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CAPÍTULO II A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ALTERNATIVA PARA A

2.1 Formas tradicionais e extrajudiciais de resolver conflitos

Como a sociedade deve reagir às ofensas? O que deve ser feito quando um crime ou injustiça são cometidos? Para resolver os conflitos, existem diferentes formas. Algumas são

baseadas na força, no arbítrio sobre o certo e o errado, no julgamento, na busca da ordem, etc. Contudo, existem outras que se baseiam, essencialmente, no diálogo, e, por isso mesmo, no entendimento, na restauração, na harmonia, dentre outros. O que essas distintas formas tem em comum é o fato de que ocorrem mediante um processo, seguem procedimentos, e devem estar de acordo com a lei para que possam ser aceitas pelo Estado democrático de direito. Quando a forma de solução de conflito se pauta pela interferência de um terceiro impondo uma solução, decidindo, ou aplicando uma sentença, essa forma é chamada de adversarial, sendo o processo judicial sua forma mais comum (Nascimento, Leonelli, Amorim, & Leonelli, 2007).

Alguns conflitos somente podem ser resolvidos pelo Poder Judiciário, através de processo judicial, porque somente ele pode usar a força, quando preciso, para assegurar o direito ameaçado, ou punir alguém quando violar o direito, por exemplo, os direitos indisponíveis, como é o caso da vida, da integridade, e do estado civil das pessoas (Nascimento et al., 2007).

2.1.1 Justiça Retributiva/Tradicional

Conforme Costa (2012), o Sistema Tradicional incialmente foi visto como meio eficiente de combate à criminalidade. Caracteriza-se por ser um ritual solene e público, usando-se de normas e procedimentos formais, além de uma linguagem complexa. Seus atores principais são as autoridades – delegados, promotores e juízes, - as quais representam o Estado, além dos profissionais do Direito. Ao fim do processo, tem-se uma decisão por parte dessas autoridades, o que caracteriza uma unidimensionalidade do processo. No cumprimento da pena, o ofensor poderá demorar algum tempo para “acertar as contas” com o Estado, de modo que ao fim, pode nem mais estar na situação pessoal que estava à época do crime. A

partir desse contexto, a vítima fica sem garantias de reparação efetiva dos danos e, muitas vezes, não denuncia os crimes que sofre. Dizendo de outra maneira, o ofensor irá “pagar pelo cometeu”, ser punido, mas isso por si só não é garantia que a vítima possa restaurar sua situação antes do crime, nem tampouco é ouvida para saber o que efetivamente seria possível fazer para, minimante, ter suas necessidades atendidas, inclusive com garantias que o ofensor não possa lhe fazer mal ao sair da prisão.

Prudente e Sabadell (2008), ao comentarem sobre o modelo de Justiça Retributiva, que também pode ser chamado de justiça criminal, justiça tradicional ou convencional, relatam que o crime é visto como um ato contra a sociedade, que é representada pelo Estado que detém a justiça criminal, e, portanto, considera o crime como uma violação da lei penal. A culpa se volta para o passado, portanto, para o que ocorreu, e, por isso, as necessidades do infrator, da vítima e da comunidade afetada não são consideradas. Com o foco no ofensor, os procedimentos adotados para tratar o seu crime servirão como modelo para intimidar e prevenir, com isso, gera-se estigmatização e discriminação, além de que as penas privativas de liberdade são desproporcionais e cumpridas no regime carcerário que bem se sabe é violador dos direitos humanos e não ressocializa, ao contrário, propicia mais crimes. Some-se a isso que os bens e interesses são tutelados pelo Estado que pune o infrator e “protege” a sociedade, assim, vítima e ofensor são isolados e desamparados e a ressocialização é secundária.

Quanto aos efeitos para a vítima, ao não ser considerada, no sentido de ter um lugar no processo, de poder falar e ser ouvida, acaba ocupando um espaço periférico e se aliena no processo, embora tenha alguma noção do que se passa, que se limita ao andamento e fim do processo. Praticamente não há assistência psicológica, social, econômica ou jurídica do Estado, o que leva a sentimentos de frustração e ressentimento com o sistema. Já para o ofensor, os efeitos também são devastadores, principalmente porque somente são

consideradas as suas faltas e também não tem suas necessidades atendidas. Assim como a vítima, dificilmente tem participação no processo, principalmente, porque a comunicação com o sistema se dá por meio do advogado. Some-se que não é estimulado a dialogar com a vítima e também é desinformado e alienado sobre os fatos processuais (Prudente & Sabadell, 2008). Pela máxima da punição, efetivamente não se responsabiliza pelo ocorrido, no sentido de entender as consequências de sua ação e buscar corrigir.

O que se pode perceber é que a Justiça Retributiva busca garantir a justiça retirando o ofensor do convívio social, através da pena aplicada. Fontes (2013) corrobora essa visão ao comentar que os detentores do poder buscam garantir a simpatia da sociedade com a falsa sensação de segurança a partir da exclusão de “indivíduos indesejados” do meio social, e assim manter a passividade da sociedade para continuar com os seus atos em proveito próprio. Sem falar na mídia que se utiliza de casos isolados e reforça ideias de reformas legislativas para agravar o tratamento dado às ofensas, como tem acontecido com a redução da maioridade penal. Além disso, a preferência do legislador pela punição tem um caráter imediatista, porque criar leis é um processo relativamente rápido e pouco oneroso, somando ao fato de que a prisão permite a imediata exclusão de um indivíduo indesejado. Enfim, no uso do Direito Penal se deveria considerar que a pena não é, e nem deveria ser, a principal forma de lidar com o crime, fato que acaba encobrindo os problemas sociais ao não considerar o aspecto transdisciplinar do tema.

2.1.2 Processos extrajudiciais de solução de conflitos

Até hoje, ainda não se conseguiu, efetivamente, encontrar um modelo que possa substituir a prisão, entretanto, sabe-se que ela não é a melhor resposta para a questão da criminalidade. Contudo, seu uso se dá em larga escala, principalmente, porque se torna um

meio “eficiente” para o controle social. Controle esse que se dá, majoritariamente, para aqueles que pertencem às camadas mais pobres da população, e que não completaram o ensino fundamental (com grande percentual de analfabetos). É evidente que o indivíduo ao cometer um crime deve ser responsabilizado por seus atos, mas deve ser tratado pelo Estado, ao menos, com dignidade e com chances reais de retornar ao convívio social (Pacheco, 2012). O que não vem acontecendo, basta fazer uma visita a qualquer unidade prisional para constatar o estado em que os presos se encontram, principalmente no quesito superlotação das prisões e não garantia de direitos sociais básicos.

Nesse sentido, a busca por meios alternativos de solução de conflitos se tornou uma premissa forte, e tem motivação na descrença da sociedade no poder judiciário e pela morosidade das decisões judiciais (Pacheco, 2012). Portanto, os chamados métodos alternativos de resolução de conflitos ganham destaque pouco a pouco e foram essenciais para fortalecer, complementar e melhorar o acesso à justiça. Tais métodos integram os processos extrajudiciais, como a negociação, arbitragem, conciliação e mediação, e, a Justiça Restaurativa (JR). Antes de se debruçar sobre a Justiça Restaurativa, é importante discorrer sobre os outros métodos alternativos de resolução de conflitos.

A negociação busca resolver o conflito diretamente entre as pessoas sem a interferência de terceiros, de modo que se possa transformar as relações ou restaurá-las. Entretanto, nem sempre é possível resolver a questão diretamente negociando com a pessoa envolvida (Vasconcelos, 2008), assim sendo, um terceiro é convidado a intervir no conflito e a modalidade de resolução do conflito se configura de acordo com a maior ou menor interferência desse terceiro e com o propósito do método.

A arbitragem é o processo no qual um árbitro é escolhido, previamente, pelas próprias partes envolvidas no conflito, e que irá ouvir as razões de cada um e determinar uma solução, que se chama sentença arbitral. A decisão do árbitro serve como a própria sentença, e, por

isso, o conflito não precisa de julgamento do Judiciário. É basicamente usado em questões comerciais, e tem ganhado cada vez mais adeptos por ser uma forma de decisão mais ágil, e, por isso mesmo, essencial para quem faz negócios (Nascimento, et al., 2007).

A conciliação, por sua vez, é focada no acordo e é tradicionalmente usada pelo Poder Judiciário. É apropriada para casos em que não prevaleça o interesse comum de manter as relações, mas, apenas solucionar os interesses materiais. É, nesse sentido, mais rápida que a mediação, porém, menos eficaz, e embora seja uma atividade mediadora, é focada no acordo, em que o conciliador toma iniciativas, tem autoridade hierárquica, adverte, faz sugestões, etc. (Vasconcelos, 2008).

A mediação é também mais um método não adversarial de solução de conflitos, que, assim como nos anteriores, utiliza-se de um terceiro, chamado mediador, que, entretanto, tem como característica o fato de não decidir pelas partes, não direcionar, não aconselhar e nem sugerir a solução. A mediação trata dos conflitos interpessoais, cuja relação entre pessoas deve ser trabalhada de forma construtiva, de modo que o conflito é desconstruído visando à restauração da convivência pacífica entre pessoas. Na mediação, as emoções e valores são trabalhados, de forma a capacitar os envolvidos no conflito a gerirem seus efeitos de forma duradoura (Pacheco, 2012).