, em muitos casos, prenuncia o Romantismo, no resto da Europa pode dizer-se que constitui antes um factor de renovação do brilhante vocabulário barroco, cujo esplendor prolonga, intro-duzindo-lhe uma nova leveza e elegância. Nesse sen-tido, denuncia mais uma sociedade estabilizada nos seus valores que uma qualquer crise ou inquietação e, por essa razão, alcançará o seu maior esplendor justamente nos países onde o Barroco obtivera mais profunda implantação, operando-se a transição de modo suave e sem rupturas.

Nos países germânicos, o Rococó conheceria pela primeira vez aplicação ao domínio da arquitec-tura e, na verdade, numerosos edifícios dos princí-pios do século XVIII, como o Belvederede Viena

Jean Honoré FRAGONARD(1732-1806), O Baloiço. Museu Lambinet, Versalhes.

© Dagli Orti.

Antoine WATTEAU(1684-1721), Pierrot, outrora dito Gilles. Museu do Louvre, Paris. © Hubert Josse.

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CARACTERÍSTICAS E DIFUSÃO

O Rococó

(c.1720) ou o Zwinger (p.176) de Dresda* (1711), erguido por Matthäus Daniel Pöppelmann, assi-nalam a transição do Barroco para o pleno gosto Rococó. Este emergiria de forma triunfal em diver-sos palácios, como o Amalienbourgem Copenhaga, de François Cuvilliés, ou a Residênciado príncipe-bispo de Würzburg, cujo principal autor seria Bal-thasar Neumann(1687-1753). A este se deve tam-bém uma das mais importantes igrejas deste perío-do, a de Vierzehnheiligen, na Alta Francónia, com a sua esguia e elegantíssima fachada convexa.

Uma vez mais, porém, é no interior das grandes igrejas que se erguem ou reformam por esta época que o Rococó irá produzir as suas obras mais expres-sivas, em decorações que sugerem um ambiente optimista e festivo e onde o branco e o ouro domi-nantes criam quase um sentido de abstracção. Entre as mais representativas podem referir-se a de Wein-garten, deQuirin Asame, sobretudo, a de Ottobeu-ren, de Johann Fischer von Erlach, verdadeira sín-tese do Rococó alemão. No âmbito civil, o teatro da Residência de Munique* (p. 177), de F. Cuvilliés, cria uma atmosfera de supremo refinamento.

A Prússia seria outra região onde o Rococó conheceria uma aceitação entusiástica, sob o mece-nato de Frederico II e desse gosto ficaria, entre inú-meras outras obras, o palacete de Sans-Souci(1744) em Potsdam, de Georg von Knobelsdorf. A articu-lação subtil das superfícies curvas e rectas e a deco-ração naturalista de invulgar plasticidade atingem um inegável ponto alto. Como o Barroco, o Rococó ecoaria também nos países nórdicos, nomeadamente na Suécia, onde se reflecte na decoração interior de alguns palácios, mas já em Inglaterra teria escassa aplicação fora dos domínios estritos das artes deco-rativas, como a porcelana ou o mobiliário, em espe-cial através das criações de Thomas Chippendale.

Aí iria surgir alguma da mais interessante pintu-ra deste período, em que se sente a influência de Watteau e Fragonard e desenvolver-se-ia uma notá-vel escola de retrato, onde se exprime uma elegân-cia tranquila e desafectada, que teria o seu maior expoente em Thomas Gainsborough, responsável por exemplares magistrais do género, como os retratos de Mrs. Siddonse de Lady Howe*.

A Itália

Em Itália, a expressão demasiado forte do Bar-roco dificultaria a expansão do Rococó; mas enqua-dra-se neste gosto uma parte da escultura produzi-da nos meados do século, como a de Filippo della Valle, bem ilustrada no relevo da Anunciação em Sto. Inácio de Roma*. Tal como participa desta sen-sibilidade a obra de alguns dos melhores pintores deste período, como António Canal, dito Cana-letto(1697-1768), Francesco Guardi (1712-1793) e Giambattista Tiepolo* (1696-1770), cujos fres-cos magnificentes, de uma elegância simultanea-mente poética e heróica, se encontram espalhados por Itália, Alemanha e Espanha. Regra geral, po -Thomas GAINSBOROUGH(1727-1788), Lady Howe,

Kenwood House. © English Heritage.

Filippo della VALLE(1697-1768), Anunciação, baixo-relevo. Igreja de Santo Inácio, Roma. © Scala.

Giambattista TIEPOLO(1696-1770), A Glória de Espanha (pormenor), fresco do tecto da Sala do Trono.

Palácio Real. Madrid. © Artephot/Martin.

Fachada da Capela da Falperra, Braga, Portugal. © Arquivo Nacional de Fotografia. Lisboa. rém, o Rococó aplicou-se preferencialmente na decoração de palácios, como os de Turim e de Caserta e na porcelana, com a qual se revestiriam, aliás, dependências inteiras, evocando sugestiva-mente interiores chineses.

A Península Ibérica

No extremo ocidental da Europa, o Rococó encontraria terreno favorável à sua expansão e pelas suas formas perpassa um frémito ainda impregnado de uma plasticidade barroca. Tal não obsta a que se produzissem algumas das mais ima-ginativas criações do estilo e, no que respeita à Espanha*, estão neste caso obras como o Transpa-rente* da Catedral de Toledo, de Narciso Tomé, espectacular retábulo de mármores rosa e branco, ou o Palácio do Marquês de Dos Águasem Valência, de H. Rovirae I. Vergara.

Em Portugal, merece destaque a obra de André Soaresem Braga, a quem se deve a Capela de Fal-perra* e a casa do Raio. Uma vez mais levado pelos por tugueses, o Rococó expandir-se-ia no Brasil, especialmente na zona de Minas Gerais, revivendo aí em fascinantes criações, como a igreja de S. Fran-cisco de Ouro Preto(1766), de António Francisco Lisboa, dito “O Aleijadinho”.

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O Rococó

ANÁLISE DE OBRA

A Igreja de Wies (1745-1754), Baviera

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