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Introdução

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ão sabendo que era impossível, foi lá e fez.” A frase, atribuída ao poeta

e dramaturgo francês Jean Cocteau, deine bem o fenômeno que tomou conta de uma geração de empresários que assumiram o desaio de im- plantar indústrias de informática no Brasil – nas décadas de 70 e 80 –, aproveitan- do o momento de restrição à importação de mínis e microcomputadores, deinida pela Política Nacional de Informática. Essas empresas, atuando muito próximas e às vezes até mesmo em parceria com os bancos, conseguiram projetar equipamentos e desenvolver sistemas que atendessem às necessidades do sistema inanceiro bra- sileiro. Foram inúmeros projetos, nem todos bem-sucedidos, mas todos eles certa- mente deixaram um legado de conhecimento e investimento em recursos humanos que nunca foi perdido e, ainda hoje, deixa seu rastro no setor. Contam histórias dessa época: Carlos Eduardo (Karman), que fala da vocação e da visão industrial de Olavo Setubal, que deu origem à Itautec, e do desaio de seus primeiros projetos. João Abud Junior, representando Eric Roorda, que conta as motivações da criação da Procomp, hoje Diebold, e de suas estratégias para atuar no mercado. Joseph El- bling, que usou sua experiência em empresas de alta tecnologia trazida dos Estados Unidos e da Europa para criar um dos principais grupos de automação bancária no país – a Digicon –, inicialmente especializado em comandos elétricos e eletrônicos e, depois, a Perto, voltada à fabricação de cash dispensers para bancos brasileiros e que hoje exporta sistemas para mais de 20 países. Nelson Wortsman, representan- do o presidente da Sid na época, Antonio Carlos Rego Gil, conta como participou ativamente do processo de desenvolver soluções locais e assistiu de perto ao nas- cimento de muitas dessas empresas. Paulo Cesar Bianchini, representando Arnon Schreiber, fundador da Digirede, que fala dos desaios vividos no desenvolvimento dos sistemas de automação de agências baseados em microcomputadores, solução inovadora para a época. E Raul Papaleo, que relata os inúmeros desaios enfrentados na área de automação bancária pela gaúcha Edisa, hoje HP.

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Carlos Eduardo Corrêa da Fonseca

Formado em Engenharia Eletrônica pela Escola Politécnica da USP e em Ciências Contábeis pelo Mackenzie, foi diretor de sistemas do Banco Itaú, diretor superintendente da Itautec e diretor de TI do Banco Real ABN Amro. Participou dos conselhos da Prodam, Prodesp e CIP. Hoje, participa do conselho da Itautec e é sócio das empresas BRToken, FindIT, HDI e Origami.

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proposta deste depoimento é contar um pouco da história da

Itautec, com foco no seu início. Em meados da década de 70, eu ocupava a Diretoria de Sistemas e Métodos do Banco Itaú, que era responsável pela área de desenvolvimento de sistemas e organização das agências. Conhecia bem grande parte dos sistemas do banco e a operação das agências. Nossa visão era a de que a próxima etapa do desenvolvimento tecnológico bancário seria a migração para os sistemas em tempo real. O grande objetivo era levar as informações aos clientes o mais rapidamente possível, aumentando assim a qualidade do atendimento e buscando um diferencial para os serviços do banco.

Paralelamente ao estudo das alternativas para a distribuição de proces- samento, estávamos analisando também a possibilidade de interligar a rede telex do banco aos computadores centrais. A ideia era aproveitar a rede telex do Itaú, uma das maiores do Brasil, para levar informações online aos clientes pessoa jurídica.

Em 1978, contratamos uma consultoria inglesa para estudar essa interli- gação, que concluiu que não era possível. Tomando conhecimento dessa con- clusão, dois engenheiros que trabalhavam conosco – Fábio Vitaliano e Milton Noguchi – não concordaram: “Não, não é impossível. Nós faremos isso.” E eu perguntei: “Mas como, se o relatório diz que não dá?” E eles: “Acontece que recentemente foram lançados uns novos componentes, chamados micropro- cessadores, e poderemos usá-los para isso. Faremos um circuito que recebe o protocolo telex e o converte para o protocolo da IBM”.

143 Decidimos tentar. Eles foram à Rua Santa Iigênia, no Centro de São Pau-

lo, compraram um ferro de solda e os componentes necessários. Em 60 dias tínhamos pronta a “aranha” de um circuito eletrônico, que fazia a central telex comunicar-se com o computador. Desenvolvemos esse produto, mas quando o mostramos ao banco, querendo implantar a solução imediatamente, o feedback foi: “Ah, isso está muito bom, o cliente pode falar com o banco (dial in), mas o ideal seria se o computador do banco discasse para o telex dos clientes (dial out), na madrugada, para informá-los sobre os saldos, débitos e créditos das contas, para que eles tenham, logo cedo, dados para controlar o luxo de caixa”. Um pouco mais de tempo e foi desenvolvido também o dial out. O produto foi batizado de “concentrador telex” e implantado no banco com grande aceitação pelos clientes.

A partir desse aprendizado começamos a projetar um terminal de caixa, usando microprocessadores. O que eu queria era um sistema simples que pudesse interligar os caixas das agências ao computador central do banco. Eu não tinha a mínima intenção de criar uma empresa de tecnologia. Eu queria uma solução viável para o banco. As soluções que me apresentavam eram so- luções de processamento distribuído, estimuladas pela SEI, para aproveitar os minicomputadores nacionais. E eu queria uma solução que fosse simples de implantar, fácil de operar, que não exigisse mudança de cultura na ponta, que não exigisse grandes modiicações na infraestrutura das agências, que não exigisse o uso de cartões magnéticos pelos clientes – naquela altura ainda muito pouco difundidos –, que não exigisse leitor de cheques e que fosse muito fácil de atualizar. Nossos engenheiros conseguiram fazer um protótipo desse terminal, que apresentamos à diretoria do banco (dr. Moraes Abreu, dr. Jairo [Cupertino] e dr. Olavo Setubal, que nessa altura estava retornando da Prefeitura de São Paulo). O dr. Olavo olhou o terminal, fez uns testes com a própria conta e icou impressionadíssimo.

Passada uma semana, ele me chama e informa: “Karman, eu decidi criar a Itautec. Nós vamos criar uma empresa de tecnologia para fazer o projeto do “Banco Eletrônico” (ele já tinha deinido o nome da empresa e do projeto). “O Grupo Itaú tem vocação industrial, eu quero criar uma frente de atuação da

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Itaúsa na área de tecnologia de ponta e acho que esse projeto é um bom ponto de partida. Vocês izeram um protótipo que funciona e eu vou dar a vocês o projeto do banco.” E complementou: “Você tem a opção: ou vai para a Itautec ou ica no banco, você decide!”

Pego de surpresa, pensei rápido e respondi: “Doutor Olavo, minha resposta é sim, embora seja um grande risco, pois eu vou icar com um único projeto e toda a minha carreira irá depender do sucesso dele, mas o meu sonho é colocar o Banco Itaú em tempo real e, se o senhor puser outra pessoa para fazer isso, eu vou icar com um ciúme mortal. Eu sei que esse é o caminho. Então, eu aceito ir, mas quero três coisas.”

“Que coisas, Karman?”

“Primeiro, eu preciso de uma boa equipe, quero levar o Lino Rolo e um grupo que conheça muito bem o software básico da IBM; o Antonio Carlos Morelli e um grupo com domínio das aplicações do banco e do funcionamento das agên- cias, e o Gabriel Marão, com sua equipe de hardware. Segundo, eu quero um computador central para a Itautec, independente do CPD do banco, para pro- cessar as primeiras agências online. Terceiro, eu vou precisar de uma agência para implantar um sistema piloto e quero que o senhor me dê total liberdade para implantá-lo, sem auditoria, sem inspetoria, sem ninguém para atrapalhar. Faremos as inspeções, auditoria e todas as veriicações que forem necessárias quando o sistema estiver funcionando na agência piloto e, então, poderá ser avaliado por todos de uma forma muito mais concreta.”

Ele parou um pouco e disse: “Um computador e uma agência, precisa mesmo?” “Olhe, se eu não tiver um computador, eu não vou ter liberdade para fazer isso. Eu conheço as pressões da IBM, eles vão querer determinar a arquitetura do sistema e eu preciso de liberdade para desenvolver o projeto rapidamente. E a mesma coisa com o banco. Se não criarmos o conceito de agência piloto, nós vamos icar em reuniões intermináveis discutindo cada detalhe do sistema”.

Ele concordou e me deu toda a liberdade para implantar essa agência. Esse foi o começo da Itautec e do projeto do Banco Eletrônico. Nós saímos para fazer esse projeto. Ainda hoje, às vezes até eu mesmo não acredito no que

145 nós conseguimos fazer em tão pouco tempo. Em dez meses conseguimos pro-

jetar e produzir protótipos dos terminais de caixa, do concentrador de termi- nais para as agências e do switch de linhas que controlava a comunicação com o computador central através de duas linhas privadas, com uma de reserva que era acionada de modo transparente em caso de falha nas linhas principais. Nes- ses dez meses desenvolvemos, também, os sistemas aplicativos da agência e do computador central e também um monitor de rede. O desenvolvimento desse monitor foi necessário porque o monitor fornecido pela IBM – o CICS – era um sistema voltado a terminais não inteligentes, os chamados “terminais bur- ros” e tinha de se preocupar com todo o processo de edição em telas. Nós não precisávamos disso, precisávamos simplesmente que ele transmitisse os dados das transações inanceiras, porque com os terminais com microprocessadores tínhamos condições de colocar inteligência na ponta e lá cuidar de todos os processos de edição das telas e consistência dos dados. Isso simpliicou muito o monitor, fazendo dele um sistema muito veloz que viabilizou a implantação do sistema centralizado, mesmo com as linhas de transmissão disponíveis na época com velocidade de 1200 bauds, ou seja, 1200 bits por segundo. Isso só foi possível porque tínhamos uma equipe técnica com profundo conhecimento do software básico da IBM e esse acabou sendo um grande diferencial do Itaú. Um conceito técnico adotado desde o início revelou-se de fundamental importân- cia para a lexibilidade e agilidade de todo o sistema online. Era a capacidade de atualizar o software de todos os terminais das agências a partir de um comando no computador central. Essa característica permitiu ao banco implantar gran- des modiicações em toda a rede em questão de horas.

Em outubro de 1980, inauguramos a primeira agência piloto, que foi a agência Mercúrio, no Centro de São Paulo. Os terminais foram todos feitos “em casa”, sem nenhuma preocupação com a estética. Era um esquema para fazer o sistema funcionar e provar que funcionava. É inacreditável o que conseguimos! Tenho certeza de que, se hoje eu fosse começar um projeto desse tipo, com as normas de governança atuais, em dez meses eu não conseguiria aprovar nem o “business plan”. Mas por outro lado foi uma demonstração do que uma equipe engajada, ca-

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pacitada, com objetivos muito bem deinidos e entusiasmada, é capaz de fazer. A implantação da agência Mercúrio deixou o dr. Olavo muito feliz. Ele le- vou o comitê executivo do Itaú para visitar a agência e explicou pessoalmente como o sistema funcionava. O passo seguinte foi a decisão sobre qual seria a segunda agência a ser implantada. Eu defendi que deveria ser a agência Central, para provar a todos que a solução implantada era uma solução para o Banco Itaú todo, e não apenas para uma agência pequena como a Mercúrio. O sis- tema funcionando na agência Central, que era a maior agência do Banco, seria um excelente cartão de visitas para o Itaú e eliminaria qualquer dúvida sobre a sua aplicabilidade. Essa proposta foi aprovada, após muitos debates, com forte apoio da área comercial. Decidiu-se também que no dia da implantação tería- mos uma grande comemoração para caracterizar a liderança do Itaú.

O meu objetivo era implantar essa agência antes do Bradesco, com quem man- tínhamos uma grande amizade, mas também uma saudável competição. Eu sabia que o Bradesco estava prevendo implantar sua primeira agência em fevereiro de 1981 e, assim, marcamos a implantação da agência Central para o mesmo mês.

E aqui vou contar uma história sobre essa competição. Com a agência Mer- cúrio começando a funcionar, recebo um telefonema do Francisco Sanchez, vice- presidente do Bradesco e muito amigo. Ele foi direto ao ponto: “Karman, quero visitar a sua agência”. Marcamos a visita, para ele, o Celso [Mellon Raggio] e o Jorge Adati. Eles observaram toda a solução e, após muitos elogios, me intimaram a visitar a agência modelo do Bradesco. Eles já estavam com todo um esquema montado. Saímos da agência Mercúrio, fomos a um heliporto nas proximidades e fomos para a Cidade de Deus. A agência modelo estava em instalações muito ca- prichadas, com tapete vermelho desde a entrada. Eles estavam com todos os ter- minais prontos, injetados em plástico, terminais projetados pela Sid, que estava junto com o Bradesco nesse projeto. Eu olhei aquilo, tudo arrumado, tudo bonito e pensei: “É agora que o jogo vai começar, vai ser o grande desaio da minha vida”.

E três dias depois eles convidam o Paulo [Setubal] e depois o dr. Olavo Setubal para visitar a agência modelo na Cidade de Deus. E o dr. Olavo volta para o banco, me liga e vai direto ao ponto: “Karman, não vai me dizer que você é o único sol-

147 dadinho do batalhão que está com o passo certo! Todo mundo está com o sistema

descentralizado, você é o único que insiste no sistema centralizado. Fica marcada uma reunião para sábado às oito horas da manhã para revermos o projeto.”

Sábado às oito horas lá estava eu preparado para aquela discussão. Tinha concluído que tecnicamente não daria para discutir, era tudo muito novo e complexo. Deixei o time da Itautec preparando as justiicativas técnicas e me organizei para discutir as premissas do projeto. Logo no início, propus discutir- mos as premissas e não os detalhes técnicos, e as escrevi no lip chart:

1 - Os clientes devem ser clientes do Banco e não da agência.

2 - As telecomunicações devem se desenvolver muito nos próximos anos. 3 - Os terminais POS do comércio logo estarão ligados aos computadores dos bancos.

4 - As empresas terão equipamentos mais soisticados do que o telex e es- tarão ligadas aos bancos em tempo real.

5 -Nos Estados Unidos estão sendo lançados os primeiros microcomputa- dores, e em pouco tempo as pessoas físicas também poderão se conectar com o banco a partir desses dispositivos.

E perguntei: “Estamos todos de acordo quanto a isso?” A resposta, como eu esperava, foi sim, por unanimidade. Em seguida comentei: “Pelas cinco premis- sas ica claro que o acesso aos computadores do banco será prioritariamente externo às agências.” Desenhei, então, um cliente e um grande banco de dados e perguntei: “Dr. Olavo, o senhor que é engenheiro, qual o caminho mais curto entre dois pontos?” Resposta imediata: “Uma linha reta!” Completei o desenho traçando uma linha reta, ligando o cliente ao banco de dados do banco. “Isso é muito mais simples do que distribuirmos os bancos de dados por todo o ban- co!” Um minuto de silêncio e a decisão: “OK, vamos nessa linha, continuem o projeto, está terminada a reunião!”

A agência Central foi implantada em fevereiro de 1981, na data marcada, com uma grande festa da qual participaram diretores de bancos, dirigentes da SEI, dire- tores da Abicomp, das empresas de Informática, professores da USP e da Unicamp, toda equipe da Itautec e da área de TI do banco e muitos funcionários das agências

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de São Paulo do Itaú. Sucesso total e luz verde para seguirmos em frente.

Em seguida, implantamos a agência da Praça Panamericana ao lado da agência do Bradesco, onde seria implantado o primeiro Banco Instantâneo, só para acirrar a disputa. A próxima foi a agência Tutoia, em frente à IBM, para demonstrar a eles que o nosso sistema funcionava. Isso porque a IBM não acreditava que o nosso sistema funcionasse. Eu soube que quando foi criada a Itautec houve uma reunião estratégica dentro da IBM e a conclusão foi que a Itautec não ia dar certo. Naquele tempo, a IBM trabalhava por dogmas. Deiniram que não ia dar certo e isso era de- initivo. A IBM não nos visitou durante um ano. Eles só começaram a olhar para a Itautec no momento em que foi implantada a agência Central. A partir daí foi uma série de visitas, primeiro os gerentes da IBM de São Paulo, em seguida diretores da IBM Brasil, acompanhados do presidente, que na época era o Robeli [Libero] e em seguida VPs americanos, da área de tecnologia da corporação. Foi, então, que eu comecei a entender que nós tínhamos quebrado um paradigma. Mas eles preci- savam ver para crer. No dia da implantação, um dos técnicos de telecomunicações, especialista em sistemas em tempo real, preparou seis depósitos de CR$ 1.000,00 – a agência tinha seis caixas. Ele esperou um momento em que os caixas estives- sem sem ila e correu para fazer um depósito em cada caixa e em seguida dirigiu-se rapidamente ao terminal cliente para consultar o saldo e, saldo veriicado, exclama: “Não é que esse sistema funciona mesmo!”

A próxima agência foi a de Brasília, para mostrar ao banco que o sistema funcionava fora de São Paulo – essa dúvida existia porque as linhas de comu- nicação em São Paulo eram melhores que no resto do Brasil. E também para mostrar à SEI que o nosso sistema funcionava bem, era composto de termi- nais nacionais e tinha um conteúdo de software muito importante e, portanto, merecia um tratamento menos discriminatório do que o que nos vinha sendo dado. Os concorrentes, na época, tinham vendido para a SEI a ideia de que a Itautec era uma grande vendedora de Mips da IBM, o que atrapalhou muito, pois não eram aprovadas importações de “mainframes” para meus clientes po- tenciais, mas recomendada a alternativa de trabalhar com processamento dis- tribuído, usando os minicomputadores nacionais.

149 E esse foi o começo da Itautec, que teve um grande sucesso na implantação

do sistema online. Muitos desaios, projetos, acordos de tecnologia, parcerias e produtos como as URAs, ATMs, micros... se seguiram, mas essas são histórias para contarmos em outra oportunidade.

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