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Rapsódia XXIV Na morada de Hades A paz: Ulisses vai ao campo, onde

COMEÇAREI A DECLARAR MEU NOME PARA QUE CONTINUE A SER SEU HÓSPEDE

4 AS PARADAS DA VIAGEM EM IMAGENS MONADOLÓGICAS NARRATIVAS DE HISTÓRIA DE VIDA

4.4 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DE ARIADNE

Memórias da família e da cidade

Meu pai, dono de uma empresa que importava e exportava diversos tipos de madeira (peroba, cedro, mogno, cerejeira, marfim), e também tinha usina de carvão e plantava cebola. Minha mãe cuidava do gado, vendia o leite, preparava o chão para produzir o milho, fazia farinha, fazia diversos tipos de queijo, plantava batata e também cuidava da apicultura; enfim, viveu até os 29 anos de idade no campo. Tenho 07 irmãos. Meu avô, pai do meu pai, foi o primeiro professor da cidade de Piedade-SP. Muito jovem, ele fez parte do processo político de Piedade-SP, estudou em São Paulo, foi advogado, juiz, escritor. A cidade em que nasci foi Piedade, estado de São Paulo, que fica numa depressão ecológica, cidade que não tem mendigos, nem favelas, justamente porque é uma região de agricultores, até hoje não existe indústria. Região que foi a capital da cebola. Todas as minhas tias, irmãs de meu pai plantavam cebola para o comércio interno e externo.

Eu fazia parte do processo econômico

Convivi com meus avós, tive uma educação vigiada, vivia passeando, meu pai não dialogava muito, nem explicava certos fatos, ou seja, certos acontecimentos dolorosos que passamos no cotidiano. No dia a dia, lembro de muitas brincadeiras, viagens, praia; o que era mais gostoso era o final de semana que íamos para casa da bisavó, era o momento que reuníamos todos os primos, tias, irmãos. Eu fazia parte também do processo econômico da família. Eu e meus sete irmãos íamos com meu pai para o campo para plantar cebola.

Não me lembro de nenhuma didática

Do tempo do ensino primário não me lembro de práticas pedagógicas durante o processo de aprendizagem. Terminei o ensino básico e fundamental graças a colaboração e cobrança dos meus irmãos. Eu lembro que não podia fazer qualquer erro, porque eu tinha sete irmãos bons, bons em todas as disciplinas, meu pai e meu avô cobravam. Matemática, eu aprendi com eles. A matemática dos meus irmãos foi uma matemática aplicada! Nós aprendemos numa marcenaria que meu pai tinha, de móveis, lidava com madeira! Eles cortavam madeira e ali eles aprenderam matemática, eles tinham uma didática para ensinar, se não fossem eles, eu não passaria não. O que eles aplicavam lá na empresa eles mostravam pra gente como tinha que aprender a multiplicação, a soma, a divisão. Então minha formação, por um lado, eu pouco me lembro de uma coisa assim gostosa que eu fiz, ou tirei uma nota máxima, não lembro. Minha formação no ensino básico e fundamental não se pensava em desenvolver o pensamento, o diálogo e muito menos uma aprendizagem significativa, o foco principal era a reprodução do conhecimento positivista, pois nunca fui sujeito histórico do processo de aprendizagem.

Que ensino é esse?

Estudei numa escola estadual em Piedade-SP, uma escola modelo, com telão (cinema), um laboratório de química, física e matemática completo, porque os políticos, donos de grandes extensões de terras mais a prefeitura da cidade investia na escola. O uniforme era impecável: blusa com golinha e renda, gravatinha para identificar a série, saia plissada azul marinho e sapato social com meia branca. Na biblioteca, durante o ensino fundamental fiz diversas pesquisas. Não tive amigos porque meu pai, meus avós e professores não motivavam a ter amigos. Não lembro de participar de grupo para desenvolver o pensamento ou pesquisas. Já no Ensino Médio, tive muitos amigos, a escola proporcionava trabalhos em equipe, seminários, os professores eram mais amigos. O ensino não levava em conta a aprendizagem contextualizada; o ensino era positivista, estruturalista e funcionalista.

Quem me deu educação

Foi meu avô que me deu os estudos. Dizia para os filhos que para sofrer menos, a gente tinha que escolher entre 4 profissões: ser professor do Estado, ser um grande comerciante, ser um político e ser proprietário de várias casas e viver de aluguel. Meus tios sofreram muito, pois a maioria deles optaram por ser pedreiros, construtores civis, plantadores de cebola. A priori, ser professora foi influência do meu avô.

Eu fiz história por convicção

O que mais me chocou assim, pra eu ser uma professora, é que eu tinha uma professora de História que foi ensinar sobre o Absolutismo, que não ensinava nada, ela vinha com um penteado altíssimo, tinha uma cabeleireira enrolada no alto da cabeça, que fazia um penteado, enorme, e a gente até tomava cuidado com o penteado dessa professora, a gente achava que quando ela escrevia no quadro, ia cair. O livro de História era um livro positivista, e ela não sabia explicar nada, mas a bolsa era de ouro. A bolsa banhada a ouro, o anel era de ouro, o relógio. Então ela toda emperiquitada, com um big de um carrão, todo mundo se espelhava nessa professora. Não! A gente quer ser professora, mas ser diferente, porque a gente não aprende nada. Então aquilo me marcou muito. Meu pai queria que eu fizesse Medicina, eu fiz até o curso de enfermagem para eu ter uma noção. [...] Aí eu falei: “Medicina eu não vou fazer!” Daí eu fiz história por convicção, porque eu queria conhecer a história também, um pouquinho da minha família! [...]. Meus avós vieram para cá, montar um comércio com meu tio, e fiz a faculdade de História aqui. E foi bom, porque História não era um curso nobre na época! A família cobra um curso nobre! Então eu fazendo o curso de História, consegui muito mais que meus irmãos que são comerciantes.

Visão crítica da história

O fato de se situar de forma consciente e crítica no mundo me fez mais do que ser vivo, me fez um ser distinto; e é a partir daí que eu busco desconstruir o construído e busco dar sentido à própria existência. É nesse contexto que sinto o choque cultural nas minhas relações sociais entre "amigos" de trabalho e entre minha família.