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CAPÍTULO II A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ALTERNATIVA PARA A

2.3 Justiça Restaurativa nas escolas

A partir desse levantamento dos princípios, valores e tipos de práticas da Justiça Restaurativa, nesse tópico será desenvolvida sua expansão e utilização em um contexto específico que é as escolas. De acordo com Morrison (2005), a aplicação da Justiça Restaurativa nas escolas começa a tomar forma a partir da consolidação do modelo em meados dos anos 90, quando a conselheira escolar Margaret Thorsborne introduziu os encontros restaurativos com grupo de familiares, mesmo formato que estava sendo adotado na Nova Zelândia na época, em escolas secundárias de Queensland na Austrália. Desde então, o uso da Justiça Restaurativa nas escolas tem se desenvolvido em diversos países.

No Brasil, a aplicação da Justiça Restaurativa ou práticas restaurativas nas escolas é recente e decorrente de projetos da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da

Justiça apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, estimulando iniciativas em vários estados brasileiros (Araújo, 2013). Assim, a JR nas escolas coincide com a implantação também no judiciário, já que ocorreram inicialmente através dos projetos pilotos decorrentes dessa parceria com o PNUD.

A Justiça Restaurativa em expansão tem se relacionado com as políticas públicas da infância e da juventude e, no âmbito escolar, tem possibilitado criar espaços de diálogos com a justiça através de uma concepção de educação que ultrapassa o ensinamento de conteúdos, mas que se preocupa com o exercício da cidadania, ressignificando práticas e saberes docentes. Nesse sentido, a primeira experiência brasileira se deu nas escolas de São Caetano do Sul, em São Paulo (Grossi et al., 2009).

Em São Caetano do Sul tem-se o Projeto Justiça, Educação, Comunidade: parcerias para a cidadania que é desenvolvido através da Vara e Promotoria da Infância e Juventude e possui não somente essa frente jurisdicional de atuação, mas também uma educacional, que acontece nas escolas tendo os professores como facilitadores de conflitos encaminhados, sendo os casos referentes ou não à adolescente em conflito com a lei. O método utilizado nas duas instâncias é o modelo de círculos restaurativos (Rodrigues & Themudo, 2015).

À época de sua implantação, em meados de 2005, três objetivos eram primordiais: a resolução de conflitos de modo preventivo nas escolas, evitando seu encaminhamento à justiça; os conflitos caracterizados como atos infracionais e que não faziam parte da escola eram resolvidos no Fórum, em círculos restaurativos; e, o fortalecimento de redes comunitárias. Para dar conta desses objetivos, era preciso a instrumentalização de facilitadores de círculos nas escolas e comunidade, portanto, foi preciso capacitar lideranças. Os primeiros círculos restaurativos nas escolas aconteceram em maio de 2005 em três instituições. Em 2006 todas as escolas públicas (estaduais) passaram a integrar formalmente o projeto e, nesse mesmo ano, ampliou-se seu escopo de atuação para as comunidades e, desde então até 2007, somando os números das escolas, justiça e comunidade,

foram realizados 260 círculos restaurativos. Com o reconhecimento que o projeto teve, o Ministério da Educação repassou financiamento à Secretaria de Estado da Educação de São Paulo para a implantação em outras duas cidades no segundo semestre de 2006: em São Paulo (capital), no bairro de Heliópolis e na cidade de Guarulhos. Em 2008 Campinas havia começado a implantação bem com a disseminação por tantas outras cidades paulistas. Com o interesse crescente no Brasil, a experiência de São Caetano do Sul foi transmitida em diversas localidades através de palestras proferidas não somente em São Paulo, mas em Porto Alegre/RS, Brasília/DF, Natal/RN, Recife/PE, Boa Vista/RR, Chapecó/SC, e, Belo Horizonte/MG (Melo et al., 2008).

Outra experiência brasileira é a das escolas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Nessa capital desenvolveu-se, especialmente, na 3ª Vara da Infância e Juventude, na qual foi sendo disseminada a ideia de resolver os conflitos inspirada na Justiça Restaurativa para os casos de execução das medidas socioeducativas (Rodrigues & Themudo, 2015). Verificou-se, entretanto, que muitos dos atendimentos por esse juizado eram provenientes de conflitos advindos das escolas. Nesse sentido, no ano de 2005 foi implantada na referida cidade a Justiça Restaurativa através do Projeto Justiça para o Século 21, buscando uma prática alternativa à Justiça Retributiva para resolver os conflitos nos casos de ato infracional, comumente resolvidos mediante uma lógica punitiva. Além disso, a Justiça Restaurativa foi inserida nas escolas objetivando prevenir e resolver os seus conflitos, sem necessidade de encaminhamento para o sistema de justiça (Lawrenz & Rava, 2012).

O Justiça para o século 21 é um projeto amplo que objetiva aplicar a JR na resolução de conflitos não apenas no Sistema de Justiça da Infância e Juventude, mas em diversos outros âmbitos, como o escolar e comunitário. Nas escolas o projeto visa sensibilizar, difundir e capacitar facilitadores de práticas restaurativas das próprias escolas para que possam resolver seus conflitos sem interferência do judiciário. Com essa prática, pretende-se evitar a

judicialização de situações que são próprias do ambiente escolar, mas que precisam de intervenção para se constituir em um espaço de não violência (Maiochi & Maiochi, 2015).

A partir desse breve histórico, pode-se perceber que Justiça Restaurativa inserida no contexto das escolas busca, de alguma maneira, capacitar os próprios membros da comunidade escolar para serem protagonistas dos procedimentos e cumprir um dos elementos essenciais da JR, que é a participação de todos os envolvidos, direta ou indiretamente. Nesse processo, é preciso uma mudança de visão sobre como os conflitos devem ser resolvidos e no caso das escolas é essencial que suas questões possam ser trabalhadas no seu interior.

Isso faz com que as escolas possam ser instrumentalizadas e resolver seus conflitos e violências sem precisar judicializar os conflitos. Por outro lado, a parceria entre justiça e educação deve ser problematizada na forma como acontece para não fazer com que as práticas de Justiça Restaurativa se constituam em mais uma forma disciplinar e de controle como destaca Aleixo (2010), que também acrescenta a importância de compreender a violência nas escolas a partir da conjuntura social mais ampla, portanto, problematizar até que ponto ações pontuais tem efetividade.