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Tem 63 anos, sendo 37 deles atuando junto ao mercado inanceiro, passando por empresas como Banco Noroeste, Credicard, Tecban, Lojicred e Serasa. Atualmente, é presidente do Conselho Superior do Movimento Brasil Competitivo, presidente da Luccra – Lucro com Responsabilidade e conselheiro de administração independente.

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omecei a trabalhar no sistema inanceiro numa época em que estava

iniciando o famoso “caixa executivo” nas agências. Vivi muitas his- tórias, que outros depoimentos devem mencionar. De fato, presen- ciamos muitas coisas que são inovadoras ainda hoje e outras, no entanto, já ultrapassadas. Um bom exemplo é o videotexto, que logo desapareceu. Mas me lembro de que o [Luiz Carlos] Moraes Rego e outro diretor da Telesp foram conversar comigo sobre as diiculdades de implantação do videotexto. Então, assumimos a exclusividade no sistema bancário e criamos a rede nacional de videotexto do Banco Noroeste. Era um projeto muito ambicioso e teria sido um sucesso. Quando deixei o Noroeste, em 1983, o projeto, porém, foi abandonado. A ideia era vender livros nas agências através do videotexto. Acabamos criando, sem perceber, o que seria hoje o equivalente à Amazon.com, e contando com a participação de todas as editoras. Depois passei pelo Credicard, sempre en- volvido com inovação – e inovação em serviços depende muito de tecnologia da informação. Ainda na década de 80, nasceu a TecBan - Tecnologia Bancária, com os ATMs e os TCs (terminais de compra).

Para lançar as ATMs, realizamos pesquisas qualitativas e quantitativas de grande profundidade e fomos nos envolvendo para saber como o cliente reagia diante da máquina. O cliente brasileiro não tinha chegado perto de um compu- tador ainda, tinha medo. Tivemos de criar uma metodologia para que as pes- soas, nos grupos de pesquisa, pudessem utilizar a máquina. Na época, quando se apertava um botão, a máquina falava. E as pessoas tinham medo daquilo. Então, tínhamos de preparar o cliente. Foi um trabalho árduo. Também surgi-

183 ram questões de segurança, desde patrimonial – para evitar qualquer tipo de

vandalismo (como pichações) ou roubo – até segurança da rede. Foi tudo muito bem preparado, e o resultado foi um sucesso.

Do lado do TC, antecessor do cartão de débito, o sistema cometeu um erro muito grave ao ser lançado. Na época havia inlação e os bancos tinham interes- se no ganho com loating, decorrente do tempo de compensação. O cheque era favorável ao correntista, pois quem ganhava o loating era ele. Isso porque era um período de alta inlação. Por esse motivo, se tivéssemos resolvido a questão para que houvesse vantagens dos dois lados, o cartão de débito já teria sido iniciado naquela época. Portanto, podemos dizer que o conceito do TC abriu espaço para o atual cartão de débito.

Quando cheguei à Serasa, em 1989, a situação era muito interessante tam- bém. Era uma empresa mantida pelos bancos. Assumi a presidência em 1991, justamente no período do Fernando Collor de Mello na Presidência da Repú- blica. A Serasa era uma empresa que vendia análise e informações para crédito e o novo presidente, com o Plano Collor, quase que extinguiu o crédito no país por um período. Estava dado aí um bom desaio.

Os proissionais de informática dos bancos viam a Serasa como um “dinos- sauro” na área de tecnologia – e era verdade. Assim, era muito difícil vender os serviços para os bancos, pois também eram tidos como caros. Ou seja: “Eu estava danado”. Então, tivemos de encontrar um caminho para fazer com que a empresa se desenvolvesse. E o caminho era a tecnologia, claramente. Começamos a examinar os produtos, os serviços, tudo. E iniciamos por um produto que era fundamental, mas que dava prejuízo. Quem trabalhou em banco sabe que aquelas ichas Serasa – verde, amarela, azul – eram feitas em computadores IBM, mas impressas em off- set. Imagine fazer análises, separar arquivos no “braço”, com milhares de arquivos empilhados, análises feitas uma a uma, empresa por empresa.

Não tínhamos as ferramentas tecnológicas para melhorar aquilo. E nem sabía- mos quais eram essas ferramentas. A tecnologia mais avançada que havia na em- presa eram os terminais a partir dos mainframes IBM, enormes dentro do prédio, com cabos imensos usados para ligar um computador ao outro. Era uma situação

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diferente. Analisamos esse contexto, avaliamos os clientes, o que achavam e pen- savam da empresa. Tínhamos um produto muito bom, que eram essas ichas, mas havia diiculdades na produção, gerando altos custos na produção e na entrega.

Outro produto que tínhamos, pouco expressivo no faturamento, mas de grande importância na decisão de crédito, eram as informações negativas. Elas eram distribuídas em microichas em uma caixinha enviada para as agências dos bancos. Com o tempo, as informações icavam defasadas e as ichas à mão do funcionário do banco, que poderia vendê-las. Nos grandes bancos, essas informações eram fornecidas em enormes itas magnéticas, com atualizações periódicas, o que para o crédito não era muito adequado, pois também havia uma defasagem de tempo nas informações. Começamos, então, a fazer as pri- meiras ligações ponto a ponto fornecidas pela Embratel.

Naquela época, quando se falava em tecnologia era entendido apenas como informática. Para construir o novo modelo de gestão da Serasa, imaginei que de- veríamos tratar a empresa toda como inovadora e avançada. Então, desenvolve- mos novos conceitos que, além da tecnologia da informação, começamos a cha- mar crédito de “tecnologia de crédito”, quando ainda o crédito não era percebido assim. E, para gerir a empresa, também um novo conceito foi desenvolvido, que é o da “tecnologia de gestão”. Cada uma dessas tecnologias alavancava as outras, levando a melhores resultados e a uma imagem de modernidade da empresa.

Uma boa inspiração para desenvolver o modelo foi a vivência das diiculda- des das áreas de TI em atender os bancos, empresas, com tantas prioridades que tinham no dia a dia, diicultando as organizações a inovar e lançar produtos decorrentes dos famosos backlogs. Pensei, então, que poderíamos ter, no pró- prio modelo, equipes pensando e atuando para o futuro e equipes pensando e atuando no presente. Assim surgiu a estrutura matricial bipolar. Era como se fossem dois diretores de informática, dois de marketing, dois de RH, dois de crédito, e assim foi composto um grupo de oito pessoas, pensando que eles pudessem dar o dinamismo e a inovação para a empresa. E deu certo, conse- guimos acelerar o que precisava ser feito. Toda a empresa passou a inovar. Essa estrutura que chamei de bipolar, matricial, está no meu livro “Gestão para um

185 Mundo Melhor”, da Editora Campus.

Também precisávamos mostrar graicamente nossas análises. E mainframes não fornecem esse recurso. Usávamos toda a nossa criatividade para desenvol- ver uma fórmula para inseri-los com a máquina IBM, porém, icava algo pre- cário. A solução seria investir em equipamentos que permitissem construir as análises gráicas e baratear o custo de impressão das ichas, que eram feitas em offset. Não tínhamos como arranjar os recursos inanceiros necessários para essa transformação. Comecei a pensar, então, que podíamos, dentro da área de tecnologia, procurar os fornecedores e expor nosso dilema. Procurei a IBM e a Xerox, que tinham equipamentos que podiam resolver esse problema de impressão por demanda e ainda gerar gráicos. Chamei a IBM e disse: “Eu não tenho dinheiro, mas tenho certeza de que, se você colocar uma máquina aqui, até o inal do ano eu compro outra, e pago as duas, mas agora, infelizmente, não tenho dinheiro”. Chamei a Xerox e falei a mesma coisa.

O pessoal da IBM estudou e não conseguiu dar uma solução. E eu tenho uma gratidão a Xerox até hoje, que levou a máquina e instalou na empresa. Porém, acredito que a empresa também icou grata pelo volume de serviços que ela ganhou até hoje. E realmente, em dez meses, adquiri as duas máquinas, porque aquilo me gerou recurso. Tudo isso me ajudou a rentabilizar a empresa, utili- zando essa tecnologia que nós não tínhamos, que foi desenvolvida pela Xerox especialmente para a Serasa. Depois a empresa cresceu e foi em frente.

Aquelas ichas que eram deicitárias começaram a dar lucro. O processo produ- tivo, para sobreviver, precisava melhorar. Começamos também a criar um parque tecnológico para que os analistas não tivessem de analisar inteiramente a icha para dar um resultado de classiicação, o que poderia ser feito através de software. Seriam aplicativos que dessem resultado e ninguém no mundo tinha isso feito.

Por que denominei de tecnologia de crédito? É que, por falta de tradição de conceder crédito, o mercado brasileiro em geral não olhava crédito de uma maneira mais “cientíica”. Teríamos de ser mais cientíicos. Para isso, precisá- vamos mudar a cultura de concessão de créditos no Brasil. Fui mundo afora buscar o estado da arte na negociação de crédito. Conirmei que era um assunto

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mais cientíico. Para isso teríamos de instrumentar o mercado e convencê-lo de que crédito era mais próximo de uma ciência. A providência foi aliar conhe- cimentos de crédito à tecnologia de informática. Um dos esforços feitos foi criar cursos, seminários e materiais para crédito sobre o manto da tecnologia. O carro-chefe dessa estratégia foi a revista “Tecnologia de Crédito”, na qual eram publicadas matérias do Brasil e de toda parte do mundo a partir de uni- versidades ou melhores práticas do mercado inanceiro.

Conseguimos produzir as ichas com melhor conteúdo, mais baratas, mais atualizadas e de melhor formato, o que nos permitiu entregar de forma diferente e vender muito mais. Existiam muitos concorrentes para as ichas, mas a prin- cipal era a maior multinacional do mundo na área, que depois de oitenta anos de Brasil passou para a Serasa seus clientes e funcionários, saindo do país.

E como izemos essa revolução na informática sem recursos? Utilizando as três tecnologias e muita criatividade. Para se ter uma ideia, a primeira expansão que tivemos em nosso CPD foi com a aquisição de uma máquina IBM já usada, que pagamos 50 mil dólares. Mas o desaio era muito grande. Os bancos brasi- leiros cada dia mais estavam no topo da utilização das novas tecnologias e já se apresentando como os melhores do mundo. Essas histórias que estou contando procuram espelhar como izemos para conseguir estar no mínimo semelhantes aos bancos na parte que nos tocava. E, assim, passamos a ser vistos com outros olhos, o que nos permitiu ter grandes iniciativas inovadoras, que revoluciona- ram todo o mercado em que atuávamos. Exemplo disso é o desenvolvimento da nossa certiicação digital, que nos viabilizou entregar, na data prometida, com segurança, o sistema requerido pelo SPB.

O plano de utilização das três tecnologias nos permitiu avançar no tempo, buscando tornar o crédito realmente um instrumento de desenvolvimento do país, e possibilitou aos bancos ampliar sua capacidade de oferta de crédito de uma forma mais segura e, ao mesmo tempo, elevar a imagem da Serasa para uma percepção da sua importância no cenário nacional, criando o Cadastro Positivo. Até 1997, o crédito tinha como referência principal apenas informa- ções para não concessão de crédito – o ainda importante Cadastro Negativo.

187 Para que se pudesse obter a expansão do crédito seria necessária a introdução

de informações que mostrassem o histórico positivo dos clientes de tal forma que, aliado a tecnologias de informação e à utilização de modelos estatísti- cos avançados, construísse a classiicação de risco dos clientes pessoa física, já que tínhamos avançado na classiicação de risco das empresas. Implantamos o Cadastro Positivo em 1997, o que causou grandes polêmicas e grandes mudan- ças. Hoje, felizmente, existe uma unanimidade nacional da importância desse produto. Porém, acima de tudo, as iniciativas de utilização das tecnologias em sinergia têm permitido ao sistema inanceiro brasileiro, empresas e institui- ções em seu entorno colocar o Brasil no cume do sistema inanceiro mundial. O que permite também ao governo brasileiro desenvolver suas políticas com agilidade e segurança, levando o Brasil a esse momento de referência mundial. Aqui estão alguns poucos exemplos, procurando mostrar a dinâmica e a evo- lução do mercado inanceiro brasileiro e a nossa capacidade de realizar mesmo em circunstâncias adversas.

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