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Rapsódia XXIV Na morada de Hades A paz: Ulisses vai ao campo, onde

COMEÇAREI A DECLARAR MEU NOME PARA QUE CONTINUE A SER SEU HÓSPEDE

4 AS PARADAS DA VIAGEM EM IMAGENS MONADOLÓGICAS NARRATIVAS DE HISTÓRIA DE VIDA

4.8 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DO SATURNINO

Eu pensei em uma trajetória do interior

Minha mãe é professora de Educação Física, meu pai é médico, acabou coincidindo que a mãe da minha esposa também é médica, eu e ela somos professores, mas temos vários professores na família, eu tenho alguns primos professores, inclusive de história, tenho minhas tias, que são todas professoras. Eu cresci numa cidade do interior de São Paulo, Pirajuí, foi um choque para mim ver as grandes metrópoles do mundo, aconteceu muito cedo [...] eu sai de casa aos 17 anos, eu fui fazer colegial em Bauru, não porque em Pirajuí não tinha ensino de qualidade, claro que tinha, mas é aquela velha história, tem a cidade maior perto, a gente vai estudar lá quando é possível. Meu irmão foi fazer cursinho, então eu fui acompanhá-lo e eu fui fazer o terceiro colegial. Então foi a minha primeira experiência, morando fora, desde então não voltei para casa, então faz 10 anos.

Avós importantes para a minha formação

[...] meu avô, ele sim, apesar de dentista, está ligado ao arquétipo “professoral” que cresceu dentro de mim ao longo da minha vida. Isso devido ao fato de ele sempre ter-se apresentado para mim como um ávido leitor dos clássicos da literatura (brasileira, principalmente). Muitos dos livros que conheci (e até mesmo aqueles que não cheguei a ler depois) conheci por meio dele ou da biblioteca do meu pai (em parte herdada de meu avô). Isso porque meu avô sempre contava para mim as histórias que já tinha lido, principalmente na minha adolescência, quando já tinha certa idade, para entender o que as histórias poderiam querer passar. [...] Chego agora à conclusão que meu avô deve ter sido importante (talvez como prolongamento da imagem que tenho de meu pai) para a constituição da ideia de leitor e pensador que tenho hoje, características de um “intelectual”. Aquele que prefere um livro e uma conversa a qualquer outro tipo de agitação.

Apesar desses fatores, foi com meus avós maternos, e não com os paternos, que acabei por ter mais contato ao longo da infância. Esses meus avós vieram do sítio, onde foram criados. Alguns anos depois que se casaram, foram viver na cidade (nunca soube muito bem o motivo, mas com certeza a situação não deveria estar muito boa na zona rural da região). Meu avô passou a trabalhar no fórum

de Jales (cidade do interior de SP), embora não saiba o cargo que assumiu nesta instituição. Minha avó não trabalhava fora, dedicando-se às tarefas domésticas. Na adolescência, fui descobrir, inclusive, que ela nunca tinha aprendido a ler devidamente. Foi uma surpresa para mim, pois nunca tinha percebido antes — o engraçado é que ela sempre me pedia para ler bilhetes e outras pequenas “coisas para ela”, mas usava como justificava para tanto seus “olhos velhos” e “cansados”. Além do mais, essa minha vó sempre tinha me parecido “sabida” das coisas.... Talvez ainda não compreendesse que para ser sábio não se faz preciso, necessariamente, saber ler. Que existia sabedoria fora dos livros.

Já meu avô materno foi ter uma formação universitária tardia. Aos quarenta anos, ingressou numa faculdade de Direito ali na cidade, tornando-se depois um advogado. Um “doutor” que, aos meus olhos de netinho, era respeitado e bem quisto por todos. Adorava entrar de fininho no seu escritório, que ficava na própria casa, e flagrá-lo mexendo naqueles papéis que sempre tinha por cima da grande escrivaninha de madeira maciça do aposento. Na verdade, aquele lugar da casa sempre fora especial para mim. Penso agora que, de alguma maneira, a imagem do “intelectual” em sua “torre de marfim”, muito forte para mim ao longo dos anos de minha juventude, deva ter muita relação com o escritório do meu avô. Lembro mesmo de que, na infância, quereria me tornar um advogado (embora não soubesse bem o que um desses fazia), provavelmente só para me apossar de meu próprio escritório...!

Tudo cheirava a importância ali no escritório do meu avô, como era também a estante de livros do meu avô paterno e do meu pai. Aliás, toda a casa dos meus avós maternos era cheia de lugares “fora do comum”. Tratava-se de um sobrado colossal (ou ao menos parecia assim para mim naquela época), com uma sala extensa e um quintal gigante onde gostava de imaginar minhas explorações e aventuras diversas (com meus parceiros imaginários...!). Escalava a jabuticabeira e subia no telhado de concreto para ter uma visão “superior” das coisas. Foi na jabuticabeira que li o meu primeiro livro do Harry Potter (impacto profundo para o meu eu de 11 anos de idade). Era no quintal também, conforme crescia, onde eu ficava dando voltas e voltas, ruminando meus questionamentos filosóficos existenciais “profundíssimos” e dando asas à minha imaginação. Devo à minha avó, também, um exemplo de religiosidade que misturava sabedoria do campo com passagens bíblicas e que acabou por criar grande flexibilidade em relação a qualquer tipo de moral opressora (religiosa ou não). Não sei se veio realmente dali, mas tinha sempre a impressão de que os ensinamentos religiosos que ela procurava me passar tinham um fundo plenamente figurativo, mas

não menos importante, que os dogmas sacralizados das igrejas. Neste aspecto, imagino que minha avó foi importante para a formação do meu caráter.

É engraçado pensar nos meus avós como realmente significativos na minha vida, pois a verdade é que morávamos em cidades diferentes, embora constantemente nos visitássemos e eu passasse temporadas nas casas deles durante as férias. Provavelmente, era esse romper do cotidiano que dava uma qualidade às vezes mágica para minha estada por lá, e tornava significativo várias das experiências que vivi com eles em suas respectivas casas.

Como me tornei professor

De alguma maneira, ser professor aconteceu na minha vida, mas não era bem o que eu pretendia, na verdade eu não tinha muita pretensão, acabou acontecendo, certo! Porque eu tinha um interesse por história, na verdade, eu sempre tive interesse de ser um explorador, eu vi Indiana Jones, entendeu? E a maneira mais fácil de se tornar um explorador para mim, que eu pensava: Poxa! Se eu me tornar um explorador de verdade, o que eu vou descobrir hoje em dia? Hoje em dia não tem mais nada para se descobrir. Então eu falei: Ainda tem um negócio, tem o passado, né, então vou explorar dessa maneira que é explorando os livros, explorando as fontes e tal e isso acabou me seduzindo. Mas quando eu comecei a história eu tinha muito a ideia de virar aquele erudito da torre de marfim, sabe? Quase um antiquário, daí isso acabou no primeiro ano, já não sabia o que estava fazendo lá e, inclusive na faculdade, durante muito tempo, fiquei me perguntando se era isso mesmo que eu queria, mas daí veio outra coisa na minha vida que acabou me distanciando dos questionamentos. Vou começar a explicar então da infância, aí eu fiz esse trabalho de pensar: “Puxa, como é que eu acabei me tornando professor?”. Porque, de alguma maneira, a imagem do professor sempre esteve presente em mim e nos mitos que eu fui construindo ao longo da minha vida, e eu fiquei pensando [...] eu tenho muito de criança em mim ainda, inclusive eu trago ainda muito importante para mim coisas que às quais eu me afeiçoei durante a juventude. Uma delas, eu trouxe um objeto para representar [...] para começar [...] eu deixo ele na estante, tá! Gente, vocês conhecem isso aqui? Esse aqui é o R2D2 da Guerra nas Estrelas, então que foi assim uma série, não sei se temos mais gente aqui que gostou muito durante a infância, ou gosta ainda hoje. Mas esse aqui é Star Wars. Eu trouxe porque é uma memória de infância [...] tem a imagem do cavaleiro Jedi, vocês conhecem? Que ao mesmo tempo que ele é um guerreiro, ele usa um saber de luz, que

ele é alguém valente, ele é um sábio, ele também é um mestre de alguma maneira. Eu acho que isso sempre foi cultivando em mim um desejo de me tornar um cavaleiro Jedi, é uma coisa que eu percebo agora, eu fui direcionando a minha vida para me tornar um cavaleiro Jedi, de qualquer maneira. Como o cavaleiro Jedi é um guia, um professor, certo? Na verdade, o mestre Jedi, eu percebi que era muito forte em mim. Eu percebi que existia. [...] que isso podia se associar com a minha trajetória como professor, como jeito de uma rememoração.

Fascínio pela literatura fantástica

Eu trouxe alguns livros aqui também que eu vou falar alguma coisa a respeito, outra coisa que também sempre foi muito presente na minha vida. [...] Eu sempre tive essa inclinação para me associar a fatos muitos fantasiosos, eu trouxe o Harry Poter, mas também tem, por exemplo, O Senhor dos Anéis que faz parte da minha juventude, o Hobbit é o melhor, mas entre outros, né, leitura assim, ficção fantástica, sempre gostei muito [...].

Voltando aos sonhos infantis

[...] voltando para os meus sonhos infantis [...] isso aqui faz parte de toda a questão do conhecimento e tal, desde criança eu senti inclinação como o Jedi de ser um guerreiro, né, de ser um lutador, seja o que for, e eu entrei em contato com uma arte marcial chamada Kendô, alguém conhece? [...] entrei em contato com essa arte marcial, e essa coisa assim mística das artes marciais japonesas, aquela coisa da mística, por exemplo, do judô, do kendô, o sufixo dô ali da palavra significa caminho, então, é uma trajetória que ela não se limita apenas a aprender a arte marcial que tem toda a questão do autoconhecimento. É bem legal. [...] eu fiz durante o período que eu era criança, dos 10 aos 13 anos [...] eu voltei aos 17 e não parei desde então. O kendô significa espada, é uma espécie de esgrima japonesa, só que é bem diferente da esgrima, que a gente vê, e eu sempre imaginei que era um [...]. E eu trouxe só para simbolizar uma espada de madeira, só que a espada é maior [...] eu prático e essa questão de um dia me tornar um cavaleiro Jedi. De um jeito ou de outro, a figura do Mestre Jedi, que cultiva o autoconhecimento em si mesmo e, ainda por cima, procura estimular seu aluno nessa mesma busca, acabou se tornando o arquétipo de professor para mim. Por isso, o mestre de “verdade” é aquele que

sabe criar situações que levam o aluno ao autoconhecimento. Como é que se fala? Encontrar a chavinha do questionamento do aluno. É muito legal ver isso e pra mim é o que vale a pena ser professor [...]. Esse é o arquétipo que me acompanha desde a infância.