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É presidente da Kalendae, consultoria especializada em governança de TI, tem mais de 40 anos de experiência nos mercados inanceiros e de tecnologia, onde já atuou como CIO do Unibanco e como Diretor de Desenvolvimento de Negócios da IBM.

O

período entre 1985 e 1999 foi, de fato, o que podemos chamar de os

anos de ouro da automação bancária no Brasil porque foram realmente inovadores. Foi nessa época em que se colocou a tecnologia trabalhan- do efetivamente para o negócio dos bancos. Até então, a tecnologia era usada para a produtividade interna dos bancos. Quando ela foi “colocada para fora”, também aumentou o desaio das áreas de tecnologia. Vivemos uma época muito interes- sante, realmente corremos atrás. E, efetivamente, a tecnologia contribuiu.

Na primeira década do século XXI, o nível de inovação foi muito baixo. Na mi- nha visão, foi quando se consolidou aquilo realizado nos anos 90. Criou-se muito pouco. Podemos citar o SPB, o DDA e pouca coisa a mais. As grandes transfor- mações tecnológicas da indústria bancária ocorreram nos anos 90 e aqui quero relatar um pouco a minha experiência, que se resumiu à TecBan e ao Unibanco.

A TecBan tem muitas coisas interessantes. Primeiro porque ela viveu todos os anos 80 e grande parte dos anos 90 funcionando totalmente off-line. A pri- meira transação online feita em ATM foi em 1989, com um banco. E, até 1999, ou melhor, até o inal da década de 90, ainda havia vários bancos na TecBan que funcionavam off-line. E estamos falando de apenas 10 anos atrás. Esse negócio no início era uma loucura. As ATMs gravavam disquetes de oito polegadas. À noite, mais de 700 ATMs tinham esse material recolhido. Processava-se tudo aquilo e transferia-se para os bancos. Um negócio completamente manual.

É importante destacar duas coisas interessantes desse período. O nível de fraude era muito baixo. A única fraude que acontecia nas ATMs era poder du- plicar o cartão, pois, como o limite estava na trilha, duplicava-se o cartão e po-

189 deria sacar quantas vezes quisesse. E era muito baixo. Ou seja, a “bandidagem”

também estava pouco evoluída tecnologicamente para fazer as coisas. Outra coisa é que todo o controle dos bancos– as senhas, as rotinas de criptograia, os códigos dos bancos, entre outros– estava dentro dos programas. Então, quando entrava um banco novo, tinha de trocar todas as máquinas.

Quando o Banco Central liquidava bancos que estavam na TecBan, naquela época, a correria era absurda. O Banco Central anunciava uma liquidação às 22h e tínhamos duas horas para trocar todos os softwares, de todas as máquinas, para não deixar o banco liquidado poder sacar. Não se conseguia fazer isso – era impossível. E as pessoas percebiam. Então, muita gente icava nas ATMs “lim- pando” a conta, porque era ofline e não tinha outro jeito para fazer.

Então, começou o processo online. Só os bancos maiores estavam habilita- dos para isso. Os bancos menores ainda não tinham retaguarda. E as telecomu- nicações também eram um problema muito complicado porque as máquinas icavam em postos de gasolina, locais públicos, onde a manutenção chamava a atenção, chegar lá e dar um reset no modem era uma coisa bem mais complica- da do que numa agência. Realmente foi uma época muito heroica.

Não havia software básico. Tivemos de fazer manualmente o sistema de autorização online, incluindo o monitor de transações. Era um negócio muito complicado. Naquela época, havia um terminal chamado Terminal de Compras, que se colocava nas lojas e só aceitava cartão de débito. O grande desaio estra- tégico desse terminal era acabar com o cheque. E o terminal nas lojas só aceita- va cartão de débito. Para mim esse foi um grande erro estratégico. Se tivessem aceitado cartão de crédito, provavelmente hoje as redes Visanet e Redecard viveriam outra história porque esse teria sido o precursor disso tudo. O grande problema estratégico era que se queria acabar com o cheque, mas a contingên- cia que se tinha era o próprio cheque, pois quando o cliente chegava para pagar e o cartão não funcionava, ele utilizava o cheque. Tanto é que esse negócio foi morrendo e acabou engolido pelas redes Redecard e Visanet.

Um fato muito interessante é que em 1989 aconteceu a primeira transação TEF num checkout de supermercado. Foi uma ação conjunta da Itautec – TecBan,

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tentando convencer os Veríssimo, do supermercado Eldorado, a colocar um sof- tware para ligar o caixa direto no banco. E foi a primeira transação que aconteceu. Interligamos a rede do Eldorado da Alameda Pamplona, em São Paulo, ao Itaú e ao Banco24Horas. Foi difícil fazer as pessoas usarem, tinha um nível de utilização muito baixo. Esse não teve volta, realmente marcou história e todos os checkouts de hoje usam e foram para frente muito bem.

Trabalhando num local compartilhado, percebíamos bem como as coisas aconteciam “na retaguarda”. Toda vez que se falava em online, percebíamos que cada coisa que era inventada online nos bancos era uma coisa diferente. Por exemplo: vamos colocar uma ATM online? Os bancos tinham de fazer alguma coisa diferente. Vamos fazer um terminal? Os bancos tinham de fazer outra coisa. O que acontecia? As arquiteturas dos bancos estavam evoluindo para um multicanal, e isso aconteceu ao longo dos anos 90. O banco sempre tem uma entrada para qualquer transação online e a autorização acaba sendo padrão. Per- cebemos, naquela época, que tudo o que era feito tinha de ser adaptado pelos bancos. Isso era demorado e tornava tudo mais caro e lento.

Para complementar, essa história do Banco 30 horas talvez já tenha sido contada, mas é aí que começa minha vida no Unibanco. A automação efetiva de agência do Unibanco, no inal dos anos 80, era um sistema Digirede – sis- tema tradicional e hierárquico de redes, em que existem vários concentradores se comunicando entre si. As diiculdades de telecom também eram enormes. Quando se concentrava, era preciso ter velocidade maior e isso não existia – lembro-me que tinha canal de 128k.

O foco era a automação do caixa, tanto é que os terminais eram uma evo- lução daqueles Burroughs antigos, que funcionavam como autenticadoras, não era um PC. Foram inspirados naquele terminal convencional antigo e havia um pequeno concentrador na agência que tinha o saldo do cliente. Tudo era com- plexo, pois existiam poucas formas de fazer transação. E se queria fazer muito em um equipamento pequeno em recursos e também instável. Lembro-me que quando cheguei ao banco havia uma estatística que dizia haver agência que chegava a dar 16 boots no servidor em um dia.

191 E depois veio uma segunda geração, que chegou por volta de 1994, quan-

do começou a aparecer a interface gráica. Foram retirados esses terminais e colocados PCs na frente dos usuários da agência. E aí a coisa evoluiu, a ponto de chegar a mais de 300 transações no caixa e eliminar o back ofice. Foi feita muita automação no back ofice. Em 1995, o Unibanco tinha 4,5 funcionários de retaguarda, em média, por agência. Se tirasse os caixas e o pessoal de negó- cios das agências e somasse os demais da agência mais o back ofice, dava essa média. No começo de 2000 esse número era menos que um– era 0,9. E isso fez a automação dentro da agência e nos back ofices. Esse conceito de “matar” a transação na ponta é que levou a esse tipo de coisa.

Nesse momento também se cria outra condição interessante, que é o con- ceito de plataformas de negócios. Ao se colocar automação na mão dos gerentes começa-se a se fazer processo de gerência automática. Por exemplo, automação de crédito trazendo mais agilidade e produtividade.

Uma das coisas mais marcantes que eu vivi no Unibanco e que criou um marco no mercado foi a criação do Unibanco 30 horas. Isso começou em 1992 e foi uma união de uso de tecnologia no negócio e o marketing em cima disso. Realmente mostrar para o cliente toda a conveniência que teria, feito de uma forma muito bem feita.

O próprio nome chamava muito a atenção. Ele foi criado por Washington Oli- vetto numa reunião informal. Era o atendimento 6 horas na agência e 24 horas onde quer que o cliente estivesse. Estava se criando o call center e as ATMs 30 horas. Foi a primeira movimentação de fazer tratamento para o cliente 24 por 7. O marketing foi extremamente bem feito, com a história do casal Unibanco, que acordava de madrugada para ir a uma ATM checar se realmente estava funcionan- do. E também começou a ter problemas de marketing porque o ator que fazia o casal morreu no meio da campanha. A campanha toda precisou ser revista e não teve o mesmo “charme” que teve com o casal anterior. Ou seja, é uma história muito interessante também do ponto de vista de marketing.

O grande foco daí por diante foi a conveniência do cliente poder usar o banco de maneira diferente. O call center foi o primeiro do mercado bancário a

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operar em 24 por 7. E aqui surgiu um problema muito complicado. Com o su- cesso, tinha muita gente ligando, e naquele momento começou a se demandar posição consolidada de cliente. Não dava mais para o operador icar navegando por vários sistemas para dar uma posição. Então, foi um desaio para a época consolidar as informações dos clientes, mexer com a arquitetura de sistemas. Era a fase dos overnights, quando o cliente ligava todos os dias para saber seu saldo, para cobrir, para desaplicar, pois tinha de aproveitar a rentabilidade. En- tão, isso alavancou o call center de maneira signiicativa.

Um marco bastante importante porque teve de desenvolver a indústria nacio- nal. Foi a URA, que supriu, durante bom tempo, todos os bancos de forma efetiva. E aqui se utilizava muito dado, e como o cliente ligava para saber saldo, era a tí- pica aplicação de se fazer na unidade de resposta audível. Logo depois que isso se efetivou, o processo inteiro de call center começou a icar caro, então, se começa a descobrir maneiras de gerar receita. E são desenvolvidos produtos de vendas. Um negócio pioneiro no mercado muito bem feito foi o crédito pré-aprovado. Fazia-se todo um trabalho de “credit scoring” na retaguarda, que aprovava crédito para o cliente. Quando este ligava era oferecido o produto. Isso também passou a ser feito quando o cliente usava uma ATM. Ele sacava na hora o seu empréstimo e isso passou a rentabilizar um pouco mais a operação.

As salas de conveniência onde estavam as ATMs, o dispensador de cheques e o terminal de clientes alavancaram o conceito do 30 horas. A primeira loja foi inaugurada no Shopping Iguatemi e tinha um terminal onde icava uma moça. Quando a pessoa chegava à frente do terminal, a moça cumprimentava e as pessoas se entusiasmaram. Aquilo era ridicularmente simples de fazer: em cima da agência havia uma menina, com uma câmera na sua frente, mais uma pequena no terminal, na qual ela podia ver o cliente se aproximando. Não tinha nada online, mas o marketing daquilo era fantástico.

Nesse momento também se criou um negócio muito novo que foi a interli- gação do Banco 24Horas. Nós, na tecnologia, éramos extremamente desaiados. O orgulho do banco icou muito grande porque o sucesso de marketing que es- tava aparecendo desaiava todos por trás. Todo mundo tinha que inovar e criar.

193 Eu me lembro que isso era tão bem feito, que às 7h entrava um anúncio no rádio

dirigido aos funcionários do Unibanco e dizia: “Você que está indo trabalhar agora...” Então, isso mexeu com a autoestima de todos.

O home banking tem outra história fantástica. O pessoal aproveitou um evento da Microsoft em Miami e pegou o Bill Gates no contrapé e gravou um anúncio dele. O Bill Gates em 1994 fez um anúncio para o Unibanco, onde ao seu lado havia um terminal mostrando o slogan do 30 Horas, e ele dizia que o Unibanco tinha feito um sistema muito bom. No im, ele dizia: “Por que o meu banco não pensou nisso antes?” Esse anúncio foi ao ar e causou um impacto tremendo e um problema de relacionamento enorme com a Microsoft, porque a subsidiária brasileira não sabia de nada; outros bancos reclamaram e por aí vai.

O objetivo era mais transações para dar mais comodidade, mas tinha um de- saio tecnológico complicado por trás. Todo esse negócio funcionava por dis- quete. Tinha de enviar o disquete para o cliente, que o colocava em sua máqui- na e só depois acessava as informações. As velocidades nas casas dos clientes eram terríveis, com aqueles modems de linha discada. O negócio começou a crescer muito e teve uma época no data center que havia uma bateria de coisas para atender, mais de dois mil micros. Ou seja, um negócio arcaico mesmo!

Além disso, junto com a campanha do Bill Gates, saiu uma campanha para vender PC em agência. O Unibanco virou, de uma hora para outra, o maior “de- aler” IBM. Naquela época, em menos de um mês, foram vendidos entre 15 mil e 20 mil PCs. Em três meses foram vendidos 60 mil Ofices, da Microsoft. Uma loucura. E a IBM não conseguia entregar. Entrou a Compaq depois para ajudar. Uma confusão terrível, mas que no inal proporcionou uma alavancagem no produto muito interessante.

Nessa primeira metade dos anos 90, o 30 Horas foi um marco no mercado. O marketing foi provocativo e o mercado inteiro se mexeu. Tinha um pequeno produto – os pagers – que nós dávamos para os clientes 30 Horas para receber saldo e outras informações. Na época teve um efeito interessante.

Então, veio o mundo da internet. Os concorrentes saíram na frente. A aposta na internet de alguns bancos foi maior do que o próprio Unibanco. No inal da

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década de 90 a internet vem e começa a mudar esse mundo. “Mata” o home banking, diminuem os call centers, os próprios clientes melhoraram sua per- cepção por tecnologia, os micros melhoraram, aparece a banda larga... E essa infraestrutura acaba aliviando a anterior. De lá para cá, o nível de inovação foi mais baixo. É mais uma sustentação desses produtos porque os clientes já in- corporaram. As áreas de tecnologia investiram muito para essa consolidação.

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