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O movimento e os seus criadores

No documento DA ARTE HISTÓRIA (páginas 117-122)

Interior da Igreja de San Lorenzoem Florença (séc. XV), por Brunelleschl, © Dagli Orti.

A

despeito da sua veneração, estava longe de ser ilimitada a autoridade que os ho mens do Renascimento reconheciam aos Antigos. Pelo contrário, os humanistas tinham plena cons-ciência de que o passado greco-romano se encon-trava irremediavelmente morto e de que apenas em espírito poderia ser evocado. Neste sentido, não têm em mente copiar a Antiguidade, mas simples-mente igualá-la e, mesmo, se possível, superá-la.

A arquitectura

Desse modo, os artistas não procurarão repro-duzir os monumentos pagãos, mas tão só usar um

repertório colhido nas obras da Antiguidade, crian-do, com o seu auxílio, uma arte all’antica(isto é, à maneira dos antigos) mas correspondendo às exi-gências e ao modo de vida do homem moderno. Movia-os, porém, a convicção de que, tal como a ciência ou a música, também a arte possuía as suas próprias leis, que haviam sido descobertas e aplica-das pelos artistas gregos e romanos e que tradu-ziam uma íntima relação com aquelas por que se regia o universo.

Grande parte do esforço dos artistas do Renasci -mento aplicar-se-ia, assim, no estudo dos monumen-tos antigos, tendo em vista a compilação de um ver-dadeiro inventário de formas e o estabelecimento de

um corpo de regras susceptível de fornecer uma construção e uma representação racionais do espa-ço. Este método, que haveria de conduzir à noção de

perspectivaestabelecida por Filippo Brunelleschi, forneceria aos artistas ao mesmo tempo um instru-mento de trabalho e um conjunto orgânico de for-mas aptas a serem aplicadas em todas as situações. Escusado será dizer que todo este processo releva da importância que o progresso do conheci-mento tem na própria criação artística e, na verda-de, é este o sentido de toda a obra de Brunelleschi (1377-1446), que inaugura o Renascimento, em Flo-rença, com a construção da cúpula do Duomo* (1419). Verdadeiro prodígio da engenharia, esta cúpula, formada de duas calotes sobrepostas, liga-das a uma base quadrada, constitui uma transposi-ção sábia do Panteão de Roma. A ideia-mestra segundo a qual se estrutura toda a sua obra e que pode obser var-se, também em Florença, em San Lorenzo* ou na Capela dos Pazzi, é a de “cubo espa-cial”, como módulo em função do qual se articula todo o edifício.

Não deixaria, contudo, Brunelleschi, de tentar outras experiências, como a utilização de elementos da arquitectura militar e da engenharia hidráulica romanas na criação de tipologias de arquitectura civil, como no Palácio Pitti, desenvolvidas depois pelo seu discípulo Michelozzoem obras como o

Palácio Medici-Riccardi*, que se converteria no modelo de palácio florentino. A ele se deve o pri-meiro projecto de uma igreja de planta centrada, que viria a retomar-se e a projectar-se universal-mente, graças à divulgação que dele fez um arqui-tecto da geração seguinte, Leon Battista Alberti. Verdadeira figura de arquitecto-humanista, Alberti (1404-1472) deixaria escassa obra, mas redi-giria os primeiros tratados modernos, graças aos quais o Renasci mento se divulgou em toda e Euro-pa. Para além da planta centrada, devem-se-lhe tam-bém temas de grande impacte posterior, como o da igreja em cruz latina, de nave única abobadada e cúpula, que praticou no projecto para Sto. André de Mântua(1470), bem como uma estética eivada de um classicismo erudito de pendor arqueológico, anunciador daquilo que se designaria por “Idade Clássica” e que influenciaria fortemente a arquitec-tura dos séculos seguintes.

Nos últimos decénios do século XV o Renas ci -mento, levado em muitos casos pelos próprios artis-tas florentinos, estende-se a toda a Itália e surgem escolas autónomas, onde a arquitectura se liberta da severidade que de certo modo a caracterizara em Florença. Aí se expande um gosto decorativo que se reflectirá em obras como a porta do Castel-nuovode Nápoles, de Francesco Lau rana, realiza-da em 1458, ou a Cartuxa de Pavia*.

A escultura

A lição da Antiguidade, cujos vestígios se colec-cionavam avidamente, é também válida no que se

Sacristia Velha de San Lorenzoem Florença (séc. XV) por Brunelleschi. © Fabri/Artephot. A “sacristia velha” de San Lorenzo constitui um notável exemplo do esforço desenvolvido por Brunelleschi na criação de um módulo (o cubo espacial) que constitui a base da sua arquitectura.

Renascimento lombardo. Fachada da Cartuxa de Pavia (fim do séc. XV, início do séc. XVI).

© Dagli Orti.

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CARACTERÍSTICAS

O Renascimento

LORENZOGHIBERTI(1378-1455),

Porta do Paraísodo Baptistério de Florença. © Dagli Orti.

Donatello (1386-1466), estátua equestre de Gattamelata © Dagli Orti.

refere à escultura. Apesar disso, não assistimos à elaboração de um conjunto de regras análogas às que orientavam a concepção arquitectónica e a tran-sição em relação ao período anterior revela-se menos brusca. A busca do naturalismo, nascida do próprio interesse pelo homem, tanto no que respei-ta à forma do seu corpo como às suas capacidades expressivas, constitui o principal objectivo e a clare-za da composição reflecte-se em esquemas compo-sitivos geometricamente simples.

Verifica-se um acentuado gosto pela exploração e mesmo ostentação de conhecimentos e meios téc-nicos, como o atestam a redescoberta das estátuas equestres ou a técnica do schiacciatonos baixos--relevos e uma tendência para o gigantismo. De resto e na lógica do individualismo que caracteriza este período, a escultura adquire um valor monu-mental que a liberta do marco arquitectónico a que permanecera quase sempre sujeita.

A eclosão do Renascimento na escultura é um pouco mais tardia do que na arquitectura. No con-junto dos admiráveis relevos de bronze daPorta do Paraíso do Baptistério de Florença* (1425), de Lorenzo Ghibertio estilo atingira já uma espanto-sa fluidez e um virtuosismo técnico que se compraz em notáveis exercícios de perspectiva.

O maior nome desta geração de escultores flo-rentinos é o de Donatello (1386-1466) em cuja imensa obra se aliam valores patéticos herdados da arte gótica com uma poética já totalmente renascen-tista, bem ilustrada no S. Jorge ou no belíssimo

David* de bronze. Deve-se-lhe igualmente a primei-ra estátua equestre em bronze desde o período romano, a de Gattamelata, em Pádua (1443).

Outro notável escultor (além de pintor e ouri-ves) florentino seria Andrea del Verrochio (1435--1488), autor de vários túmulos e de jóias para os Médicis, que difere de Donatello pelo dinamismo e intensa carga psicológica das suas figuras. O seu

David, mais jovem que o de Donatello, parece dota-do de vida, na sua pose ligeiramente instável e a estátua equestre que realiza em Veneza para o con-dottiere Colleoni, transbordante de força expressi-va, estenderá a sua influência até ao barroco.

Pelos mesmos anos, um outro escultor, Luca della Robia*, patriarca de uma verdadeira dinastia que continuará a sua obra, traduzia em barro vidra-do e policromavidra-do o gosto pela delicadeza e pela har-monia que caracteriza este primeiro Renascimento. À medida que avança o século XV, os artistas pare-cem orientar-se para a procura de uma beleza pura-mente formal e intelectualizada e é nesse contexto que surgem alguns dos mais belos conjuntos fune-rários, como os que realizaramAntónioe Bernar-do RosselinoeDesi derio da Settignano.

A pintura

Ao invés do que se passava no campo da arqui-tectura e da escultura, a pintura, à falta de

pos em que se apoiar, desenvolveu-se como uma criação essencialmente intelectual, que procurará explorar em seu proveito as possibilidades forneci-das pela perspectiva, apoiaforneci-das em inovações técni-cas como a pintura a óleo ou a preparação do fresco através de cartões. Certos sectores, como o retrato, terão um notável surto, tal como a pintura de cava-lete, cuja fácil circulação facilita a divulgação das correntes estéticas.

Depois do fresco do jovem pintor florentino Masa ccioem Santa Mana Novella, representando a

Santíssima Trindade* (1425), que constitui a certi-dão de nascimento da pintura renascentista e onde as figuras de recorte escultórico se destacam sobre um imponente fundo de arquitecturas, a perspecti-va, a par dos efeitos de luz e cor, não deixaria de constituir a preocupação dos pintores deste perío-do, como Andrea del Castagno, Paolo Uccello ou Fra Angelico.

Mas o grande vulto que abrange os meados do século XV é, sem dúvida, Piero della Francesca, cujas pinturas se destacam por uma dignidade e calma impressionantes. As suas personagens silen-ciosas, envoltas numa atmosfera cristalina, desta-cam-se sobre fundos de paisagem ou, como na Pala Brerae na prodigiosa Flagelaçãode Ur bino*, recor-tam-se sobre arquitecturas que constituem fantásti-cos jogos de perspectivas. Com ele a pintura renas-centista ultrapassa os limites da Toscana e outros centros, como Urbino, Veneza ou Roma se desta-cam nas últimas décadas do século XV.

É o caso de Andrea Mantegna, oriundo de Pádua, que deixaria os seus trabalhos dispersos por diversas cidades, entre as quais Roma, e nelas pro-duziria obras que transformam o sentido espacial do Renascimento, ao projectar as suas figuras e as suas construções arquitectónicas sobre um plano de forte tensão fantástica, como em A Morte da Vir-gem* ou na Oração de Cristo no Horto. Os seus fun-dos arquitectónicos não são meros jogos de sábias perspectivas, antes ilustram uma espantosa curiosi-dade arqueológica, patente nos diversos S. Sebas-tião, paradigmáticos também do seu aprofundado estudo da anatomia humana, à qual consegue impri-mir um carácter escultórico próximo da estatuária antiga.

Nas últimas décadas do século XV, contudo, a pintura florentina evolui para uma expressão forte-mente intelectualizada que teria os seus principais expoentes em Botticelli (1445-1510) e Perugino (1448-1523). O primeiro perseguiria uma via muito pessoal, marcada por uma visão etérea e por um linearismo sinuoso e poético, que se evidencia nas suas melhores obras, como O Nascimento de Vénus* (primeiro genuíno nu feminino) ou a Alego-ria da Primavera. Quanto a Perugino, desta ca-se por uma finura muito especial, ainda que algo afec-tada, que impregnaria as suas célebres Madonnas de uma inimitável melancolia e deixaria em Roma, na Capela Sistina, aquela que seria uma das suas

Oficina de DELLAROBBIA, Anjo-candelabro(séc. XVI), Museu de Agen.

© Lauros/Giraudon.

Masaccio (1401-1428), A Santíssima Trindade. Igreja de Santa Maria Novella, Florença.

© Magnum.

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CARACTERÍSTICAS

O Renascimento

Andrea MANTEGNA(1431-1506), A Morte da Virgem.

Museu do Prado, Madrid. © Dagli Orti.

Sandro BOTTICELLI

(1445-1510),

O Nascimento de Vénus. Museu dos Uffizi, Florença. © Dagli Orti.

melhores obras, Cristo entregando as chaves a S. Pedro(1482), marcada pela claridade espacial e pelo rigor da perspectiva.

No documento DA ARTE HISTÓRIA (páginas 117-122)