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Economista com Mestrado em Informática na Administração Pública na França, atuando desde 1968 na área de Economia e Informática. Foi Secretário de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda. Presidente da Cobra, Secretário de Indústria, Comércio e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro e presidente do Banerj. Hoje é membro do conselho de administração e do conselho consultivo de várias empresas.

I

nicialmente gostaria de registrar que a expressão “Política de Reserva de

Mercado” tem um conteúdo até certo modo pejorativo. É correto airmar que a mesma estava baseada em certas restrições, visando fomentar, a exemplo de outros países como Japão e França, uma indústria nacional numa área sensível cujo desenvolvimento se previa explosivo, como realmente o foi. Havia um desejo e uma necessidade de reunir condições para que nascesse e se consolidasse uma indústria nacional por um período de pelo menos 20 anos. O segmento que acabou dando certo foi a indústria nacional de automação bancária, que é um sucesso nacional e mundial.

Minha trajetória proissional até assumir a Presidência da Cobra em 1976 foi no Governo Federal, em especial no Serpro e no Ministério da Fazenda, com os ministros Delim Netto e Mario Henrique Simonsen, na área econômica. Durante o período no Ministério da Fazenda, iz meu mestrado na França e, no inal do mesmo, o Delim deiniu minha permanência por mais um período para estagiar na Bolsa de Valores Francesa e veriicar os mecanismos de controle existentes, já que no Brasil ocorria naquele momento um “boom” no mercado.

Como a CVM ainda não existia, era necessário ter algum tipo de administra- ção e controle sobre os recursos, as empresas e as corretoras. Fiquei quinze dias na Bolsa de Paris, tentando entender como funcionavam os mecanismos de ges- tão. A realidade francesa era muito distante da brasileira, mas com os contatos mantidos compreendi os movimentos e os parâmetros básicos do mercado.

Quando voltei, encontrei o Delim e ele me perguntou: “E aí?” Respondi com sinceridade que estávamos longe deles. Ou seja, daria para implantar alguns

101 processos e desenvolver tecnologia local para termos alguns controles básicos,

mas o trabalho seria penoso e árduo. Voltando ao Brasil e ao Ministério, fui no- meado, em 1973, Secretário de Economia e Finanças, com Delim Netto e José Flávio Pécora, e permaneci com Mario Henrique Simonsen até 1976.

Pessoalmente não era minha opção, mas o Simonsen, meu amigo e professor, disse: “Você ica seis meses e segura essa onda”. Eu era responsável pela área do ICM e a ligação do Ministério da Fazenda com os Estados e Municípios e não tinha nada a ver com a informática; tinha praticamente esquecido esse lado. Nesse período, porém, participei do plenário da Capre com o Ricardo Saur e sua notável equipe, com pessoas como Arthur, Ivan, Paulo Roberto, entre outros.

Já era 1976, eu angustiado para voltar para o Rio, os seis meses tinham virado quase dois anos. Até que um dia, exatamente no momento da incorporação do projeto das fragatas da Marinha pela Cobra, bastante importante na época, surgiu um dilema de como dar continuidade à Cobra, que praticamente estava vegetati- va, e transformá-la numa empresa viável, torná-la ícone de uma futura indústria nacional de informática. Eu nem imaginava o que era a Cobra. Mas, em agosto de 1976, recebi um convite do presidente Marcus Vianna, do BNDES, para conver- sar. Não sabia qual o assunto. Cheguei lá e ele disse: “Você conhece a Cobra?”

Eu digo: “Pouquíssimo”.

“Pois bem, os fatos são os seguintes: eu já conversei com o Simonsen, e com o Secretário-geral, e já tem aqui uma autorização do Ministro, o decreto do Presidente da República, e você foi nomeado para a Cobra.”

Assim.

Eu até argumentei: “Marcus, estou fora do mercado de computadores já tem uns cinco anos”. Mas não teve conversa.

O objetivo que o governo, na época, deiniu e me foi passado era o seguinte: você continua tocando a parte da Marinha, pois não podemos abrir mão poli- ticamente disso. Porém, você vai desenvolver a indústria para o campo civil. E, para fortalecer essa sua posição, já montamos toda uma equação acionária, em que uma holding de bancos vai ter 49% e o governo vai icar com 51%, subdi- vididos entre Serpro, Caixa Econômica e Banco do Brasil e BNDES. O governo

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tinha o controle, mas cerca de 30 bancos participaram do projeto.

Obviamente que a entrada dos bancos não era por causa da Cobra. Com a restrição das importações, havia a necessidade de se desenvolver uma tecno- logia local e os bancos tinham necessidade de não comprometer o seu próprio crescimento. Então, a entrada da Cobra e o fortalecimento de uma indústria nacional seria porta de entrada para futuros investimentos do sistema bancário nas suas próprias empresas ou na própria indústria.

Certo ou Errado, Correto ou Não, o fato é que a Cobra deu certo. A holding de bancos que entrou capitalizou a empresa, o governo também cumpriu a sua parte mantendo as regras do jogo e, nesses três anos, o desaio foi conviver com a Marinha, que lenta e gradualmente foi se afastando da empresa por questões naturais. Alguns almirantes entenderam o caminho que eu tinha tomado para viabilizar a empresa; outros nem tanto. Havia uma oposição ao desempenho da Cobra, acusando-a de ter se desviado dos princípios de sua criação.

O fato é que o desaio foi bem-sucedido e conseguimos, dentro de uma po- lítica industrial ixada pelo governo, entrar no campo com uma tecnologia ex- tremamente competitiva, inicialmente para suprir e abastecer o mercado, espe- cialmente bancário e de governo, que estava meio travado. Havia compromissos extremamente rígidos, ixados pelo governo. As diretrizes eram: “Vocês têm tan- to tempo para fazer a nacionalização desses equipamentos cuja tecnologia foi adquirida. Vocês têm de desenvolver em dois a três anos toda uma linha de pro- dutos na faixa baixa do mercado, até onde estava deinida a famosa reserva. E têm de manter esses equipamentos no Brasil a partir do momento que vocês izerem a importação do primeiro lote, e iniciar em seguida o projeto de nacionalização.”

O grande desaio foi sair de agosto de 1976 para abril de 1977 estruturando uma empresa que não existia, aproveitando os recursos humanos que existiam nas universidades brasileiras, especialmente na PUC do Rio de Janeiro e na USP, e procurando fundir tecnologias que vinham do Serpro. A missão era montar uma empresa do zero com pessoas oriundas de várias áreas, além de prepará-la para en- frentar o mercado, que era dominado naquela época pelas empresas estrangeiras.

103 Várias polêmicas se sucederam, mas o fato é que a Cobra conseguiu criar

redes de atendimento em menos de um ano, para atender, pelo menos, 150 loca- lidades em todo o país. Onde tinha concentração bancária, tinha de ter um centro de suporte da Cobra imediato, porque era um “compromisso”. Uma obrigação que o governo tinha assumido de dar suporte rápido aos equipamentos, de modo que não prejudicasse o processo de automação bancária que estava se formando.

A empresa se desenvolveu, cresceu exponencialmente, gerou oportunidades porque manteve sua trajetória inicial e não teve a pretensão de se transformar numa empresa vertical. Pelo contrário, congregou e ajudou a formar várias in- dústrias de periféricos que suportavam os equipamentos que a Cobra fabrica- va. Nesses primeiros três anos, a grande disputa foi enfrentar a descrença e a desconiança de que uma empresa como a Cobra poderia ser viável e ter uma linha de produtos competente, competitiva e a preços que não fossem, absolu- tamente, desconectados de uma realidade inicial.

Certamente, se ela tivesse ao longo do tempo continuado os seus esforços, e mantivesse uma continuidade administrativa, teria sido mais competitiva em termos econômicos e de preço. Mas naquela época não se questionava o problema de preço, e sim a capacitação tecnológica da indústria, da Cobra, especialmente a capacidade de ela ter uma sobrevivência como empresa e suprir o mercado ban- cário, que era o maior cliente, de longe, com um equipamento coniável.

Graças à equipe de desenvolvimento e pesquisa da Cobra, que reuniu, no auge, entre 300 e 400 engenheiros, analistas e programadores nível 1, isto é, um centro de excelência e de grande produtividade que foi responsável por uma geração de equipamentos de vários tipos. O grande adversário era a IBM, que tinha um presidente sensacional, José Bonifácio Amorim, que convivia amigavelmente comigo. Mas a grande polêmica que os jornais sustentavam era como a gente pode incrementar a briga entre a Cobra e a IBM. Não havia local onde eu ou alguém da IBM estivesse, e, se estivéssemos juntos, pior ain- da, que a pergunta não saísse: “Como é que vocês estão se dando? Como é que a IBM está sendo tão prejudicada? E você? Como é que se sente invadindo o

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mercado da IBM?” Essa era a grande polêmica que se estabeleceu na sociedade brasileira, na grande imprensa e na própria comunidade acadêmica.

Muito tempo depois, eu tive a satisfação de ouvir do Amorim uma coisa muito engraçada, que passados os anos a gente ica avaliando. Ele me con- idenciou um dia, na Hípica, no Rio de Janeiro: “Você sabe, Carlos Augusto, que aquelas polêmicas, rapaz, eram coisas que eu até, em princípio, não devia gostar, mas não podia deixar de defender uma tecnologia brasileira, não é? E, lá fora, nos Estados Unidos, eu explicava, ou tentava explicar, aos meus colegas americanos e aos meus superiores por que o Brasil tinha de ter uma Política de Informática. Por quê? Eles não entendiam, Carlos Augusto, e eu tentava explicar. E certamente sempre fui muito malsucedido. Mas eu vou te conidenciar uma coisa.”

Eu digo: “Fala, Amorim.”

Ele diz: “Agora que nós estamos aqui, anos depois, posso confessar: foi a época em que a IBM ganhou mais dinheiro no Brasil. Porque, enquanto dei- niu a reserva de um determinado limite para baixo, deixou a IBM correr solta num limite para cima”.

Então, a IBM, com seus mainframes que ainda estão por aí, nunca foi tão bem-sucedida inanceiramente, pelas palavras do próprio Amorim, quanto na- quela época. Hoje, passados tantos anos, posso dizer que vivemos um pouco uma época romântica. Foram momentos, certamente, gratiicantes, de vitórias e conquistas Eu não me arrependo em nada de ter participado desse esforço com vários colegas que estão por aí. Mas o modelo não podia ter permanecido daquele jeito por muito tempo. Grandes interesses estavam sendo contraria- dos, e o lobby das multinacionais com seus governos pressionando constante- mente as autoridades brasileiras.

As correções deveriam ter sido feitas. Mas o que sucedeu foi que, infeliz- mente, com o advento da era Collor jogou-se tudo fora, inclusive o que havia de bom na indústria brasileira de informática. Passou-se o trator e liquidou- se com a indústria de uma maneira geral, sem tentar aperfeiçoá-la ou mesmo

105 procurar alternativas que pudessem, hoje, situar certos segmentos em locais

mais bem posicionados no novo mundo tecnológico. Enim, acabou o sonho, e de uma forma triste e deinitiva. Hoje, a situação do balanço de pagamentos do setor de informática e correlatos, apesar de não termos a crise que tivemos em 1974, é extremamente deicitário, pela ausência de uma política, que ainda hoje poderia estar sendo aplicada com sucesso. Não se nota nenhum resquício de uma Política Industrial no setor, exceto o que se denomina de PPB (Processo Produtivo Básico), o que é absolutamente ridículo considerado o desenvolvi- mento tecnológico que o país necessita.

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