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CAPÍTULO I SOCIEDADE, VIOLÊNCIA E ESCOLA

1.4 Violência (s) na escola

1.4.1 Bases sociais da educação e escola

A partir do exposto no tópico anterior pode-se compreender um pouco do complexo universo da violência social e ir mais além para refletir sua expansão para o ambiente escolar,

uma vez que a escola está inserida em um contexto maior. Antes de falar especificamente sobre a relação entre sociedade e violência nas escolas é importante ressaltar que educação é um processo histórico que se constitui a partir da vida em sociedade, nesse sentido, falar de educação em determinado período requer que entendamos a sociedade correspondente a momento histórico.

De acordo com Pasqualotto (2006) a educação praticamente coincide com a história da existência humana, ou seja, a escola não é abstrata, isolada ou absoluta, ao contrário, tem uma determinação histórica e também é influenciada pelos condicionantes sociais, culturais e econômicos. É um processo que considera o todo social em cada período da história, e, portanto, a cada momento histórico a educação se diferenciou e foi determinada em função do modo como os homens produzem e reproduzem os meios de vida material, através do trabalho, como uma maneira de reprodução das relações existentes.

Desta maneira, não é possível analisar a educação, e especialmente a educação escolar, desvinculando-a da realidade em que se insere. A relação entre sociedade e educação diz respeito ao modo como os homens se organizam para produzir e distribuir os bens que necessitam para sobreviver e qual o papel da educação, historicamente, no desenvolvimento das sociedades (Cassin, 2008).

Cabe ressaltar que a educação não se resume à questão escolar, uma vez que ultrapassa os limites de uma instituição isolada, a qual foi criada socialmente e como um instrumento de concretização da educação. Apesar de ter ocorrido formalmente dentro das escolas não se restringe a esse ambiente, pois claramente podem-se observar processos educativos em diversos espaços institucionalizados ou não, como por exemplo a educação no âmbito familiar que, como primeira instância no processo de socialização dos indivíduos, introduz a vida em sociedade. Cabe ainda destacar que tanto a socialização quanto a educação continuam ao longo da vida, porque sempre estamos nos relacionando e aprendendo.

Além disso, como acrescenta Pasqualotto (2006), o ensino formal, sistematizado e institucionalizado não existiu desde sempre. Ao mesmo tempo, isso não impediu, por exemplo, que os povos primitivos tivessem educado seus membros nas comunidades, até porque a própria socialização se constitui como processo educativo e pode ser desempenhada por diversas instituições sociais além da escola.

Como vivemos em uma sociedade capitalista, é certo que sua contradição repercute nas diversas esferas sociais, sendo uma delas a educação. Assim, significa dizer que a escola incorpora a lógica do capital e, por isso mesmo, reproduz as relações deste, de modo que se torna também um local onde se trava a luta de classes. Por esse aspecto, a educação não é neutra, ao contrário, expressa determinados interesses de classes, podendo ou não contribuir para a diminuição das desigualdades sociais e transformação da realidade (Yamamoto, 2004). É um processo que ocorre de forma “tão natural” que sem análise crítica torna-se quase imperceptível aos que se inserem no contexto. Para Asbahr e Sanches (2013) é essencial entender a sociedade capitalista porque aí será possível compreender o contexto em que a escola se insere, “embora a escola pública não seja uma unidade de produção capitalista e não esteja subordinada ao controle direto do capital, está submetida a ele de forma política e ideológica” (p.40).

Portanto, a educação não se desvincula do contexto social, ao contrário, insere-se e engendra suas peculiaridades a partir do todo, do macro, da sociedade, do capitalismo. Nesse sentido, entender o que acontece com a educação e se materializa nas escolas, especificamente, é, acima de qualquer coisa, compreender como se processam ideologias, desigualdades, função social, enfim, entender como a lógica do capital repercute no âmbito educacional e escolar e, ao mesmo tempo, como suas mazelas contribuem para fomentar violência não somente nas relações sociais extramuros escolares, mas dentro dessas instituições e como a própria escola reproduz e também produz violência.

Ao se analisar, mesmo que brevemente, a história da educação pode-se depreender como evolui e se molda a partir da lógica dominante, que inclusive se sofistica e passa quase imperceptível aos olhos dos menos atentos. De acordo com Jorge (2009), a relação entre sociedade e educação é complexa, uma vez que a escola não se separa do contexto onde se insere, e dialeticamente se influenciam. Ainda conforme a autora, a educação parece mudar de acordo com o período histórico em que se situa e é determinada a partir dos meios de vida produzidos e reproduzidos pelos homens. Ou seja, a educação vem sendo organizada e modificada ao longo da história e tem sido função de ideais específicos.

Passaremos a uma descrição resumida da história da educação e como ela se molda conforme a lógica do capital e adquire funções específicas. No início da humanidade, nas comunidades primitivas, a educação se dissemina no cotidiano ao cumprir a função de transmitir conhecimentos, necessários ao bem comum e subsistência do grupo, entre os membros da comunidade e a cada nova geração. Entretanto, quando a comunidade se transforma em uma sociedade dividida em classes, a educação deixa de ser espontânea no processo de trabalho e torna-se dependente dos interesses dessa configuração social se diferenciando para aqueles que precisavam trabalhar para sobreviver, cuja educação, na maioria dos casos, ocorria no próprio local de trabalho, e a educação para a classe dominante (donos das terras) que ocorria na escola (Pasqualotto, 2006).

Essa educação dualista ocorre em boa parte da história: na antiguidade, as classes são divididas entre os proprietários de terras e os não proprietários (escravos), ficando a cargo destes últimos a manutenção deles mesmos e dos senhores donos de terras; na Idade Média, em que o trabalho escravo é substituído pelo trabalho servil baseado na produção feudal, a Igreja Católica (ligada ao Estado) se torna responsável pela educação da classe dominante, que ocorria nas próprias dependências dessa instituição, e os servos (maioria da população) continuam sendo educados a partir do trabalho; com a passagem do sistema feudal para o

capitalista a cidade e indústria se desenvolvem e exigem das escolas a necessidade de uma educação generalizada (Pasqualotto, 2006).

O período entre os séculos XVII e XVIII é marcado pelo capitalismo da manufatura que tem como característica principal do processo produtivo a divisão do trabalho em operações específicas e parcelares. Com a transição da manufatura para a indústria, em meados do século XVIII, e com a introdução da máquina no processo produtivo, que passa a executar a maior parte das funções manuais, surge a necessidade de extensão dos serviços escolares. Então, no final do século XVIII se inicia a formação dos sistemas nacionais de ensino, que pressupunham a educação como direito de todos e dever do Estado. Apesar disso, é somente no século XIX que se materializa essa tentativa de organização dos processos educativos, muito embora de forma contraditória, assim como no capital, porque nesse mesmo processo as escolas se diferenciam, polarizando a formação geral e profissional e o humanismo e as ciências etc. Já no final do século XIX, com a formação do capitalismo na fase monopolista, têm-se as condições apropriadas para que tanto o discurso quanto a necessidade de uma educação para todos fosse possível. Os interesses burgueses presumiram, então, um Estado que começa a produzir um discurso educacional em defesa da escola pública, universal, laica, obrigatória e gratuita, concebida como espaço primordial de formação de todos (Pasqualotto, 2006).

Cabe destacar, ainda de acordo com a autora acima, que a ideia de universalização só se manifesta a partir do momento em que a desigualdade social se torna tão aparente que não pode ser negada, ou seja, devido ao impacto do crescimento dos problemas sociais e da organização do proletariado: com a introdução da máquina no processo produtivo, de um lado, houve aumento da produção e da riqueza social (apropriação privada), mas, por outro, houve grande miséria em função do desemprego decorrente da liberação de muitos trabalhadores da produção, uma vez que a máquina passou a exercer a maior parte das

funções manuais. Assim, as mudanças nos processos de trabalho provocam acirramento dos conflitos sociais entre as classes e, portanto, era preciso ter indivíduos que se adaptassem a este contexto através de uma formação voltada para contribuir com a legitimação e manutenção do sistema capitalista, por isso, a necessidade de generalização e universalização da escola, só que restringindo-se ao nível básico de ensino como forma de nivelar, minimamente, a qualificação dos trabalhadores, adaptando-os às mudanças.

Essa ideia de universalização e unificação da educação é apenas uma forma de equalizar, no discurso, as classes sociais, mas contraditoriamente, na prática, ressaltam o quão diferente é a realidade para cada lado, dominados e dominantes, e como a educação se organiza para legitimar o sistema e apaziguar os ânimos ao atender os interesses e necessidades capitalistas. Como se pode perceber, a educação, desde que surgem as classes sociais, atende a interesses da lógica dominante e se organiza conforme o processo produtivo. A sua universalização apenas cumpre uma funções da escola dentro do capitalismo: garantir aos indivíduos os elementos necessários a essa sociedade; com qualificação mínima exigida; e, manter o sistema com todo o seu caráter contraditório, excludente e mercantil com a diferenciação de classes na educação ao se apresentarem sistemas de ensino diferenciados para cada grupo exercer seu papel e dever social. A universalização traz a falsa sensação de que todos tem oportunidades iguais e liberdade para fazer suas escolhas.

Nesse sentido, a escola reflete a divisão de classes na sociedade e, desta maneira, não é a mesma para todos, e nem todos tem oportunidades iguais de promoção pessoal e autoafirmação. De maneira geral, o todo organizado da escola se orienta a partir do esquema dual da sociedade e sua função excludente e seletiva: seja nos conteúdos trabalhados, às vezes, sem sentido ou relevância social para os alunos; na metodologia hierárquica imposta; repetição massiva de conteúdos em sala e nas atividades avaliativas; disciplina dos corpos e

mentes; rigidez de horários; expectativa comportamental, enfim, elementos desejáveis que muito se assemelham ao processo fabril (Cruz, 2010).

Por tudo isso, o surgimento da escola tem na sociedade capitalista, muito embora a anteceda, status de generalização em função da necessidade socialmente produzida pelo homem a partir da complexidade de conhecimento acumulado historicamente, assim, a escola deve organizar e sistematizar o saber. Mas, em função dessa mesma sociedade, a escola serve, em princípio, aos interesses do capital, principalmente no que diz respeito à disseminação da ideologia dominante (Scaff, 2013). O que se quer dizer é que a escola cumpre um papel dentro da lógica do capital de manutenção dessa ordem, seja com o ensino voltado para o mercado de trabalho, seja com a reprodução da ideologia da classe dominante e da divisão de classes em seu interior, seja como uma forma de “diminuir” as desigualdades com a falsa sensação de igualdade de oportunidades.

É importante acrescentar que ao mesmo tempo em que existe essa visão de escola que contribui para a reprodução do modo de produção capitalista, a escola também é, contraditoriamente, um espaço de instrumentalização intelectual da população para lutar pela superação desse modo de produção excludente. Ou seja, a escola também pode ser vista como um caminho para contribuir na busca da transformação social quando se torna um espaço de reflexão e compreensão da realidade através da apropriação do saber (Asbahr & Sanches, 2013).

Esse breve histórico e todos os elementos trazidos permitem compreender como o modo de produção capitalista, em suas diversas fases, relaciona-se com a educação e como essa relação serve de base para as propostas educacionais e diferentes formas de ensino ao longo do tempo, ou seja, como a educação tem que se organizar para se adequar às demandas do processo produtivo ao longo da história e, em grande parte, em uma sociedade excludente e contraditória. Assim sendo, a educação não é estanque, é um processo que é um produto

histórico, determinada pelas condições sociais, culturais e econômicas existentes e, por conseguinte, assume diversas conotações conforme o contexto em que se insere, tanto considerando o período histórico, quanto o local. Assim sendo, o movimento social do qual a educação se organiza é mediado por um processo histórico que a coloca como fenômeno concreto da realidade e, para tanto, é preciso considerar as múltiplas determinações e totalidade de relações que a engendram, inclusive, como mecanismo de luta contra hegemônico em direção à transformação social.