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Engenheiro eletrônico (Poli-USP), com pós-graduação em engenharia de sistemas (Poli-USP) e MBA pela FIA. Já atuou em empresas como Ericsson; Serete Engenharia; FDTE; Digirede; Ágon Tecnologia; BMK iSolutions, com experiência no desenvolvimento e lançamento de produtos e sistemas de TI e Telecom. Atualmente é diretor da Diebold.

A

melhor pessoa para contar a história da Digirede é, certamente, o Ar-

non Schreiber, pois foi ele quem, em 1977, fundou a empresa, numa pequena casa na zona norte de São Paulo. Tudo começou quando ele vendeu um projeto para a empresa Sotreq, um revendedor Caterpillar do Rio de Janeiro, para desenvolver um sistema de gestão logística em tempo real. Sistema de tempo real era novidade para a época e o projeto para a Sotreq foi importante pela experiência adquirida nesse tipo de sistema, fundamental para o projeto de automação bancária que seria desenvolvido em seguida.

Antes da Digirede, o Arnon trabalhou para a Olivetti, que pretendia comer- cializar seu produto de automação bancária no Brasil, mas acabou desistindo em função das restrições à importação impostas pela legislação do setor. Nessa fase foi relevante o conhecimento do sistema bancário e também o contato com os bancos brasileiros para mostrar o produto. O Arnon fundou a Digirede e, enquanto fazia o sistema para a Sotreq, desenvolvia a ideia de fazer um sis- tema para automação bancária que atendesse às determinações da legislação.

No início de 1979, eu trabalhava para a FDTE, uma fundação ligada à Es- cola Politécnica da USP que desenvolvia projetos em convênio com empresas públicas e privadas. Por intermédio do Ronaldo Foresti, da Digital (DEC), o Arnon acabou sabendo que na Poli havia um grupo fazendo projetos utilizan- do tecnologia de microprocessadores, que aparentemente se encaixavam nas regras da reserva de mercado. A sua ideia era fazer um sistema para automa- ção de agências com arquitetura distribuída em que cada agência teria um servidor com a responsabilidade de manter e processar as contas correntes

167 daquela agência sem necessidade de estar conectado todo o tempo com o

sistema central do banco.

Portanto, precisaríamos do servidor de agência, do terminal de caixa, de um terminal de vídeo, de uma impressora, dos sistemas operacionais e software de aplicação, além de modems, fontes de alimentação, entre outros equipamentos. Como já estava em vigor a reserva de mercado, as opções eram encontrar pro- dutos nacionais prontos ou construí-los. E o patrocinador? Bem, o Banorte ha- via demonstrado interesse em patrocinar o projeto e aguardava o detalhamento, a análise de viabilidade e os planos para aprovar.

Eu, o Luiz Edmundo Cavolina e o Tony Ting, todos trabalhando para a FDTE, concordamos em trabalhar para o Arnon à noite e nos inais de semana, com o objetivo de deinir a arquitetura de hardware e software do sistema e da estima- tiva de custo do projeto para apresentar ao Banorte. A ideia inicial do Arnon era importar o hardware e desenvolver o software com as características dos ban- cos brasileiros, mas a reserva de mercado determinou a necessidade de utilizar também o hardware nacional.

Estando claro que tínhamos de fazer um computador, escolhemos o micro- processador da empresa americana Zilog e, enquanto aguardávamos a chegada do sistema de desenvolvimento, trabalhávamos nos desenhos do hardware, da mecânica de empacotamento e do desenho de placas, para serem apresentados ao Banorte. A reunião com o banco foi marcada em São Paulo, na casinha da Di- girede, na zona norte. A equipe do Banorte era composta pelo Zemar Carneiro, na época diretor de informática, e por três assessores técnicos do banco. Como a ideia era mostrar viabilidade técnica, apresentamos desenhos gerais da arqui- tetura, diagramas lógicos e de circuitos, desenhos de fontes de alimentação e as ideias de como fazer o sistema operacional.

Por ser uma equipe técnica ou por falta de opção, não sei exatamente o mo- tivo, mas o fato é que as pessoas se encantaram com o que viram, decidiram que participariam do projeto e passamos ao próximo assunto da reunião – custos e prazos. A discussão de custos foi simples e a de prazos não chegou a ser complicada, mas, visto de hoje, foi engraçada. Para muitos dos componentes

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e serviços que precisaríamos comprar não havia referência de prazos. Como exemplo, só existia um fabricante de placas de circuito impresso e os prazos de importação de componentes eram enormes.

Após apresentarmos os cronogramas do projeto, me lembro que o Arnon e o Zemar icaram horas discutindo cada atividade e, no caso dos protótipos de circuito impresso, a discussão era se o prazo do fabricante deveria ser três ou quatro semanas, quando depois soubemos que era de quatro meses. O Ba- norte aprovou o projeto e encomendou um piloto de 10 agências: a primeira em um ano, implementada com protótipos, e depois 10 agências na versão de produção. Com a aprovação do projeto, deixamos a FDTE e fomos trabalhar exclusivamente para a Digirede. A equipe inicial era composta de 12 pessoas e mudamos para um escritório na Av. Ipiranga, em frente ao Edifício Itália.

Por razões desconhecidas, o sistema de desenvolvimento da Zilog não che- gou. Com o cronograma apertando, o Arnon e o Ting viajaram para a Califórnia com o objetivo de encontrar uma solução. Essa viagem foi muito proveitosa porque acabaram encontrando um computador de uma empresa chamada Al- tos, empacotado em uma caixa tipo PC desktop (PC não existia) e que, além de usar o Z80, tinha no pacote o sistema UCSD Pascal, que faria papel importante na nossa arquitetura.

A arquitetura de sistema adotada foi a que estava na cabeça do Arnon – sis- tema distribuído, com um processador em cada agência com a base de dados que seria a base “quente” das contas da agência. O log das transações da agência seria enviado através de um protocolo com um mínimo de overhead para o sis- tema central do banco, onde seria consolidado durante a noite, e, portanto, não haveria pressão para esse envio, podendo-se dar prioridade ao processamento das transações da agência.

O sistema UCSD Pascal era um ambiente de processamento e uma lingua- gem de alto nível, facilmente portável para hardwares diferentes, bastando para isso escrever na linguagem da máquina hospedeira o programa para implemen- tar a máquina virtual, chamada máquina “p”. Essa máquina virtual interpretava o código Pascal compilado para ela. Além disso, era um código de fonte aberta,

169 semelhante ao sistema Java atual. Como o UCSD Pascal era monotarefa, ou

seja, executava uma transação completa de cada vez, adotamos uma arquitetura de duas CPUs. Em uma delas rodaria um monitor multitarefa responsável pela comunicação com os terminais e sistema central e também pela gestão das ilas com o sistema UCSD Pascal, que rodaria na outra CPU.

Para completar, o primeiro processador de agência tinha 64 KB de memória RAM em cada CPU, e três unidades de disco lexível de 8 polegadas. O hardwa- re do terminal de caixa também utilizaria uma CPU Z80 com 8 KB de memória e, portanto, a aplicação inicial foi escrita em linguagem assembly. Para o design, foi contratado o escritório Cauduro-Martino Arquitetos Associados.

Em novembro de 1980, foi inaugurada, com festa, a primeira agência on- line do Banorte, na Praça Maciel Pinheiro, no Recife. Para essa agência piloto, os equipamentos foram montados no laboratório e os terminais de caixa em gabinetes de chapa dobrada, que “lembravam” o desenho da Cauduro-Martino e entrou para a história da Digirede como o Terminal de Lata.

Na demonstração realizada durante a festa de inauguração, o Arnon, não se contentando com uma demonstração tipo “caminho feliz” e desprezando completamente o sempre presente “efeito demonstração”, resolveu mostrar ao vivo o nosso inovador sistema de recuperação de queda de energia baseado em memória RAM não-volátil, implementado com tecnologia CMOS mantida por bateria. Após as explicações do que se tratava, pediu a ajuda de alguém para desligar a chave de energia geral da agência. Esse alguém, como que antecipan- do alguma catástrofe, perguntou: “Mas, Arnon, a chave geral?”.

Ao inal, a inauguração teve ótima repercussão e todos creditaram os “aci- dentes” ao já conhecido “efeito demonstração”. Em 1981 houve um evento de automação bancária no então Hilton Hotel da Avenida Ipiranga, no Centro de São Paulo, e o Arnon convidou o Eduardo Magalhães, então diretor de informá- tica do Unibanco, para conhecer a solução da Digirede no prédio vizinho, onde icava o nosso escritório.

Sem avisar, apareceu no escritório o Arnon com o Magalhães, que acabou icando várias horas no laboratório querendo ver em detalhes o que estava sen-

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do feito. O Magalhães também era um entusiasta da tecnologia. Pouco tempo depois, a Digirede fechou contrato para fornecimento de equipamentos e sis- temas para automatizar 100 agências do Unibanco. Este evento deu início à montagem da primeira fábrica em Diadema, localizada na Rua Álvares Cabral, no bairro da Serraria.

O design do terminal de caixa foi pensado inicialmente para implemen- tação em ABS, mas como não havia tempo hábil para fazer uma ferramenta para ABS foi decidido fazer o terminal em ibra de vidro, enquanto não icasse pronto o molde para poliuretano. Em função do desenho do terminal, os ga- binetes em ibra de vidro eram difíceis de montar, exigindo muito retrabalho, e o acabamento muito ruim, deixando dúvidas se não teria sido melhor usar o Terminal de Lata.

De qualquer forma, as primeiras agências do Banorte e do Unibanco foram instaladas com esse terminal que posteriormente foi substituído pelo deini- tivo. A partir daí, a Digirede automatizou as agências dos principais bancos brasileiros da época.

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