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CAPÍTULO II A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ALTERNATIVA PARA A

2.2 Mas e a Justiça Restaurativa?

2.2.2 Princípios Restaurativos

Quando algo novo aparece, definir e delimitar o que esse conceito é se torna uma tarefa que requer paciência, pesquisa e reflexão. Verificando a situação específica da Justiça Restaurativa, defini-la demanda muito mais do que dizer o que é, mas também dizer o que não é, quais os seus princípios, como se manifesta, quais os procedimentos, já que se baseia em valores quais seriam. Enfim, presume um conjunto de elementos que ajudam a entender os pressupostos da JR, indo além de definições estanques e que podem não dar conta das facetas

do fenômeno. Assim sendo, depois de ter sido feito o resgate histórico da Justiça Restaurativa, parte-se para seus elementos fundantes para se pensar, posteriormente, na definição.

Quando se fala em Justiça Restaurativa, um nome que é imprescindível ser mencionado é o de Howard Zehr, considerado um dos pioneiros na sistematização e divulgação da Justiça Restaurativa no mundo.

De acordo com o autor, na base da Justiça Restaurativa encontra-se uma visão muito antiga do delito que o compreende como uma violação de pessoas e relacionamentos e, por isso, desencadeia obrigações, sendo a principal a “correção” do mal praticado. Diretamente atrelada a essa visão, tem-se o pressuposto de que na vida social todos estão interligados, formando uma teia de relacionamentos. Assim, quando um crime acontece cria-se uma lacuna na sociedade a partir do rompimento dos relacionamentos e, por consequência, os vínculos são desfeitos. Para tentar dar conta dessa quebra, torna-se uma obrigação que o mal cometido seja “corrigido”, “consertado” e a situação como um todo deve ser “endireitada”, ao menos ter seus efeitos neutralizados. E, como as pessoas estão interconectadas nessa visão de crime e sociedade, a preocupação passa a ser com todos os envolvidos: vítima (especialmente porque é quem sofre diretamente o dano), o ofensor (que comete o ato) e a comunidade como um todo (que indiretamente é afetada e pode se responsabilizar para a solução). Cabe destacar que a JR nasce direcionada para o esforço de

considerar as necessidades das vítimas, muito embora os demais atores do processo restaurativo tenham seu lugar e vez nos procedimentos (Zehr, 2012).

Essa contextualização torna-se essencial para a compreensão de como a Justiça Restaurativa opera. Na medida em que relaciona o crime com a quebra da interconexão entre as pessoas, gera a obrigação de reparação do dano levando em conta as necessidades dos envolvidos e seus papéis para se resolver a situação conflituosa. Portanto, a JR irá se alicerçar no fato do crime ser fundamentalmente uma violação de pessoas e relacionamentos

interpessoais e as violações, por sua vez, geram obrigações cujo fim primeiro deve ser restabelecê-las e solucionar os males.

A Justiça Restaurativa, assim, se estrutura a partir de alguns pilares, os quais sejam: necessidades, papéis e obrigações, ou dito de outra maneira, os danos geram necessidades que para serem satisfeitas cada um deve assumir o seu papel e obrigações para que a restauração aconteça. A Justiça Restaurativa tem, primeiramente, o foco no dano cometido e nas necessidades que surgem a partir desse dano. Na justiça tradicional, que foca nas regras e leis, o crime é visto como um ato contra o Estado, assim, esse assume o papel que caberia à vítima. Essa, por sua vez, tem uma série de necessidades que são negligenciadas pelo processo judicial, especialmente porque a preocupação maior é punir o ofensor, tais necessidades seriam: a) de informação, como saber “Por que aconteceu?”; b) falar sobre o que aconteceu; c) empoderamento ao ter a oportunidade de participar de todas as etapas do processo e não ser somente representada pelo Estado; e d) de restituição ou vindicação (Zehr, 2012).

Uma vez que se falou das necessidades das vítimas, o segundo foco de preocupação da JR é com os ofensores, mais especificamente com a sua responsabilização. Na lógica do sistema de justiça penal eles são responsabilizados, entretanto, utiliza-se a máxima da punição adequada ao crime cometido. Já na Justiça Restaurativa, por sua vez, a responsabilização não acontece mediante a punição, mas implica em perceber os atos e suas consequências, ou seja, entender o que praticou e que repercussões esse comportamento causou, buscando adotar medidas para corrigir ou ao menos minimizar os danos. Sendo uma responsabilização que impacta positivamente todo o círculo de envolvidos e interessados no processo judicial (vítima, ofensor e comunidade) (Zehr, 2012). Essa responsabilização leva o infrator a responder diretamente à vítima, e isso não significa que sairá impune, mas, o processo restaurativo lhe confere consciência para reparar o mal. Além disso, a responsabilização não impede que o ofensor responsada nas instâncias específicas pelos seus atos, mas ao invés de

receber uma punição pelo que cometeu, procura-se que compreenda que sua ação teve consequências para alguém (Gama, 2008).

Dito tudo isso, os principais interessados no processo judicial são a vítima e o ofensor, entretanto, membros da comunidade poderão ser afetados diretamente e até indiretamente e, portanto, tem interesse no caso, uma vez que o objetivo é reparar os danos para todos os envolvidos. Nesse sentido, as necessidades e papéis são colocados em jogo e cada um as expõe no processo restaurativo.

Mas quem é a comunidade dentro do escopo da Justiça Restaurativa? O significado de comunidade tem certa controvérsia bem como o seu envolvimento no processo restaurativo, entretanto, como essa discussão não é objeto desse trabalho, é suficiente entender quem essa comunidade engloba. A comunidade não é o mesmo que sociedade, na JR diz respeito ao conjunto de pessoas que vivem no mesmo lugar e que será atingido, direta ou indiretamente, pela ofensa cometida. Também chamada de micro comunidades ou comunidades de cuidado (Rodrigues & Themudo, 2015). Van Ness (1997) acrescenta que a comunidade tanto pode ser os grupos de apoio de cada envolvido (família e amigos, por exemplo), quanto as comunidades que se tornam “comunidades” para os interessados no conflito depois da ocorrência do ato lesivo.

Assim como os demais interessados, a comunidade tem necessidade e papéis a desempenhar. Muito embora não seja incluída na justiça penal, sofre o impacto do crime e, por isso, deveria ser considerada parte interessada, mesmo que como vítima secundária. Além disso, os membros da comunidade podem desempenhar importantes papéis ao assumirem responsabilidades em relação não somente a si, mas sobre as vítimas e ofensores. Por isso, a justiça deve oferecer: atenção para as suas necessidades enquanto vítimas também, fortalecer a comunidade ao possibilitar oportunidade para construção de um senso comunitário e responsabilidade mútua, e, estimular suas obrigações para o bem-estar e convívio social de

seus membros (incluindo vítimas e ofensores), ou seja, a comunidade deve dar apoio e ajudar a vítima, bem como ao ofensor a se reintegrar a ela envolvendo-se na definição de suas obrigações e no seu cumprimento, tudo isso com vista a se garantir o bem-estar dos membros e a paz na comunidade (Zehr, 2012).

Dito tudo isso, é possível perceber a partir do dano e de sua análise quem são os interessados e participantes do processo restaurativo, bem como, que os danos geram necessidades específicas para cada um dos envolvidos (direta e indiretamente). Essas necessidades, por sua vez, resultam em obrigações, especialmente por parte do ofensor que deve se responsabilizar e da comunidade ao acompanhar e contribuir para a reinserção deste e apoiar a vítima. Para que esse processo funcione, é preciso que cada interessado se envolva, participe e se engaje através da execução de seu papel dentro do processo, somado ao fato de que a decisão deve ser construída conjuntamente, com trocas de informações entre eles e tanto quanto possível, através do diálogo direto.

Nesse sentido, seguir os princípios fundamentais da abordagem restaurativa é essencial para evitar distorções, ou seja, se um programa restaurativo for pensado, planejado e avaliado seguindo tais princípios, será bem mais provável evitar qualquer desvio à origem, e com isso, seguir o caminho em direção à Justiça Restaurativa.