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Rapsódia XXIV Na morada de Hades A paz: Ulisses vai ao campo, onde

COMEÇAREI A DECLARAR MEU NOME PARA QUE CONTINUE A SER SEU HÓSPEDE

4 AS PARADAS DA VIAGEM EM IMAGENS MONADOLÓGICAS NARRATIVAS DE HISTÓRIA DE VIDA

4.5 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DE CLEÓPATRA

Eu nunca gostei da roça

Meus pais moravam na roça, era sítio mesmo que a gente falava, eu nunca gostei. Quis vir para a cidade. Meu pai é daquela italianada brava! Eu sou caçula de dez, a décima, todos sobreviveram, graças a Deus! Mas, olha, ele assim é bem bravo, minha mãe sofreu muito com ele.

Fotografias: pedaços da vida

A família é muito grande, todos foram embora, pegou a época de 64, meus irmãos foram para São Paulo, só ficaram as mulheres, seis homens e quatro mulheres, os homens foram todos para São Paulo, trabalhar. Fui para o Paraná, junto com um irmão estudar. Os outros tiveram também oportunidade, mas não gostavam de ir pra escola.

O que ficou do meu pai

Os meus netos são apaixonados pelo dinheirinho da vó! “É tudo dólar, né, vó? Esses aqui são. [...] Meu avô foi guardando os dinheirinhos, e o dinheiro está bem sujo. Por que está sujo? O meio de transporte era a carroça, fazia pagamento! Pagamento com dinheirinho, naquele tempo era tudo terra! Não tinha ponte, carro, andava de cavalo, o meio de transporte era esse. O que ficou do meu pai de recordação, é a coleção do dinheirinho.

Não aceitava o que lia

Fui fazer o magistério, eu queria estudar logo, para ir a Cornélio fazer faculdade, mas no meio do caminho eu casei em 74... 75! Fazia magistério de manhã, à noite, contabilidade. Aí o que aconteceu? Quando fiz segundo grau, em 69 a 75, foi o auge da Ditadura e meu cunhado era diretor do colégio em Nova Fátima e era do PT. Na época falava PTB, depois PT. Só que não podia se manifestar, o povo o adorava, os pais adoravam-no como diretor. Ele se legitimou também no poder, porque ficou mais de 15 anos como diretor. Muita coisa...Tinha isso na ditadura também. E ele era contra o governo. Então eu tinha que fazer essas oratórias, você viram nessa foto eu

fazendo oratória na igreja? E eu não gostava, pois eu lia, mas não aceitava o que eu estava lendo, pois era um discurso que estava pronto, que era só para reproduzir. Eu tinha que por luvas para ler aquilo! E mais ninguém tinha desenvoltura para ler em frente de mais de mil pessoas, em frente à igreja. Três anos depois que terminei o magistério, eu fui fazer Pedagogia.

Trabalhadores de todo o mundo uni-vos

O professor de história, Educação Moral e Cívica e OSPB, falou que na ditadura: “Você não pode nem pensar, tanto é que veio um pessoal de Curitiba e dedaram, porque o telefone era aquele que você entrava dentro, sabe? Fechado, ninguém ouvia você falar, aqueles bem fechadinho. E dedaram meu cunhado, que ele estava com os livros do Marx, guardados lá na biblioteca dele. Aí o que que eu fiz? Catei o que eu pude dos livros, guardei tudo comigo, mesmo que o prefeito foi entrar lá dentro da casa do meu cunhado e tirou os livros do armário [...] Por que os livros desses do tipo de Marx, naquele tempo não podia. E eu levei lá para o fundo e a empregada do prefeito me viu jogando na privada: “O que você tá jogando?” “Ahh é tanta tranqueira que não tem pra onde jogar”, não tinha lixeira, sabe! E aproveitei e joguei mais coisa ainda. “Ahhh você jogou livro que não podia jogar”. E joguei e felizmente o que eu pude salvar é esse do Marx (Trabalhadores uni-vos), um período que eu já estava mais consciente: “Espera lá, então alguma coisa está errada, né?”. Mas nunca estava acessível para abrir a mente!

Tudo começou com os livros

Meu cunhado disse: “Você vai pegar o livro e vai ler!”. Porque eu não posso te falar, porque tinha sons assim em volta da sala. Não podia explicar a matéria! Era tudo muito controlado, e a gente não percebia isso [...] o primeiro livro que ele deu foi Shakespeare, que ele tem a coleção, daí ele passou para mim, ele morreu, agora, há pouco tempo e passou a coleção para mim [...] ele abria com chaves os armários, só para mim, ele deixava, porque ele sabia que eu ia ali. E era difícil, todo mundo, assistindo aqui em Londrina, o filme, e eu não podia, não deixavam eu ir! Eu tinha que ler o livro Shakespeare, e ele traduzia para mim, porque era muito difícil, as palavras, também em escrita antiga. E eu comentava com as filhas dele pequenas, que foram assistir ao filme, foi em Curitiba, [...] E eu que conversava com elas, que eu tinha lido o livro, comentava como é que foi essa cena assim e tal? Que nem na TV passava, só tinha dois

canais! A gente não tinha acesso para assistir nada. Então eu pegava os livros para ler as histórias e aí começou...

Eu fui aprendendo assim

Demorou para entender os livros, então meu cunhado dizia: “Vai ver mais um pouco”. Então deu uma montanha de livro para mim, até eu entender. O que ele fazia? Ele problematizava as questões, contextualizava para mim e eu fui aprendendo assim. Ele era meu professor em sala de aula, ele dava questionário e dissertação.

Entendi por que não podia falar em sala de aula

Aí quando eu descobri o livro “Trabalhadores do mundo uni-vos” que eu fui entender porque meu cunhado não podia falar em sala de aula, mas dava aula para mim. O pai do meu marido, a família inteira era PT. Mas era PT por que gente? Diante disso daqui, quantos anos de absolutismo, depois veio o coronelismo, eles viveram o coronelismo! Eles vieram de São Paulo, a família do meu marido. E eles eram contra a oligarquia agrária. Então eles já vieram de São Paulo encapados da oposição que era o partido PTB, que hoje o PTB já tem outra ideologia que o PT, até o PT tem outra ideologia hoje. Eu sou PT, mas a história e ideologia do PT hoje mudaram!