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m abril de 1973 foi criada a EDB (Eletrônica Digital Brasileira), tendo

como controladores BNDES, Petrobras, Telebrás e Serpro. O objetivo da nova empresa era gerenciar dois empreendimentos isolados, envolven- do parcerias com empresas estrangeiras – o primeiro projeto era com a japo- nesa Fujitsu e outro com a inglesa Ferranti. A primeira parceria deveria atender ao mercado civil e a segunda, ao mercado militar. A EDB logo passou a ser denominada Digibrás, e a parceria do lado civil, com a Fujitsu, não evoluiu. A parceria com a Ferranti, em um projeto da Marinha, foi um pouco melhor e, em 1974, a empresa mudou de nome outra vez e passou a se chamar Cobra, Com- putadores Brasileiros. Apesar de vários percalços em seu caminho, a empresa foi responsável pelo lançamento do primeiro computador totalmente projetado e fabricado no Brasil, o Cobra 530, lançado em 1980.

Antes disso, em 1976, a Capre publicou a Resolução 01, e icou claro para todos no setor que o mercado de micros, mínis e periféricos estava reservado para fabricantes nacionais. Curioso notar que, a essa altura, ainda não existiam os microcomputadores tal como os conhecemos hoje, derivados do sucesso do Apple II (1977) e do IBM-PC (1981). A menção a micros, na resolução da Capre, se referia mais diretamente a sistemas com processadores integrados dedi-

cados1. Já os mínis representavam tecnologia que já estava sendo largamente

utilizada por algumas empresas, em particular os bancos, e era de certa forma dominada por professores e pesquisadores.

Data desse período também o início da imprensa especializada em tecnolo- gia, que teve papel importante no desenvolvimento do setor. Em 1975, o Serpro lança a revista Dados & Idéias, que já em seu primeiro número trazia uma dis- cussão sobre a indústria nacional de computadores. Em março de 1976, o grupo editorial IDG lança o Datanews, cujo primeiro número trazia uma reportagem em que se apresentava a denúncia feita pela Data General Corporation (uma

1- MARQUES, I. C. da: Minicomputadores brasileiros nos anos 1970: uma reserva de mercado democrática em meio ao autoritarismo. História, Ciências, Saúde Manguinhos, vol. 10(2): 657-81, maio-ago. 2003.

177 empresa que não tinha computadores instalados no Brasil) ao USTR (repre-

sentante comercial dos EUA) contra a política brasileira de reserva de mercado. Essa reportagem também sugeria pressões econômicas ao Brasil e que se elimi- nasse a exigência de transferência de tecnologia para fabricação de computado-

res no Brasil2. Nessa mesma edição, eram publicados ainda diversos anúncios

de empresas americanas do setor.

Em janeiro de 1977, em continuidade à política anunciada pela Capre no ano anterior, o CDE (Conselho de Desenvolvimento Econômico) publica a Resolução 05, que sinalizava claramente a opção pelo projeto de criação de uma indústria nacional. Sem fechar as portas para as indústrias estrangeiras, a resolução restringia a importação de peças e partes, para impedir que mul- tinacionais apenas montassem suas máquinas no país. Em junho, uma con- corrência internacional selecionou as empresas que poderiam fabricar mínis no Brasil, reservando a elas um mercado cativo e exigindo o compromisso de investir em pesquisa e desenvolvimento. Em setembro, 16 empresas haviam se habilitado para participar da concorrência, sendo que sete delas eram estran- geiras, sete nacionais com tecnologia estrangeira licenciada e duas nacionais com tecnologia própria.

Entre as estrangeiras, as grandes se apresentaram sem fazer parceria com nacionais, enquanto as menores optaram por apostas nas parcerias. O ponto considerado crítico na concorrência era a capacidade de “transferência de tec- nologia” e Edisa (tecnologia japonesa da Fujitsu), Labo Eletrônica (tecnologia alemã da Nixdorf) e Sid (cuja sigla vinha da união de Sharp/Inepar/Data-

serv, com tecnologia francesa da Logabax) foram as vencedoras3. Nos anos

seguintes, a Capre tratou de organizar as concorrências para fabricação de periféricos e enfrentou muito mais diiculdades quando colocou o foco em computadores de médio porte.

Das três empresas que ganharam a primeira concorrência da Capre, a Sid era a que tinha maior proximidade com o mercado de automação bancária, e seus projetos foram desde o início levados adiante com a ajuda dos engenheiros do Bradesco. Essa parceria já havia dado os primeiros passos quando o Bradesco

2- VIGEVANI, Tullo. O contencioso Brasil x Estados Unidos na informática. Uma análise sobre formulação da política exterior. São Paulo, Alfa-Ômega-Edusp, 1995. 3- DANTAS, Vera.

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precisou de apoio para desenvolver um leitor de caracteres marcados nos che- ques e nas ichas de depósitos. Após negativas de fornecedores estrangeiros para o desenvolvimento dessa solução, o Bradesco acabou desenvolvendo sua versão da solução, que icou conhecida como leitor manual de CMC-7 (nome do código utilizado para identiicação dos cheques). Para produzir o leitor, o banco ajudou na criação da Digilab e encomendou da Sid o terminal bancário que traria o leitor embutido.

Em vez de se tornar sócio minoritário em várias empresas de tecnologia, como fez o Bradesco, a estratégia do Itaú foi criar a sua própria empresa de tecnologia, Itautec. Sendo um banqueiro que já havia sido um capitão de in- dústrias, Olavo Setubal estava convencido da importância de qualquer grupo empresarial de estar bem posicionado no setor de computadores. O sucesso de sua equipe de tecnologia no desenvolvimento de soluções adequadas às neces- sidades do banco convenceu-o de que tinha as condições de criar a sua própria empresa de computadores.

Ao lado de Bradesco e Itaú, que competiam vigorosamente no desenvol- vimento e na aplicação de novas tecnologias de automação bancária, algumas inéditas no mundo, o Banorte também se posicionava entre os pioneiros do uso de informática entre os bancos brasileiros. Acreditando ser muito mais viável para o mercado brasileiro o investimento em tecnologia distribuída, o Banorte, que já havia sido o primeiro grupo empresarial do Nordeste a investir sistematicamente em informática, resolve apostar numa solução de tecnologia doméstica e incentiva a criação da Digirede.

A empresa Tecnologia Bancária (Tecban) foi criada em 1982, a partir da ini- ciativa de alguns bancos brasileiros, com o objetivo de desenvolver e consolidar a rede de autoatendimento Banco 24Horas. Ao avaliarem que desenvolver e implantar uma rede de ATMs isoladamente para cada empresa pode não atingir escala suiciente para a rentabilidade do serviço, os bancos Bamerindus, Nacio- nal e Unibanco investiram nessa experiência compartilhada inovadora e deram início à Tecban. Um ano depois, ao abrirem a participação a outras instituições, vários outros bancos se associaram à Tecban e sua Rede 24Horas.

179 A aliança entre bancos e empresas de informática, que inicialmente possibi-

litou o desenvolvimento de sistemas de automação bancária de qualidade, não implicava preços reduzidos dos sistemas. A inlação, no entanto, permitia que os gastos em tecnologia fossem subsidiados. O início do período de planos de estabilização mudou o foco do uso de tecnologia nos bancos para racionalizar investimentos e reduzir custos operacionais. O novo ambiente favoreceu o apa- recimento da Procomp, empresa especializada em automação bancária que foi fundada por ex-funcionários da Sid em 1985.

Dessas histórias das empresas pioneiras da automação bancária no Brasil

podem ser feitas algumas constatações4. A primeira é que as multinacionais

não estão necessariamente dispostas a desenvolver produtos especíicos para atender aos mercados dos países que são meros consumidores, principalmente se esse mercado não signiicar um volume importante. A segunda é que os ban- cos sabiam o que queriam e, quando não tiveram atendidas as suas necessida- des, investiram eles próprios na formação de equipes, pesquisas e empresas que pudessem resolvê-las. Uma terceira observação é que o sucesso da automação bancária no país se deu porque a tecnologia brasileira foi desenvolvida para atender necessidades de clientes brasileiros e adequadas à cultura brasileira.

Com o declínio da Política Nacional de Informática, várias empresas nacio- nais sucumbiram à concorrência estrangeira. Os bancos, entretanto, consoli- daram um patamar de automação elevado e adequado às suas necessidades. O segredo do sucesso da automação bancária brasileira diante de outros setores que souberam tirar o mesmo proveito da reserva de mercado pode estar asso- ciado ao alto nível de colaboração entre os bancos e as empresas fornecedoras de tecnologia. Em todo esse período, os bancos não se comportaram como me- ros consumidores de tecnologia e tiveram um papel muito ativo no desenvolvi- mento das soluções, que eram assim desenhadas para atender às necessidades especíicas de um sistema bancário muito peculiar e sem paralelo no mundo.

4- DANTAS, Marcos. O crime de Prometeu: como o Brasil obteve a tecnologia da informática. Rio de Janeiro, Abicomp.1989.

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