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Administrador de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, atua há mais de 40 anos em TI no setor inanceiro, passando por instituições como Banco Noroeste, Atlântica Boavista e Banco BMD. Foi presidente da Eletrônica Digital do Brasil, membro do Conselho de Administração da Cobra e presidente do Conselho de Administração da Serasa.

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m meados da década de 70, eu atuava na área de administração do Banco

Noroeste, com 80 agências, praticamente só nos Estados de São Paulo e Paraná, e com clientes do Brasil todo. Essa realidade gerava muitas diicul- dades e eu, como administrador, iz a opção de sair e conversar com meus colegas em busca de soluções. Foi numa dessas conversas que o Francisco Sanchez, que era o equivalente a mim no Bradesco, me franqueou as portas do Bradesco, fazendo acordos, convênios para que os cheques dos clientes do Noroeste transitassem pelo Brasil todo via Bradesco. Com esses acertos e com ganhos para os dois lados, o No- roeste pôde atender de uma forma muito rápida os seus clientes do Brasil, mesmo com 80 agências localizadas aqui em São Paulo e no Paraná. E esse foco de sair e conversar em busca de soluções me aproximou muito também do Alcir Calliari, que era do Banco do Brasil. Nós três – Sanchez, Calliari e eu – viajamos muito nes- sa época, pesquisando como funcionavam os bancos no mundo todo na busca de melhorar os nossos. Porque a situação era a seguinte: cada banco tinha esgotado os seus recursos internamente em termos de padronização e tecnologia. Era, portanto, necessário que os bancos se unissem, porque um fazia uma parte, na compensação, e o outro fazia a outra. Quando se emite um cheque e o coloca em circulação, ele já vai com uma série de pontos marcados digitados e digitalizados. E, quando se pro- cessa, faz-se a outra parte. Foi nesse ambiente que, quando eu era diretor do banco e da Febraban, me convidaram para ser o elemento que izesse essa união entre os pontos. Na verdade, quando me chamaram, disseram: “Você vai ser um apartador de brigas.” E lá fui eu para a rinha começar esse trabalho. Mas a necessidade de união desses serviços era evidente e todos buscavam mesmo uma solução.

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Inicialmente, os bancos importavam sistemas, equipamentos e modelos de atuação que existiam lá fora. Porém, como visitamos muitos bancos nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, percebemos que o espaço territorial de atuação dos bancos nesses países era muito pequeno. Então, dava para fazer aquilo que eles chamavam de “slip streams”– que eram extratos das operações diárias, arquivados na agência para consulta e lançamentos novos pelos caixas. Mas aqui não era pos- sível porque o espaço territorial era enorme, sendo impossível atingir os clientes diariamente com esse processo. Havia necessidade de uma comunicação mais rá- pida e fomos beneiciados, em grande parte, pelo trabalho que os militares izeram, aumentando a extensão da rede de comunicação no Brasil. Isso facilitou muito.

Eu me lembro de que, nos Estados Unidos, para se comunicar do Sul para a Califórnia, por exemplo, tinha um “jumping”, como eles chamam, ou seja, pas- sava tudo pela área de Chicago e depois ia para a Califórnia. Era um transtor- no enorme para processamento, mas os bancos não sentiam nenhum impacto desse processo porque eles não precisavam fazer isso – só trabalhavam dentro do seu condado, pela Lei de Washington. E nós aqui tínhamos um trabalho enorme porque os bancos eram nacionais. Por isso, a Febraban icou um pouco diferente das outras associações de bancos do mundo. Passou a intervir, geren- ciar ou interferir entre os sistemas e aproximá-los. Foi com essa visão que ela orientou vários bancos a montarem uma empresa para participar da Cobra, e que se chamava Eletrônica Digital. Com isso, nós participamos ativamente do conselho da Cobra, que era ativo para decidir o tipo de produto, a qualidade, quantidade, entre outras coisas. O sistema bancário foi chamado para ajudar a sair daquele gargalo que existia na Cobra, pois ela só produzia para o governo. E o sistema bancário era o segundo maior usuário de equipamentos de eletrônica no Brasil. O primeiro até aquele instante, era o governo federal. Hoje, o sistema bancário ultrapassou o governo federal.

Mas, de fato, o que tinha para ser feito? Havia toda a parte de contas corren- tes. Os bancos tinham resolvido seus problemas. Mas dentro da conta corrente tinha uma coisa importante: a compensação. E posso dizer sem medo de errar: é o sistema de logística mais crítico do mundo em termos de horários. Hoje, para se

93 ter uma ideia, só para exempliicar, um cidadão de São Paulo que compre alguma

coisa na divisa da Colômbia dá um cheque em Tabatinga até as 16 horas. Esse cheque, até por volta da meia-noite, está no Banco do Brasil em São Paulo, sendo processado. Então, é um sistema fenomenal. Quando o Calliari estava lá, montou 80 regionais de compensação, depois chegaram a mais de 100. Hoje são 14, mais a centralizadora em São Paulo. É um sistema maravilhoso. E lembrando que na época tínhamos a Câmara Internacional lá de Nova York, onde eu via chegar os traveler cheques em aviões 747 todo dia – da Europa, da Ásia –, trazendo os tra- veler cheques para serem processados. E eu perguntava para eles:

“Por que isso? Por que não processam lá?”

Eles respondiam: “Não. Nós precisamos ter segurança.”

Mas na verdade era para ganhar um, dois, três dias. Porque eles demora- vam seis dias para liberar o crédito do traveler cheque. Então, era para ganhar o “loating”. Mas nós fomos criados dentro da inlação. Nosso grande inimigo não era eletricidade, não era tecnologia, e sim vencer a inlação; nós tínhamos de ter velocidade para suplantá-la. O trabalho não foi só da tecnologia em si. Tinha um trabalho de Organizações & Métodos (O&M) enorme e também fora das áreas de tecnologia.

Acho que todo o sistema bancário ganhou nesse período fazendo uma O&M feroz em conta corrente, nas carteiras. Porém, deixaram de lado um problema sério para nós: o Fundo de Garantia. Nessa época, percebeu-se que o Fundo de Garantia virou um problema enorme dentro do sistema bancário. Cada banco desenvolvia o seu trabalho, só que a compatibilidade não existia, os critérios eram diferentes entre um banco e outro. Quando uma empresa deixava de ser cliente de um banco e levava o Fundo de Garantia para outro, era uma coisa ter- rível. Era o maior foco de queixas que o sistema bancário tinha. Então, delica- damente, levamos essa discussão ao governo. Chegamos ao governo mostrando que icaria muito melhor a centralização desse serviço num ponto, e o mais adequado era a Caixa Econômica Federal, que acabou fazendo um bom trabalho. E hoje ninguém mais ouve falar desses problemas com o Fundo de Garantia. E faz muito bem mesmo. Conto esse fato para mostrar que, quando há critérios

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diferentes entre os bancos, quem sofre é o povo. Porque quando passa de um banco para o outro começa a ter problemas.

Foi aí que veio a padronização dos boletos de cobrança e também de cheques, para poder fazer uma compensação adequada e com velocidade. Nesse trabalho a Febraban teve grande destaque. Além disso, teve também a participação impor- tante da Serasa, que também era de bancos associados à Febraban. No início, a empresa não usava computadores, mas quando a Febraban foi convidada a parti- cipar também na gestão do conselho, contratamos computadores, centros, novas soluções, e a Serasa passou a fazer o trabalho que não era mais só a informação da icha, mas a análise de crédito. Isso mudou muito também o panorama, não só da Serasa, mas do sistema bancário.

Outro fator que coloco como impulsionador das evoluções no sistema inan- ceiro desde o inal da década de 70, foi que tivemos uma alteração dos sistemas existentes e grandes mudanças. Entre elas, eu diria que a primeira mais relevante foi no sistema educacional. Eu iz pós-graduação na FGV e, em um dos meus trabalhos, peguei dois bancos médios, que eram o BCN e o Noroeste, e fui ver o nível educacional da cúpula. E praticamente só tinham pessoas formadas em uni- versidades e escolas superiores de Direito. Porém, com a implantação do sistema eletrônico, do processamento e da tecnologia, nós tivemos uma pulverização de engenheiros, matemáticos, economistas. A coisa alorou, evoluiu.

No processo decisório, porém, foi o inverso. Na agência, o gerente tinha as informações e tomava decisão. Com o tempo, houve uma centralização vio- lenta. Hoje, o gerente é um transportador de papel. Ele não faz praticamente mais nada. Isso signiica que, se quiser crescer na carreira, ele tem de estudar e vir para as matrizes, porque não tem mais espaço nas agências. Isso se deve à transmissão de dados, à eletrônica, à tecnologia. Com isso, nós tivemos o lado bom e também o lado ruim, porque tínhamos gerentes trabalhando nos pontos mais diversos do país, com plena autonomia, e hoje não temos mais. Essa é a minha história. Minha versão da gestão dessa época.

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Resumo analítico

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o início dos anos 70, o processo de automação bancária já tinha se

estabelecido de forma irreversível no Brasil. Os CPDs possibilitavam maior velocidade de processamento, mais transparência nos proces- sos, melhoria da qualidade de informação para gerenciamento dos negócios e integração da contabilidade interna dos bancos. Entretanto, essa estrutura de processamento estava diante de grandes desaios.

O primeiro deles era o próprio sistema bancário brasileiro, que crescia por meio da expansão de redes de agências espalhadas pelo Brasil, que, além de distantes em muitos milhares de quilômetros dos centros de processamento, conviviam com todas as restrições em infraestrutura do país, como falta de estradas e serviços de comunicação, por exemplo. A solução desenvolvida pela maioria dos bancos se baseava no modelo de subcentros, que havia se consa- grado como modelo legitimamente nacional. O segundo grande desaio era a racionalização dos processos, principalmente aqueles que envolviam trocas de informações entre os bancos, como pagamentos e cobrança.

A solução para esses desaios era complexa e contava com o fortalecimento da cultura dos engenheiros, que começaram a ser contratados pelos bancos, outra novi- dade consolidada com a chegada dos computadores. Esses engenheiros tiveram im- portância capital no processo de implantação da automação bancária não só porque tinham a missão de fazer com que os sistemas funcionassem, mas também porque trouxeram mais eiciência aos negócios, com a padronização de processos internos aos bancos, que vieram com a aplicação de técnicas de organizações e métodos.

A experiência com a padronização de processos internos levou à formação de grupos de discussão interbancários, com o objetivo de encontrar solução tam- bém para a racionalização de atividades que envolvessem diversos bancos. Essas discussões acabaram por ser levadas à Febraban e a congressos promovidos pela própria instituição ou mesmo por usuários dos bancos, como era o caso dos con- gressos realizados pela Sucesu. Vários processos interbancários que ainda hoje

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são característicos dos bancos brasileiros, como a padronização dos boletos de pagamento de títulos, são fruto desse intenso ambiente de troca de experiências que acabou alavancando a inovação dentro dos bancos, na época.

O sentimento de que a solução de vários problemas comuns se daria através da cooperação mais estreita entre as áreas técnicas dos bancos também con- tribuiu para a busca de soluções computacionais conjuntas. Técnicos dos ban- cos buscavam conhecer as mais modernas tecnologias bancárias utilizadas no mundo e, quanto mais investigavam, mais se convenciam de que os problemas de integração geográica do Brasil não contavam com soluções disponíveis no mercado internacional de automação bancária.

A desejada integração passa a icar ainda mais crítica com o início da pressão inlacionária, que em 1974 já se mostrava evidente. Com a inlação, além de inte- grados, os sistemas precisavam ser cada vez mais “real time”. Os bancos passaram a utilizar a automação para melhorar a qualidade dos serviços, procurando redu- zir o tempo de processamento das transações. E paralelamente passaram a am- pliar a rede física de agências, aumentando os pontos de contato com os clientes, o que por sua vez acarretava um aumento do número de bancários.

Apesar da forte concorrência que caracterizava o setor, particularmente na dis- puta travada para que cada banco se posicionasse no mercado como sendo “mais eletrônico” que seu concorrente, um ambiente de colaboração no âmbito tecnoló- gico predominava entre os principais bancos. A forte sinergia que havia entre os técnicos dos grandes bancos consolidou uma verdadeira aliança para enfrentar os problemas comuns. As divergências conceituais eram tratadas de forma pública e aberta, como foi, por exemplo, a discussão sobre centralização ou descentralização dos sistemas, defendida respectivamente pelos engenheiros do Itaú e do Banco do Brasil, de um lado, e do Bradesco, do Unibanco e do Banorte de outro.

Em 1975, no entanto, a abrupta decisão de restringir a importação de com- putadores atingiu frontalmente os bancos. Em 1976, o Unibanco, por exemplo, teve um projeto que previa a automação de um total de 120 agências em São Paulo e no Rio de Janeiro, paralisado por causa da proibição de importação decretada pelo governo. Contando com equipamentos da IBM, o projeto piloto

97 implantado em uma agência não poderia ser estendido.

Como alternativa para o novo cenário, os bancos procuraram driblar as res- trições à importação, investindo no desenvolvimento de novas tecnologias, particularmente no que diz respeito ao processamento descentralizado, que já havia se tornado uma marca da automação bancária brasileira. O ambiente de parceria passa a ser a regra entre os bancos e a nascente indústria brasileira de informática, em boa parte apoiada inanceiramente pelos próprios bancos.

Os grandes fornecedores estrangeiros desprezavam as necessidades especíicas do mercado brasileiro. A Olivetti, que já superava a IBM no número de máquinas instaladas no país, rejeitou a solução de arquivar os cadastros das agências em disco magnético num minicomputador instalado na própria agência, ao invés de enviá-los para processamento em tempo real nos CPDs. O argumento foi o de que essa nova função exigiria o desenvolvimento de programas e de adaptações no hardware, e a empresa não estava disposta a investir recursos no desenvolvimento de um projeto para um mercado que representava menos de 1% da fatia global.

É importante destacar que a reserva de mercado era focada basicamente na comercialização de equipamentos de menor porte, exatamente o peril de equi- pamentos que tinha a maior demanda para a automação descentralizada, cada vez mais importante para os bancos brasileiros. Mesmo assim, os bancos que lideravam o processo de automação no país continuaram investindo para au- mentar a velocidade da movimentação de valores e, consequentemente, melho- rar a prestação de serviços a seus clientes.

O ritmo da automação das agências ica mais forte com o início da implantação dos sistemas em tempo real. O Itaú inaugura, em agosto de 1980, uma agência pi- loto, com equipamentos ligados permanentemente a um computador, e os concor- rentes também aceleraram o passo. O Banorte, no Recife, o Bradesco, o Unibanco, o Nacional, o Bamerindus e o Boston logo começaram a automatizar as suas agências. Para inalizar, é importante ressaltar que, entre o inal dos anos 70 e a primeira metade dos anos 80, o investimento em automação bancária no Brasil não foi mo- tivado pelo desejo de reduzir custos com mão de obra e operacionais, mas sim para otimizar os luxos de caixa e o atendimento aos clientes.

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A Política de Informática