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Como Oicial da Marinha do Brasil - MB, especializado em eletrônica, sempre esteve envolvido com a área tecnológica. Ao deixar a MB, foi convidado para trabalhar na Secretaria Especial de Informática - SEI, onde esteve de 1981 a 1989, chegando a secretário. Entre 1992 e 1996, dirigiu a Vector Consultoria e desde 1997 integra a CTF Technologies do Brasil, onde foi diretor-presidente.

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inha origem é a de oicial da Marinha e, assim, participei do pro-

cesso de renovação dos meios lutuantes, na década de 70, que era o programa que acabou resultando na construção, na Inglaterra, de fragatas para o Brasil. Depois de algum tempo, por uma razão casuísta, passei a pertencer à famosa SEI - Secretaria Especial de Informática. Famosa porque a questão da reserva de mercado sempre esteve muito em foco nos jornais e nas revistas na época. E foi casuísta porque acabei sendo Secretário de Informáti- ca, porque o Secretário de Informática que havia assumido teve problemas de saúde na família e, com isso, acabei assumindo a posição.

É importante veriicarmos como as preocupações da Marinha nortearam ou, de certa maneira, marcaram essa política industrial brasileira. Até os anos 70, recebíamos navios dos Estados Unidos em função de um programa de assistên- cia militar – Military Assistance Program, o MAP –, que era a fonte dos nossos meios lutuantes e do nosso armamento. Naquela ocasião, a Marinha fez uma análise da situação e decidiu que não estaríamos mais dispostos a receber navios usados, que eram já antiquados para aquela ocasião. A decisão foi ter menos na- vios, uma frota menor, mas que realmente estivessem no estado da arte.

Com isso, izemos uma negociação grande naquela ocasião, com vários pa- íses, e a Inglaterra mostrou-se o país mais propício a uma renovação de meios lutuantes. O estaleiro escolhido foi o Vosper Thornycroft, uma empresa bri- tânica. Entre outros aspectos, negociamos também uma assistência tecnológi- ca com vistas à produção de computadores, no Brasil, com a Ferranti (Digital System Division), um fabricante inglês de computadores e sistemas de defesa.

115 Visou-se, também, à necessidade de darmos assistência aos sistemas de armas

e de controle dos navios, no Brasil, e, ainda, continuidade ao programa brasilei- ro de construção naval militar, que estava nascendo naquela ocasião.

Outro aspecto que preocupava era a dependência tecnológica, especialmen- te na área de informática, porque vários fatos haviam ocorrido no mundo que norteavam ou recomendavam uma atenção especial para isso. Um dos exem- plos mais emblemáticos foi quando os americanos, em certo momento, ne- garam a importação de um computador especial que a França precisava para fazer determinados programas de desenvolvimento. Isso resultou numa série de providências e estudos na França. O chamado Relatório Nora (Simon Nora e Alain Minc) tratava exatamente disso: da dependência tecnológica da França, diante dos Estados Unidos, e da ação dos Estados Unidos inibindo determina- das vontades francesas de caminharem nesse ou naquele sentido.

Isso para nós era um sinal de que tínhamos de prestar muita atenção nesse assunto. E foi o que izemos, então, buscando trazer para o país a tecnologia da construção das fragatas e também do desenvolvimento dos sistemas que vies- sem a substituir os sistemas originais e manter aqueles que eram fornecidos pela Ferranti. É nesse cenário que ocorre a aproximação com a Cobra. Naquela ocasião, surgiu a ideia de se fazer uma empresa de participação tríplice – uma empresa nacional; somada à Ferranti, como empresa estrangeira, e ainda uma participação do governo brasileiro. A técnica do um terço, um terço, um terço. Era a ideia de como se poderia fazer uma internalização da tecnologia. Mas isso não deu certo por uma série de razões. Em resumo, a empresa brasileira que estava nesse seg- mento não era de equipamentos eletrônicos e isso acabou não dando certo.

E, depois, numa série de voltas, acabamos fazendo justamente o desenvolvi- mento com a Cobra, com o Guaranys (Comandante José Luis dos Guaranys Rego), que era nosso engenheiro naval e estava envolvido com isso, e a Marinha conti- nuou perseguindo a ideia de que a Cobra pudesse ser a empresa que viesse a pro- duzir os seus equipamentos de informática. Isso também não deu certo, até por uma razão meio lógica, pois não havia viabilidade econômica nesse processo.

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“Pois é, agora a Cobra vai fazer equipamentos para empresas privadas, para uso geral, isso é um absurdo”. E eu disse: “Almirante, ainda bem. Porque senão ela ia falecer”. De modo que realmente era melhor assim do que icar com o sonho de que podíamos continuar naquela direção. Em resumo, havia as preocupações com a dependência do exterior, com as ações americanas que inibiam determinadas vontades políticas desse ou daquele país, e também o exemplo de outros países. Isso signiica que a nossa política de informática foi inspirada em alguns sucessos, como foi o coreano, o japonês e até mesmo da indústria eletrônica alemã. Quem acompanha a História sabe que, como airmam alguns historiadores, o pai e a mãe da indústria eletrônica alemã foram os correios alemães. Quer dizer, sempre há a necessidade de você criar um processo de estímulo para que realmente possa caminhar para nova situação de abrir novos caminhos. Essa inspiração foi trazida para nós primeiro com a Capre e depois com a SEI, que foi criada em 1979.

A diferença entre a Capre e a SEI é que a SEI estava fortemente escorada pelo Conselho de Segurança Nacional. Naquela época, contar com o apoio do Conselho de Segurança Nacional fazia com que a SEI tivesse muita força para o controle das importações. Mas o foco nesse momento não era tanto aquele foco de controle das nossas contas externas. Havia, claro, esse aspecto. Mas um aspecto maior era desenvolver tecnologia no país. Isso era também ajudado pelo panorama tecnológico da ocasião.

Com a questão dos minicomputadores e, em seguida, dos microcomputado- res, abria-se uma nova perspectiva, uma nova estrada tecnológica em que todos os países, mesmo os mais avançados, estavam, mais ou menos, em igual situação. As coisas eram novas. E, sendo novas, nós, que tínhamos uma industrialização atrasada, estávamos mais ou menos no mesmo patamar. Daí surge, então, a ne- cessidade de estimular e de traduzir isso numa política industrial. E isso foi tra- duzido pelas ações da SEI, que inicialmente trabalhava pelos famosos atos nor- mativos, que eram aqueles documentos que regiam essas ou aquelas atividades.

Contrariamente ao que habitualmente se lê, ou se lia, na imprensa em geral a SEI tinha uma forma de atuar muito aberta. Por exemplo, como é que se chegava a uma determinada política, ou a uma determinada deinição, de como um segmento

117 devia ser tratado? A partir de Comissões Especiais. Se não me engano, foram cerca

de 30 dessas comissões especiais que trataram de várias coisas, inclusive de auto- mação bancária. E essas comissões especiais eram compostas por várias pessoas, especialistas, convidados, e tinham uma constituição muito diversiicada. Pessoas que apoiavam aquelas ideias e também trazíamos aqueles que a combatiam, para que houvesse, justamente, uma concentração ou uma possibilidade de discussão de um debate que permitisse deinir alguma coisa que icasse no meio termo.

Das diversas ações que a SEI tomou, tivemos alguns sucessos notáveis, como é o caso da Cobra e a própria Scopus, que não nasceu por causa da SEI, mas se bene- iciou depois de ter essa visão de que realmente nós tínhamos de apoiar. Por outro lado, nossa convicção era a seguinte: não temos outra coisa a oferecer ao empresá- rio brasileiro, que se dispõe a arriscar num segmento novo, senão o mercado.

Quer dizer, como não havia grandes recursos para poder garantir que hou- vesse interesse, era necessário que disséssemos ao empresário que havia o mercado e nele estava garantida uma determinada faixa de consumo. No meu entender, não havia uma reserva de mercado, e sim uma reserva de segmento para a tecnologia nacional, para onde ela pudesse caminhar. É claro que essa tecnologia nacional, se houvesse um grande sucesso, caminharia também. Mas isso era uma coisa que a gente resolveria mais tarde, se acontecesse.

Por outro lado, havia uma coisa interessante: as tecnologias mais soisticadas começavam a ser substituídas por aquelas que estavam mais disponíveis, mais ao alcance das empresas nacionais. Isso fazia com que tivéssemos um espaço cada vez mais relevante para as empresas nacionais. Os bancos aproveitaram isso de uma maneira muito boa. Não só porque foram, de certa maneira, força- dos a fazer isso por suas necessidades, mas alguns deles passaram realmente a ter convicção de que aquele caminho era desejável para o país.

Destaco aqui o Itaú e o Bradesco, porque realmente são os dois líderes que de- vem ser ressaltados nesse aspecto. Foram eles que investiram solidamente, e não apenas porque estavam sendo induzidos a isso por uma política nacional. A en- trada nisso foi provavelmente por essa razão, mas depois eles estavam convictos de que era um bom negócio e havia possibilidades de que esse negócio crescesse.

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Infelizmente, tivemos um processo de radicalização nessas políticas. Acho que houve realmente, de certa maneira, um exagero de expansão das coisas a serem cuidadas dentro dessa política. E é aquela velha história de Napoleão: se você abre muito a sua frente, se expõe à derrota. Porém, não acho que houve derrota, e sim enfraquecimento decorrente do fato de estarmos numa expansão muito grande das atividades. Devíamos ter sido, talvez, mais focados. E também concordo que havia certa dose de irracionalidade emocional em algumas discussões.

Se tivéssemos sido mais cuidadosos nesse aspecto, provavelmente teríamos tido mais facilidade de negociar. Ainal de contas, a vida é uma permanente negociação. E, quando você entra numa negociação dizendo: “Essa é minha po- sição e eu não abro mão disso”, é claro que está fadado ao insucesso. Aliás, eu tive experiências muito boas na Inglaterra, porque aprendi com eles que tudo se resolve numa negociação. Quer dizer, eles não endurecem nunca, vão sempre tentando, buscando caminhos.

Tivemos, então, diante desse processo, uma radicalização também do go- verno americano. Enfrentamos, dentro daquele espírito de Davi e Golias, a força dos Estados Unidos querendo mudar de qualquer maneira a nossa po- lítica de informática que, já nessa época, contava com uma lei. Porque, ini- cialmente, não havia Lei de Informática, que foi votada em 1984, e a partir daí, sim, passamos a ter as nossas atuações na SEI respaldadas por lei. Com suas qualidades, seus defeitos, suas limitações. Sem dúvida alguma, todo esse processo gerou debates muito ricos, muito especiais. Politicamente, creio que nós não temos, no mundo, uma réplica com a intensidade que ti- vemos aqui, da vivência e das discussões em torno dessa política.

Gostaria de terminar reairmando que realmente considero que a política de informática trouxe ao país benefícios perenes. Naturalmente que a gente reclama disso, reclama daquilo, a imprensa falava, os próprios industriais fa- lavam. Enim, havia um posicionamento de debates muito forte, às vezes até emocional. Mas eu pergunto aqui a vocês: que país latino-americano tem o desenvolvimento na área de informática maior que o Brasil, especialmente na área da automação bancária? Podem procurar que não vão encontrar.

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