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Os países do Norte

No documento DA ARTE HISTÓRIA (páginas 143-147)

Pela mesma época, a Flandres converte-se num foco de difusão da estética maneirista, patente em obras como o Palácio Municipal de Antuérpia

(1561) de Cornelis Floris, a Otto-Heinrichbaudo Castelo de Heidelberga*, a Câmara do Conselho de Verãodo Muní cipio de Danzig, na Polónia, ou ainda, em Inglaterra, o pátio da Burghley House* em Stan-ford.

É na pintura, porém que os artistas flamengos se mostram mais “romanistas”. O termo referia-se originalmente aos artistas que haviam empreendido a viagem de Roma, mas terminaria por converter-se numa designação genérica, de todos os que se dedi-cavam a imitar a maneira italiana.

Destacam-se agora grandes centros artísticos, como Antuérpia e aí trabalharia Jan Metsys, filho de Quentin, devendo-se-lhe a divulgação do retrato segundo o gosto italianizante. A sua formação, decorrida em grande parte em França e em Itália, explica as afinidades entre a sua pintura mitológica, de uma sensualidade sofisticada (de que se desta-cam duas famosas versões de Flora*) e a escola de Fontainebleau.

Dele descenderia, uma pleiade de maneiristas setentrionais, quase especializada em composições mitológicas de um refinado erotismo, que desenvol-vem até à exaustão o receituário italiano e que teria os seus melhores representantes em Bar tholo-meus Spranger, Cor ne lis Cornelisze Abraham

Bloemaert. Os permanentes contactos destes pin-tores com a arte italiana e francesa, por um lado e as suas digressões pela Europa central e oriental, por outro, serão grandemente responsáveis pela difusão deste gosto, que correspondia às preferên-cias de clientelas eruditas e refinadas. Não pode abandonar-se a pintura maneirista flamenga sem uma referência ao célebre gravadorGoltzius, que contribuiu para divulgar as obras italianas em toda Europa.

Desenvolve-se paralelamente na Flan dres e no Norte dos Países Baixos uma outra corrente, que iria especializar-se na descrição de paisagens e de pitorescas cenas da vida popular, e cujo mais repre-sentativo expoente seria Pieter Brueghel. Na sua obra, de um colorido intenso e álacre, como a Bata-lha entre o carnaval e a Quaresma*, perpassa uma intencionalidade satírica ou moral e uma fantasia afins da obra de Bosch.

A Península Ibérica

Espanha e Portugal, por último, constituiriam notáveis focos difusores do Maneirismo, até pela extensão dos seus impérios coloniais que, pela pri-meira vez, iriam projectar a arte europeia à escala planetária. No Brasil e na América Central e ainda no Oriente, especialmente na Índia e Macau, verifi-ca-se uma miscigenação do gosto europeu com as diversas sensibilidades autóctones, que se encontra bem representado nas catedrais do Méxicoou de

Goa. As circunstâncias especiais que se viviam nos países ibéricos e o peso que a Contra-Reforma aí detinha, imporiam a esta corrente estética uma fisionomia austera e dogmática.

Cria-se, assim, uma arquitectura despojada e fria, de extraordinária severidade, a qual, embora distinta na sua configuração em Espanha e Portu-gal, participa do mesmo espírito, e cujo exemplo mais paradigmático será decerto o gigantesco Mos-teiro de El Escorial (1563), erguido por Juan Bau-tista de Toledoe Juan de Herrera. O mesmo gosto encontra-se também na pintura, no grande retrato cortesão, cujos melhores protagonistas são Sanchez Coelho em Espanha e Cristóvão de Morais* em Portugal.

A verdadeira tradução do clima de exaltação espiritual que se vivia nesses anos seria a obra escultórica de Alonso Berruguete, e de Juan de Juni. Um lugar à par te ocupa a pintura de El Greco(1541-1614), artista de origem cretense, for-mado em Itália e radicado em Toledo. Ainda que nitidamente maneirista pelas suas cores deliberada-mente estridentes e pelo alongamento extremo das suas figuras, engendra composições em que a recu-sa da perspectiva e a ausência geral de conceitos renascentistas o aproximam da arte bizantina e da arte gótica. O seu misticismo alcançará a máxima consagração em O Enterro do Conde de Orgaz* (1586), anunciando já a teatralidade do Barroco.

Fachada Oeste da Basílica do Bom Jesus. Goa. Índia © Roland et Sabrina Michaud.

Juan de JUNI(1506-1571), Deposição no túmulo, madeira polícroma Museu Nacional de Escultura, Valladolid, Espanha.

© Dagli Orti.

Cristóvão de MORAIS, Retrato de D. Sebastião Rei de Portugal, Museu Nacional de Arte Antiga. Lisboa. © Giraudon.

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ANÁLISE DA OBRA

O Maneirismo

O Enterro do Conde de Orgaz (1586-1588)

ELGRECO(1541-1614), Toledo, Igreja de S. Tomé

© Giraudon.

A

pós a sua formação em Creta e depois em Itá-lia, El Greco instala-se em Toledo em 1576. Nesta cidade de humanistas, juristas e reli-giosos, o pintor encontra as condições ideais para o seu desenvolvimento artístico. Em 1586, por enco-menda da igreja de S. Tomé, executa a grande tela (4,80 x 3,60m) do Enterro do Conde de Orgaz.

O tema

Segundo a tradição, Gozalo Ruiz, senhor de Orgaz, falecido em 1323 e benfeitor da igreja de S. Tomé, teria sido honrado, em recompensa dos seus muitos actos de caridade, com exéquias miraculo-sas. Santo Agostinho e Santo Estêvão haviam desci-do desci-do céu para procederem pessoalmente ao seu enterramento.

Embora se tratasse de um episódio ocorrido dois séculos e meio antes, Greco relata-o como se fosse um facto contemporâneo. Com efeito, entre os assis-tentes encontram-se diversos membros do clero e da nobreza local e podemos mesmo divisar o próprio pintor, acima da mão erguida do cavaleiro, e seu filho Jorge Manuel, ajoelhado em primeiro plano. Apenas estas duas personagens nos observam, aliás, estabe-lecendo, desse modo, um elo entre o observador e a narrativa do milagre que a criança indica.

A composição

Concebida em estreita harmonia com o marco arquitectónico em que se inscreve, o quadro ocupa, a 1,80 m do chão, a superfície inteira da parede em que se abriga. Na base da tela, uma grande lápide

de pedra faz parte da composição, simbolizando o sarcófago para o interior do qual os dois santos des-cem os despojos mortais do senhor de Orgaz.

Uma superfície neutra, situada acima do alinha-mento das suas cabeças, divide a composição em duas partes. Na zona inferior, as numerosas linhas horizontais e verticais criam um efeito estático que evoca a morte. Na zona superior, linhas oblíquas, curvas e contra-curvas, produzem um efeito dinâmi-co expressivo das forças da vida espiritual.

Não obstante, o pintor fornece as coordenadas da interpenetração entre as duas esferas, que se completam e explicam mutuamente (ver esquema).

Comentário

A obra de Greco constitui um resumo de toda a história da pintura espanhola. Alimentada das

tradi-ções bizantinas, assimila o melhor da pintura italia-na, antes de vir expandir-se em terra ibérica. Este pintor transplantado, alcança identificar-se com a realidade espanhola, ao libertar a presença na vida quotidiana da dimensão sobrenatural.

Alma atormentada, Greco opõe, de facto, cons-tantemente, a terra e o céu, o sensível e o espiritual. Por isso, a sumptuosidade da matéria da armadura do conde e das vestes de Santo Estêvão e Santo Agostinho contrasta com a irrealidade do céu, onde as formas alongadas, as harmonias sumptuosas, por vezes dissonantes e a fantástica iluminação, se con-jugam para compor uma visão sobrenatural. Greco atinge no plano pictórico a mesma profundidade de exegese que anima os grandes místicos espanhóis contemporâneos e a espiritualidade intensa e apai-xonada que penetra toda a sua obra transporta-nos aos confins dum mundo alucinatório.

APÓSTOLOS

CÉU

Cores fritas e irreais

Leveza, transparências das núvens e dos panejamentos Reabilitação da composição tradicional de um tímpano

Universo sem cor negro, branco e cinzentos Grandes contrastes de valores; expressão do drama

da morte

Linhas convergentes para o interior do solo

INUMAÇÃO PASSAGEM (purgatório) TERRA MUNDO ESPIRITUAL SOBRENATURAL MUNDO MATERIAL COMU-NICAÇÃO ENTRE O CÉU E A

TERRA Cores quentes;

castanho da terra Densidade dos efeitos de matéria

Minúcia dos detalhes das vestes sacerdotais

Oblíquas dinâmicas Linhas ascendentes Horizontais e verticais Linhas estáticas

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VIDA ETERNA MORTE Santo Estêvão Santo Agostinho CABEÇAS LINHA DE OURO MONGE PADRE 1/3 2/3 134-147.qxd:Minerva 10/11/07 11:27 Page 145

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ANÁLISE DA OBRA

O Maneirismo

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