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CAPÍTULO I SOCIEDADE, VIOLÊNCIA E ESCOLA

1.4 Violência (s) na escola

1.4.2 Violência na/da/contra a escola

Na primeira parte do capítulo foi possível refletir como a sociedade capitalista contribui para produzir e reproduzir a violência como uma forma de sociabilidade. Já na seção que relaciona a educação, e em especial a escola, com a sociedade capitalista e como serve aos propósitos do capital, pudemos ver como a escola reflete em seu interior o que acontece na sociedade. E, como a violência é um problema social, se dissemina por todos os lugares, e não poderia ser diferente com a escola.

É comum ouvir em noticiários televisivos, jornais e rádio, e mais atualmente na internet, questões relacionadas à violência nas escolas (Lawrenz & Rava, 2012). Mas não é só no senso comum que esse tema tem tido destaque e interesse, existem algumas pesquisas realizadas, como a divulgada em 2008 pela organização não-governamental Internacional Plan, que traz como um dos resultados que aproximadamente 1 milhão de crianças, em todo o mundo, sofre algum tipo de violência nas escolas, diariamente (Plan, 2008). A escola passa a ser vista, então, como um local em que a violência incide com frequência. Isso se deve porque é nela onde, muitas vezes, os conflitos e problemas se tornam primeiramente visíveis (podendo ser resolvidos) (Souza et al., 2013). São práticas que vêm sendo relatadas em escolas de todo o mundo e tem despertado o interesse em uma linha de investigação,

notadamente na última década do século XX, que incialmente se denominou segurança nas escolas e hoje em dia é mais conhecida por violência nas escolas (Assis & Marriel, 2010).

Apesar da maior exposição, atualmente, da violência nas escolas, as discussões e investigações sobre o fenômeno são mais antigas do que se possa imaginar, nos Estados Unidos, por exemplo, já na década de 1950, existiam estudos sobre o tema. Conforme o tempo foi passando, a violência nas escolas adquiriu conotações mais graves e tornou-se um problema social quando se relacionou ao uso de drogas, formação de gangues, porte de armas, etc., além de que, tem como base a relação com a violência urbana cotidiana. O reflexo dessa mudança é percebido através do foco de investigação que sofreu transformações ao longo do tempo e a violência no contexto escolar variou de uma simples questão disciplinar, para posteriormente ser tomada como “delinquência juvenil”, e atualmente é entendida como fenômeno social, que em um contexto mais amplo abarca questões estruturais como a globalização e exclusão social. Diante disso, as análises precisam ser mais profundas e não se restringir às transgressões praticadas no dia a dia por estudantes e entre eles (Abramovay & Oliveira, 2006).

No Brasil, ainda conforme os autores, vários pesquisadores tem se debruçado sobre o tema com o intuito de mapear e buscar as causas e efeitos (sobre alunos, professores, gestores, e demais funcionários da comunidade escolar) dessa problemática. Os primeiros estudos no país são da década de 1970, em que pedagogos e pesquisadores procuraram explicações para o crescimento das taxas de violência e crime. Na década de 1980, o foco foram violências contra o patrimônio, como as depredações e as pichações. Na maior parte da década de 1990, as agressões interpessoais, principalmente entre alunos, ganham destaque. No final do século XX, e início do século XXI, a violência nas escolas causou uma grande preocupação e começou a ser problematizada a tese de que “as origens do fenômeno não estão apenas do lado de fora da instituição – ainda que se dê ênfase, em especial, ao problema do narcotráfico,

à exclusão social e às ações de gangues” (Abramovay & Oliveira, 2006, p. 30). A maioria dos estudos de larga escala, realizados ao longo dos últimos anos pelos principais organismos internacionais, procurou explorar os contextos violentos que emergiam no ambiente escolar, a percepção de atores internos e externos, regionalidades e o tamanho dos municípios. Um aspecto inovador é o foco nas representações das crianças e dos adolescentes que estudam nas escolas analisadas.

Nas escolas, as reclamações giram em torno, primordialmente, da fase da adolescência, entretanto, ainda na educação infantil também se presenciam brigas e agressões físicas. Além disso, as formas de expressão da violência nas escolas atreladas ao elevado número que tende a crescer cada vez mais, gera uma sensação de não saber o que fazer que se dissemina por toda a comunidade escolar: no caso dos professores, que muitas vezes não estão preparados para enfrentar esta realidade, assim como no caso dos pais que entendem o fenômeno como uma questão de controle social ou não dos filhos, embora também temam suas ameaças, e, no caso dos alunos que se amedrontam com as diversas situações de conflito e violência e, muitas vezes, abandonam os bancos escolares. Todo esse conjunto de problemáticas acaba levando a um esvaziamento nas escolas públicas que, em geral, parecem estar sendo abandonadas tanto pelos alunos quanto pelos funcionários, dado o avanço da violência física - e emocional, inclusive - por parte não somente dos alunos, mas também dos professores (Lawrenz & Rava, 2012).

Talvez essa conjuntura do funcionamento das instituições escolares esteja relacionada ao que Nunes (2011) apresenta: que a violência e a indisciplina - realidades presentes na maioria das escolas - reverberam no cotidiano escolar dessa maneira em função de um desequilíbrio e desarmonia que provocam.

Assim, a violência nas escolas adquire algumas dimensões, por isso mesmo, possui denominações específicas que variam conforme os tipos de conflitos, agressores e vítimas,

bem como, por essas especificidades, exigem intervenções distintas, nessa perspectiva, a violência pode ser: contra a escola, da escola, e, na escola (Schilling, 2012).

A violência contra a escola remete aos seguintes exemplos: pichações, depredações, bombas jogadas em banheiros, etc. Em geral, os agressores desse tipo de violência são alunos e ex-alunos e as causas estão ligadas à ambiguidade no papel da escola, seja como local para “guardar os alunos” ou como promessa de transformação social. Outros exemplos que integram a violência contra a escola são: desvio de verba; abandono dos prédios escolares; péssimos salários dos professores; desvalorização da profissão de professor; mudanças constantes na proposta de trabalho; etc. Os agressores para essa possibilidade de violência contra a escola são governantes e funcionários do Estado (Schilling, 2012).

A violência da escola vincula-se à violência contra a escola, entretanto, integra uma visão institucional da própria violência. Nessa dimensão, a escola reproduz a sociedade como ela é, assim sendo, se a sociedade é desigual, a escola será igualmente desigual. Os conflitos revelam-se entre as gerações, classes, gênero, raça, posição social, entre saberes, etc. Revela- se na discriminação, no não ensinar, na indiferença, na confusão entre comportamento privado e público, entre outros. Enfim, características que geram uma escola marcada pela vitimização e agressão, tornando-a um lugar de passagem (Schilling, 2012).

Por sua vez, a violência na escola é o resultado dessas várias violências, no cotidiano, uma vez que os diversos fatores já apontados (pichações, professores desmotivados, prédios abandonados, nada de conhecimento, etc.) geram o que seria a violência na escola: furtos, roubos, agressões, brigas e ameaças. Aparecem na escola também questões que são reflexos da violência em casa: negligência, maus-tratos, abuso sexual, disputas territoriais, etc. Enfim, é uma dimensão da violência no âmbito escolar que reflete, a sua maneira, os efeitos de diversas formas de violência (Schilling, 2012).

Mais uma vez estamos no campo de definições e tipologias, e a classificação referida anteriormente é apenas uma tentativa de mostrar uma divisão mais abrangente e que minimamente dê conta do fenômeno. Com ela se esgotarão todas as representações de violências nas escolas? Não. Mas é uma divisão pertinente por classificar de maneira ampla, mas ao mesmo tempo abrir margem para que subtipos, os mais variados, possam aparecer.

Cabe destacar, portanto, que definir o que seria a violência nas escolas não é tarefa fácil, e por isso mesmo existem diversos estudos que tentam compreender a sua manifestação no espaço escolar. Entretanto, na maioria desses trabalhos, percebe-se que a violência presente na escola, nos diferentes países, manifesta-se sob múltiplos aspectos. O que os diferencia é a forma de abordar o fenômeno, estabelecendo, assim, diferentes tendências de acordo com sua origem. Ou seja, a construção de como se define a violência escolar deve ocorrer a partir das particularidades de um determinado contexto, especialmente, porque as pesquisas já realizadas demonstram que a violência que acontece nas escolas é socialmente construída. Apesar disso, a tentativa de delimitar fronteiras das ações violentas que ocorrem na escola não deve encobrir as especificidades do fenômeno, isso porque a violência não tem um significado único, mas varia de acordo com o contexto em que ocorre e conforme os atores envolvidos (Cubas, 2006).

Assim, não importa definir, mas compreender como se expressa e o que contribui para sua ocorrência. Nesse sentido, a violência escolar se expressa em várias modalidades: violência entre alunos, entre alunos e professores, da escola e do professor contra o aluno, entre os professores, do sistema de ensino contra a escola e o professor, dos funcionários contra os alunos, do aluno contra o patrimônio da escola, entre outras (Ristum, 2010). Portanto, no ambiente escolar as situações de conflitos são protagonizadas por diversos atores e sob diferentes maneiras.

Algumas prováveis razões para essas modalidades de violências nas escolas podem ser apresentadas. Apesar dessa suposição de determinantes da violência nesse contexto, vale relembrar o quão complexo é o fenômeno, ainda mais no ambiente escolar que, além de reproduzir a violência da sociedade, também cria suas formas específicas de violência. Assim, para Pino (2007), a violência nas escolas pode acontecer porque:

A escola é, em certo sentido, uma espécie de caixa de ressonância das turbulências sociais que ocorrem nos diferentes meios sociais de onde procedem seus integrantes. Embora seja condenável qualquer prática de discriminação de alunos em função do lugar de procedência (periferias, favelas e bairros operários), que tem muito a ver com a condição social de classe, é inegável que a convivência deles com o clima de violência que pode existir nesses meios afeta de alguma maneira sua vida na escola. (2) O fato de ser a escola uma instituição frequentemente alheia ao que ocorre no meio social em que está inserida provoca um certo distanciamento entre ela e o próprio meio, o que a torna um “objeto” estranho para este meio e alvo fácil de ações predatórias, além de ser um espaço predileto de circulação de produtos legalmente proibidos, como as drogas. (3) Sem pretender desqualificar a escola, parece existir um certo consenso a respeito do fato de que a escola de hoje continua praticamente a mesma de séculos anteriores, imobilizada frente às mudanças que vêm ocorrendo na sociedade. Consequentemente, as relações entre os vários corpos que a compõem (direção ó docentes; docentes ó discentes; direção ó discentes) mudaram também, criando um mal-estar, de proporções que variam em cada escola, com consequências negativas nas relações entre eles. Isso facilita a emergência no interior da instituição escolar de formas de conduta, outrora impensáveis, nas relações sociais de alguns dos seus integrantes. (4) Os dirigentes da escola (direção, administração e corpo docente), com honrosas exceções, parecem não ter o feeling necessário para entender os “sinais dos tempos” [...]. (5) A instituição escolar traduz em si mesma, em maior ou menor grau, os processos e mecanismos históricos de exclusão social das crianças e jovens das classes populares. Não é de se admirar então que a instituição estranhe esses alunos, que em algumas escolas são maioria absoluta, e que esses alunos estranhem a instituição, abrindo-se assim no interior da escola o caminho para ações predatórias internas e para a emergência de formas com características aberta ou veladamente violentas. Pode-se dizer então que, se a escola, como outras instituições sociais,

muito pode fazer para incentivar a compreensão por parte dos alunos dos valores realmente humanos, livres de qualquer afetação moralista, capazes de fornecer razões para não optar pelo uso da violência no intuito de viver uma sociabilidade humana, ela tem também que repensar sua função numa sociedade em constante mudança (pp.781-782).

Como se pode perceber, os determinantes elencados, essencialmente, traduzem o fenômeno no nível das relações e como a violência no interior das instituições escolares adquire conotações específicas, portanto, entender a escola dentro do sistema capitalista é importante para compreender as bases da violência, ao mesmo tempo, é preciso também analisar o contexto escolar em cada caso e ver como a violência se processa no seu interior, a quem atinge, como atinge, quem promove, para então pensar como a escola pode contribuir não somente para desnaturalizar essa violência, mas também promover espaços de diálogo e construção coletiva das ações contra a violência e em direção a uma educação que favoreça o diálogo e mediação dos conflitos.

Dessa maneira, ressalta-se a intrincada relação dos condicionantes sociais e políticos com o contexto educacional, e, por sua vez, desse contexto com tais condicionantes: “como a escola é peça dessa engrenagem maior, mudando a escola estaremos também ajudando a mudar a sociedade” (Ceccon, Oliveira, & Oliveira, 1982, p. 83), e isso não significa dizer que é a escola sozinha que tem a função e a capacidade para transformar a sociedade, mas, faz parte desse processo, em conjunto com as demais instâncias sociais (Yamamoto, 2004). Nessa perspectiva, sociedade e escola compõem uma relação dialética por natureza e embora a educação sozinha não possa mudar a realidade, sem ela também não é possível.

Assim, por ser um local no qual crianças, adolescentes e jovens passam a maior parte de seu tempo, as constantes transformações na sociedade exigem das escolas e, do sistema educativo como um todo, novas estratégias para lidar com aspectos das dimensões em que

crianças e adolescentes possam se inserir, buscando sempre uma perspectiva de exercício de cidadania e, por consequência, garantia de direitos (Poletto & Poletto, 2013).

Por tudo isso, a despeito dessa visão da escola como lugar da violência, a educação é uma importante estratégia para enfrentá-la (Souza et al., 2013). Assim sendo, é preciso refletir, desenvolver e avaliar estratégias para repensar o conflito e a violência escolar, bem como, criar mecanismos para sua prevenção, levando em consideração as possibilidades a serem desenvolvidas e os seus limites, dado que a violência é muito complexa para ter sua extinção através de ações pontuais.

Capítulo II - A Justiça Restaurativa como alternativa para a resolução de