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MAPA 1- Londrina: Escola Estadual Barão do Rio Branco FONTE: JESUS, Lilian Gavioli. Londrina, 2015.

Que terra é esta? Que povo a habita? Qual a sua raça? É esta uma ilha visível de todos os lados, ou não será antes o cabo de um continente de fecundas glebas, inclinado sobre o mar? [...] Atena, a deusa de olhos brilhantes, lhe respondeu: Estrangeiro, ou és louco, ou vens de longe, pois me interrogas acerca desta terra. Seu nome não é assim tão desconhecido. Muitos são os que a conhecem, quer entre os que habitam para as bandas da Aurora e do Sol, quer entre os que moram longe, nos confins do mundo, nas brumas tenebrosas do poente. Sem dúvida, é rochosa e imprópria para cavalos; e, apesar de ser pouco extensa, não é infecunda de todo. Produz trigo e vinho em abundância, e nunca lhe falta chuva nem orvalho; é excelente criadora de cabras e de bois. Tem árvores de essências diversas e bebedouros cheios de água todo o ano. Por isso, estrangeiro, o nome de Ítaca chegou até Tróade [...] Ulisses dirigiu-lhe estas palavras aladas [...] tenho ouvido falar de Ítaca longe daqui, para além dos mares [...] e agora cheguei aqui sozinho com tantas riquezas! (HOMERO, 1981, p. 124).

Comecei a visitar as escolas e convidar os professores a participarem do projeto “O canto da Odisseia e as narrativas docentes: dois mundos que dialogam”. Entregava o convite17 pessoalmente explicando tratar-se de uma pesquisa em nível

de doutoramento, realizada juntamente com o grupo de pesquisa “Kairós: educação das sensibilidades, história e memória”, e vinculada ao GEPEC (Grupo de Estudos e Educação Continuada), ambos da Faculdade de Educação da Unicamp.

Após convidar em torno de quarenta professores de história, percebi estarem muitos envolvidos com outros cursos oferecidos no estado do Paraná, não podendo comprometer-se com a participação no projeto. Outros gostaram da proposta da pesquisa, mas os horários semanais dificultavam a composição do grupo. Alguns acharam interessante estudar a Odisseia, mas estavam preocupados em participar para simplesmente ensinar os alunos em sala de aula e perceberam que a proposta a priori não atendia essa necessidade, era um projeto preocupado, primeiramente, com a valorização humana do professor, no fortalecimento como pessoa, na relação com outras pessoas, face às contradições da modernidade

capitalista. Porém, buscamos, nesse projeto de formação, construir espaços para os professores poderem ressignificar suas experiências através da rememoração, recuperando a dimensão de seres humanos historicamente datados e que (in)diretamente alcançaria o seu fazer docente.

Tive muitas dificuldades em formar o grupo de professores de história: sabia que o cotidiano da escola, os compromissos familiares e particulares poderiam impossibilitar a realização das atividades diárias, além da sobrecarga da jornada de trabalho. Por alguns dias, fiquei como no fragmento alegórico da

Odisseia quando Ulisses não reconhece o retorno a Ítaca após quase vinte anos

ausente: “Que terra é esta? Que povo a habita?”.

Ainda que eu viva o chão da escola (dezessete anos), não enxergava, muitas vezes, ao meu redor todas as dificuldades dos colegas de trabalho, em relação a questão do tempo, no sentido da participação efetiva em cursos de formação continuada. Ou, talvez, eu estivesse com meus olhos vedados pela racionalidade instrumental, que ditava o tempo em que eu deveria estar nos lugares do trabalho: ora entrava na escola, daí a pouco me deslocava para as aulas de doutorado, ainda esmagada pelo número de disciplinas que ministrava na universidade privada. Vivia aquilo com que Benjamin (1985) tanto se preocupava, a falta do diálogo, a perda da troca da experiência, o tempo disciplinar dos relógios, deslocado e entrecortado pelo trabalho na sociedade capitalista (THOMPSON, 1981). Por conta disso, não percebia como isso me acorrentava e que, ao convidar os professores, eles também não conseguiam se livrar das algemas da modernidade capitalista.

Ao fazer contato com a deusa18 Carol, explicando as dificuldades

encontradas em relação a essa situação, ela, como Atena, proferiu algumas palavras aladas: “Não desista, minha querida, não é apenas você que passa pelas mesmas

18 Com muito respeito, utilizo a expressão para a professora Maria Carolina Bovério Galzerani,

dificuldades e angústias, a Nara19 também viveu alguns desses momentos em

relação à constituição do grupo de professores, ligue para ela e compartilhe essa experiência”.

Ao conversar com a Nara, percebi que outras pessoas vivem histórias semelhantes, dividimos as angústias e fortalecemos a busca dos nossos sonhos.

Continuei convidando os professores: àqueles com dificuldades em encontrar pessoalmente fazia o convite pelo telefone, apesar de preferir o contato pessoal. Após três meses (maio a agosto de 2014) realizando inúmeros convites, encontrei um grupo de professores20 com os desejos parecidos aos das pessoas

que moravam na terra dos Feácios21 (pessoas que se reuniam frequentemente no

palácio do rei Alcino, para contar as suas histórias e ouvir as rapsódias dos diferentes povos inspirados pelos aedos)22.

Os nomes dos professores são pseudônimos escolhidos e justificados por eles, compondo a seguinte tripulação que embarcou nessa viagem: Minerva, Galateia, Alice, Saturnino, Sherazade, Tessália, Cleópatra e Ariadne.23

A professora Minerva inspirou-se na deusa da sabedoria, pois me falou que gostaria de ter um pouquinho de sua sabedoria para lidar com o seu “Eu” e porque está sempre pronta a colaborar com o bem de todos.

19 Desenvolve pesquisa em nível de doutorado com a orientação também da professora Carolina e

concluiu uma pesquisa-ação na cidade de Ouro Preto, referente ao projeto “Primaveras Compartilhadas”.

20Fizemos o convite para os professores da rede estadual da cidade Londrina, no estado do Paraná,

na área da História, porém, dois professores de literatura tiveram o interesse em participar, ampliando, assim, para outras áreas do conhecimento. Portanto, seis professores eram de história e dois de literatura, sendo estes, os protagonistas, junto comigo, dessa viagem.

21Povos da Grécia que tinham os navios mágicos encontravam-se próximos aos deuses e guardavam

alguns vestígios da idade do ouro. Eram, no entanto, considerados mortais. Ulisses foi o único que conheceu esses povos (HARTOG, 2004).

22O aedo é a figura que canta as glórias dos reis e heróis, visto como um adivinho, com poder

sobrenatural.

23Todas as participações foram devidamente autorizadas por escrito, seguindo os princípios éticos

O professor escolheu Saturnino, pensando em "Saturno", equivalente ao romano de Cronos ou "Saturnino", relativo aos aficionados por saturno, o deus do tempo e, consequentemente, o deus da nostalgia. Para ele, escolher esse nome é menos pretensioso do que assumir, para si, o nome de um deus grego.

Galateia foi inspirada na personagem do filme "O homem bicentenário", que dá o direito de o robô ser chamado de humano. Considera o filme também uma Odisseia, pois mostra a hominização de um ser (pelo pensamento, pelo trabalho, pelo amor e pela morte).

A escolha do pseudônimo Sherazade está ligada às estratégias de sobrevivência da personagem para adiar a sua própria morte, conforme a famosa narrativa clássica "As mil e uma noites"24. A professora identifica-se com a

personagem, que é marcada pela sua narrativa como meio de sobrevivência. Segundo a professora, quando aluna na Universidade do curso de graduação em história:

desde o início minha opção pelo estudo dos judeus em diversos tempos e espaços me aproxima desta personagem, Sherazade,

24 Na obra, a esposa do Sultão Chahriar consegue adiar o fim inevitável que acometia todas as

esposas com quem ele se casava. Sua capacidade resultou não apenas em manter-se viva, mas também em transformar um destino que parecia certo. De certo modo, minha aproximação por Sherazade começa como algo relacionado diretamente à minha formação. Quando pequena, meus pais, dotados também de uma formação obtida no âmbito familiar e também fora dele, proporcionaram-me momentos diários, eu diria, de contos e narrativas que me despertavam para a leitura e para a fantasia. Estas se davam por meio da oralidade — atribuo a meu pai tal feito, que geralmente improvisava teatrinhos, nos quais quase sempre todos éramos personagens — e isso nos deixava feliz e exaustos, prontos para cairmos na cama; ora pelos discos de histórias infantis como “João e Maria”, “A cigarra e a Formiga”, e, depois, conforme fomos crescendo, as óperas que ele adorava escutar aos domingos: Otelo, Tristão e Isolda. De vez em quando, minha mãe ou irmã do meio buscavam histórias na coleção de Barsa que tínhamos para ler para mim, como a história de “Pedro e o Lobo”, uma das minhas favoritas. Novamente, meu pai, apaixonado por leitura, passava um bom tempo nos contando sobre as tragédias e comédias presentes na mitologia grega e então nos contava sobre o Cavalo de Tróia, Andrômeda, Cronos, e assim por diante. Eram dias e noites em que não passávamos sem que ele nos narrasse algo. Minha mãe, sempre ligada à literatura norte- americana e a toda cultura de lá, passava e, ainda passa, horas a escrever seus romances e dramas. Na verdade, devido à sua história de vida e a seu relacionamento difícil, por vezes, aterrorizante com meu pai, a escrita de histórias que escrevia e escreve tornou-se um meio de sobrevivência. Nesse sentido, associo-a a Sherazade sempre que a vejo escrevendo ou tocando piano — outra arte que realiza muito bem.

tendo em vista minhas façanhas utilizadas para driblar as dificuldades colocadas pelas correntes teóricas as quais se faziam necessárias para dar corpo e embasamento às narrativas que, ao longo de minha carreira acadêmica — especialmente o mestrado, eu fui construindo. Os diversos modos de sobrevivências aos quais estiveram expostos e sua identidade híbrida também me remetem à esposa do Sultão quando transforma completamente a realidade a qual estaria fadada e também os sentimentos de vingança que seu esposo possuía contra as mulheres com quem se casava. Como professora, acredito que a forma sedutora e encantadora com a qual Sherazade parece narrar suas histórias ao Sultão se assemelha às minhas estratégias e táticas para que a história, o ensino desta disciplina a qual me dedico e leciono, possa fazer sentido e despertar interesse em meus alunos. A literatura está quase sempre associada ao ensino de História em minhas aulas, nunca as deixo de lado e sempre que posso utilizo-me de diferentes versões para que os alunos não fiquem presos a uma única "verdade". Também, procuro relatar ou escolher fontes que possam trazer aos alunos uma riqueza de detalhes e de informações que acabam por muitas vezes encantá-los e fazê-los emergir para dentro do tempo e espaço os quais estou trabalhando naquela determinada aula. Nem sempre isto é possível, tendo em vista os enormes desafios, demandas e finalidades que abarcam o professor que atua na sala de aula, porém, este é o modo que encontrei em minha vida pessoal e profissional de manter-me viva, em todos os sentidos que esta expressão pode alcançar.

A professora escolheu Alice como pseudônimo, tendo como referência a personagem da obra Alice No País das Maravilhas. Identifica-se com a personagem que é muito curiosa, gosta de experimentar coisas novas e questiona-se sobre tudo na vida, além disso, essa história a atrai pelo teor filosófico.

Quanto ao pseudônimo da Tessália, a professora contou-me ter escolhido esse nome inspirada em uma das passagens da Odisseia que se refere a uma região da Grécia. Ela foi pesquisar sobre o local e encontrou que os gregos acreditavam terem os deuses escolhido o monte Olimpo, em uma região da Grécia, chamada Tessália, como sua residência, por isso, achou interessante e escolheu-o para representá-la nesta pesquisa.

Cleópatra buscou inspiração na rainha do Egito e encontrou semelhanças com a sua pessoa em relação à aparência física e aos encantos da sua beleza. De certa forma, acreditava que também tinha o poder de sedução quando “moça” como a rainha.

A Ariadne foi inspirada pela história dos seus fios de novelo que conduziram a saída do Teseu do Labirinto, relacionando seu nome no sentido de recuperação dos fios da memória.

Quanto à idade dos professores, variava entre 25 e 65 anos. As jornadas de trabalho são parciais ou integrais e dedicam-se exclusivamente à docência. As professoras25 Tessália, Minerva, Galateia, Sherazade, Cleópatra e Ariadne,

Saturnino e Alice fazem parte da rede estadual de ensino, da cidade de Londrina e os professores Saturnino e Alice também são professores da rede particular nesta cidade.

Quanto à experiência na docência, o grupo era heterogêneo. A Alice leciona história e Inglês, e atua há 4 anos em sala de aula. Parece que nasceu professora: seus olhos brilham toda vez em que fala da escola, sensível a todas as coisas que a rodeia; o Saturnino é professor de História e tem apenas 4 anos na docência. Um intelectual nato, quando lia seus textos parava para contemplá-los, um docente que deixou se apresentar na sua inteireza em todas as suas narrativas dessa pesquisa. Ambos estão no início da carreira, a jovialidade desse casal (Alice e Saturnino, literalmente casados) trazia oxigênio ao grupo, uma energia vibradora.

A Sherazade é professora de História e tem 13 anos de experiência profissional, sua presença transbordava os espaços dos encontros, tem um jeito desinibido de se comunicar, expressa-se facilmente, traz a magia do narrador

25Todos os professores fizeram pós-graduação lato sensu e/ou stricto sensu. Saturnino, Alice e

Sherazade possuem mestrado em história. Galateia possui mestrado em Educação. Todos fizeram seus cursos na Universidade Estadual de Londrina. As professoras Cleópatra e Ariadne possuem pós-graduação em história, enquanto Minerva e Tessália fizeram pós-graduação na área da Educação.

(cativa com sua fala e gestos), fazia-nos rir intensamente, além de trazer uma leitura profundamente consciente acerca do ensino de História e do papel da escola.

A Galateia ministra a disciplina de história e está completando 21 anos na docência, adora conversar, buscava os “causos” mais escondidos para serem compartilhados, tem um jeito incrível de lembrar os fatos, questiona-se cotidianamente sobre o ensino de história e deixou uma mensagem ao grupo: que o professor é uma amálgama de saberes.

A Tessália tem 23 anos de experiência em sala de aula; “conversadeira” também, logo se enturmou no meio dos historiadores e não queria nem saber, trazia a sua visão em uma perspectiva literária que absurdamente contribuiu com o grupo, construía textos poéticos sobre a realidade que vivia e me fazia viajar em cada um deles.

A Cleópatra está completando quase 30 anos como professora de história, é uma senhora que traz uma vontade tão grande de viver, de superar obstáculos no cotidiano escolar, que realmente me comovia. Não tinha vergonha de falar “não sei e quero aprender”. Além de uma beleza interior que irradia.

Ariadne é professora de história que completou 30 anos de docência, sua leitura de mundo é profunda, conseguia relacionar todas as passagens de

Ulisses com sua vida, mergulhou por inteira na obra e trouxe para sua vida as

leituras. Acho que ela deixava nascer a esperança que estava apagada no fundo do seu coração. Encontrou um espaço para falar e companheiros para ouvir, fez uma bela poesia no último encontro, na qual questiona que ensino de História propaga- se em nossas escolas. A Minerva atua como professora de Literatura há dezessete anos, é meiga, tímida e de uma beleza interior bem como de uma espiritualidade admirável muito comprometida com o seu trabalho e aberta ao processo de “aprender sempre”.

Os professores que aceitaram o convite também vivem o aceleramento do tempo, provocado pelo avanço da modernidade tardia (GIDDENS, 1991), porém conseguiram, no cotidiano26 escolar, inventar outras maneiras de se “reapropriar

do espaço dominado pelas técnicas de produção sociocultural”, alterando, assim, o funcionamento e escapando caladamente do lugar que lhe é imposto (CERTEAU, 2012, p. 41).

Lugares e espaços são concebidos por Certeau na seguinte perspectiva, um lugar é a

ordem (seja qual for), segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Aí se acha, portanto, excluída a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera a lei do ‘próprio’: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar ‘próprio’ e distinto que define. Um lugar é, portanto, uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade. [...] existe espaço sempre que se tomam em conta os vetores de direção, quantidades de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais, ou de proximidades contratuais (CERTEAU, 2012, p. 184-185).

Falar de lugares e espaços na perspectiva abordada por Michel de Certeau (2012) é perceber que os lugares são transformados em espaços e vice- versa. Percebi que os professores com quem dialogo nesta tese escolheram modificar os lugares em espaços ao decidirem participar dos encontros coletivos, pois buscaram reinventar a maneira de viver o seu cotidiano atropelado pelas imposições do tempo da modernidade, em uma cidade que, desde a época do seu surgimento, já apresentava indícios de um esfacelamento das experiências.

26 O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia

após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente. [...] O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. [...] É uma história a caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. [...] (CERTEAU, 2012, p. 31).

É na cidade de Londrina, localizada no norte do estado do Paraná, que esses professores moram e trabalham em diferentes escolas, tanto no centro quanto na periferia da cidade. A cidade surgiu na primeira metade do século XX, situada no interior do estado, porém, com os mesmos anseios da capital, Curitiba: a busca pelos ideais da modernidade (a promessa do progresso). Esses desejos eram disseminados por meio dos discursos da Companhia de Terras do Norte do Paraná (CTNP) (companhia loteadora) e materializados em notícias de jornais, panfletos, folhetins da época (1930), com inúmeras propagandas comerciais acerca da venda de terras férteis.

A ocupação das terras do norte do Paraná, inclusive de Londrina, foi seguida de uma eficiente propaganda desenvolvida no país e no exterior, com vistas a seduzir as pessoas sobre as vantagens de comprar terrenos direto da CTNP. Ainda que tais terras adquiridas pela CTNP (empresa privada, de origem inglesa) fossem disputadas por posseiros e grileiros, havendo, inclusive, um embargo sobre a venda à CTNP, a companhia acabou por monopolizá-las e legalizá-las em 1929. Não poderia haver situação melhor para os interesses em jogo dos fazendeiros de café e empresários, ingleses e governo paranaense, pois a venda foi facilitada com possíveis empréstimos.

Essa imagem de exaltação das terras do norte do Paraná como a “Terra da Promissão”, o Eldorado, a nova Canaã, o paraíso prometido da fertilidade, da produção agrícola abundante, das oportunidades iguais de enriquecimento para todos aqueles que quisessem trabalhar e prosperar” predominou de 1930 até 1970 (ADUM, 2008, p. 4).

Já na década de 1970, Cláudia Fortuna (2013), em seu texto “Memória e Esquecimento Sobre a Cidade”, explica que

ganha força a representação da Londrina Metrópole. A CTNP, conhecida naquele momento como Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, foi responsável por acrescentar às imagens anteriores

novas representações, dando destaque para as imagens de progresso, lucro e harmonia entre campo e cidade. Consideramos, neste processo, que as narrativas que foram dando forma e conteúdo à cidade de Londrina confirmaram, desde o início da sua fundação, a ordem dominante e as representações positivas de harmonia e progresso, contribuindo na construção de uma única memória. Somente na década de 1980, o livro do jornalista José Jofilly, “Londres, Londrina”, surge como sendo o primeiro texto a realizar um questionamento destas representações oficiais. O autor fez pesadas críticas ao papel da CTNP como empreendimento imobiliário de sucesso e denunciou um processo de colonização marcado pela dizimação dos indígenas e pela destruição predatória da mata. No entanto, este discurso contra-hegemônico não se constitui como memória hegemônica. Hoje temos uma rica produção acadêmica que, a partir de novas abordagens e outros temas, tem nos revelado outras histórias da cidade de Londrina.