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CAPÍTULO II A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ALTERNATIVA PARA A

2.2 Mas e a Justiça Restaurativa?

2.2.5 Práticas de Justiça Restaurativa

A Justiça Restaurativa se constitui em termos de multiplicidade, seja no tocante à sua definição quanto às formas como se operacionaliza. Nesse sentido, existem diversas formas da Justiça Restaurativa acontecer, uma vez que o contexto de aplicação e inserção contribui para as especificidades de sua execução local. Tal ideia é corroborada por Souza (2011) ao comentar que nenhuma prática se sobrepõe a outra, muito menos caracterizando umas como melhores e outras como piores, o que ocorre, na verdade, são manifestações distintas das ideias da JR trabalhadas onde se inserem.

Assim, as práticas de justiça restaurativa envolvem uma diversidade de modos de operar, como: diálogos, negociações e reuniões restaurativas, comunicação não-violenta, mediação, os próprios círculos, dentre outras (Nunes, 2011). Embora existam diversas modalidades restaurativas, em geral, os autores apresentam três modelos principais ou mais utilizados e que se baseiam no encontro: mediação vítima-ofensor; as conferências de grupos familiares; e os círculos restaurativos.

Na mediação vítima-ofensor reúnem-se o infrator e a vítima com um facilitador para conduzir a reunião. Nesse processo, a vítima tem a oportunidade de descrever como o crime repercutiu para ela e os seus impactos. O ofensor pode explicar seu comportamento e porque

agiu dessa forma, bem como se dispõe a responder o que a vítima perguntar. O facilitador, por sua vez, contribui ajudando vítima e ofensor a chegarem a uma solução. Este procedimento pode ser usado em qualquer fase do processo de justiça criminal e pode ou não ter efeito na condenação (Parker, 2005).

A mediação entre o ofensor e a vítima permite ao último conhecer o primeiro dentro de um ambiente seguro e conversar sobre o crime, através da ajuda de um facilitador que a capacita a falar sobre seus anseios, além de receberem maior atenção de modo a evitar revitimização. Existem programas em que os familiares também participam, embora não seja uma regra. Como objetivos, essa mediação busca: dar suporte ao processo de restauração da vítima; possibilitar ao ofensor tomar consciência sobre suas ações e se responsabilizar; e, oportuniza que eles desenvolvam um plano de restauração aceitável para ambos (Boonen, 2011).

A conferência de grupo familiar (CGF) é uma forma antiga de resolver conflitos arraigada na tradição dos povos Maori na Nova Zelândia. A sua forma moderna foi adota na legislação nacional da Nova Zelândia, em 1989, nos casos envolvendo jovens em conflito com a lei e até mesmo em casos graves. A CGF envolve além da vítima e ofensor, a comunidade de afeto (família e amigos) de ambos para contribuírem na resolução da ofensa. As partes se reúnem e tem um facilitador que irá coordenar o processo. Existem opiniões diversas sobre quem pode iniciar a fala, se a vítima ou ofensor, entretanto, após a fala deles, os outros participantes discorrem sobre o impacto do crime em suas vidas. Quando da narração da vítima, o ofensor é confrontado sobre as consequências do ato danoso não somente para a vítima e as pessoas próximas a ela, mas também as pessoas próximas dele. Todos podem falar, expressar sentimentos e perguntas sobre o ocorrido. Após esse momento, a vítima é convidada a falar sobre o que espera da CGF, ajudando na direção da

responsabilização do autor. A sessão termina quando todos escrevem um acordo que contém as expectativas e compromissos (Boonen, 2011).

Nos círculos restaurativos se reúnem o autor do ato, a vítima e a comunidade numa mesma condição de horizontalidade, para reparar os danos, restaurar dignidade, segurança e reintegrar todos na sociedade (Terre des hommes Laussane no Brasil, 2013). O processo como um todo se divide em três etapas: o pré-círculo (preparação para o encontro com os participantes, incluindo-se o foco do conflito a ser trabalhado, quem participará do encontro e toda a sua logística); o círculo (realização do encontro propriamente dito, que se faz de modo ordenado, utilizando-se de técnicas de comunicação, mediação e resolução de conflito de modo não violento, que ao fim vai resultar em um plano de ação que é construído em conjunto para reparar os danos de todas as ordens) e o pós-círculo (em que se verifica se o acordo elaborado no círculo restaurativo foi cumprido ou não – em caso negativo, buscar quais as causas deste descumprimento - seria uma espécie de acompanhamento). É essencial, para que ocorra, que haja a voluntariedade de todos - não se faz o círculo de maneira imposta –, outro ponto a ser destacado é que, no círculo, não se discutirá se o ofensor fez ou não aquela ação, não é um julgamento, não aponta culpados ou vítimas, nem se busca o perdão, mas se pretende conseguir a percepção de que as nossas ações afetam não somente a nós mesmo, mas também aos outros, assim, somos responsáveis pelos seus efeitos. O círculo ainda pressupõe o sigilo e a confidencialidade (Penido, 2009).

Pode-se perceber que a diferença entre essas práticas é bem sutil, entretanto, todas visam alcançar resultados de fato restaurativos. Sobre o grau de restauração que uma prática pode ter, Mccold e Wachtel (2003) oferecem uma “Tipologia das Práticas Restaurativas” baseando-se em quem é atendido pelos procedimentos e, por isso, determinam o quão restaurativas as práticas podem ser, conforme se observa na Figura 1 mais adiante.

Figura 1 – Tipologia das Práticas Restaurativas

Nota Fonte: Mccold, P., & Wachtel, T. (2003). Em Busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça Restaurativa. In Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia em 2003.

A justiça restaurativa é um processo que envolve as vítimas, os ofensores e suas comunidades de assistência enquanto partes interessadas na decisão de como reparar o dano, com necessidades específicas, respectivamente, de obter a reparação, assumir a responsabilidade e conseguir a reconciliação. O envolvimento desses três grupos de interessados determinará o grau em que dado procedimento poderá ser chamado de “restaurativo”. O mais restaurativo dos processos requer a participação ativa dos três grupos, compartilhando suas emoções, para atingir os objetivos de todos os que foram diretamente afetados e não ocorrer através de participação unilateral. Quando as práticas envolvem apenas um dos grupos, o processo é chamado de “parcialmente restaurativo”. Quando a vítima e o ofensor participam de uma mediação, por exemplo, sem a participação de suas comunidades,

esse será “na maior parte restaurativo”. Somente quando os três grupos participam ativamente, como no caso de conferências ou círculos, pode-se dizer que o processo é “totalmente restaurativo” (Mccold & Wachtel, 2003). Assim, é importante ver os modelos restaurativos dentro de um continuum, em que as práticas podem ir de totalmente restaurativas até o não restaurativo (Zehr, 2012).

Enfim, todo o exposto permite compreender que Justiça Restaurativa é muito mais do que executar uma prática, mas presume uma forma de ver e lidar com os conflitos e as relações, por isso, a importância da apreensão e execução de princípios e valores, para então, se pensar em uma prática que verdadeiramente possa ser restaurativa, que se constitua efetivamente como um método que pode ser executado no dia a dia, com as pessoas sendo restaurativas umas com as outras de modo a prevenir a resolução de conflitos mediante violências em qualquer contexto que se insira ou que seja utilizada.