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Rapsódia XXIV Na morada de Hades A paz: Ulisses vai ao campo, onde

COMEÇAREI A DECLARAR MEU NOME PARA QUE CONTINUE A SER SEU HÓSPEDE

4 AS PARADAS DA VIAGEM EM IMAGENS MONADOLÓGICAS NARRATIVAS DE HISTÓRIA DE VIDA

4.6 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DE SHERAZADE

Uma carta

Meu sobrenome é do meu pai, não tenho o sobrenome da minha mãe judia. A minha mãe é filha de mãe judia, o Judaísmo é matriarcal, mas como diz a minha mãe [...] os meus avós eram cristãos novos e moravam na Ilha da Madeira, e aí a minha mãe sempre foi criada no Judaísmo até os 18 anos de idade, até ela ficar órfã e casar com o meu pai. Ela ficou órfã muito cedo, minha mãe, de mãe e de pai. A minha avó morreu e logo depois o meu avô que morre de tristeza. A minha avó tinha 42 anos de idade, muito nova e minha mãe era filha única e meu pai era professor particular de matemática da minha mãe e ele dava aula em casa. O meu pai também tem uma história de vida, que nasceu no Brás, no Bexiga, então, de família italianíssima, da Sicília, e ele tinha sete irmãos, então só ele estudou. E ele estudou um monte, a família era muito humilde e

muita gente, e foi professor do Mackenzie, quando ele tinha dezenove/vinte anos de idade, e para jantar ele fala até hoje: “Ah, não pode desperdiçar comida no prato, que eu jantava um pote de sorvete”. [...] Então ele andava São Paulo inteiro e dava aula particular também para complementar a renda [...] aí ele conheceu minha mãe e se apaixonou, ia dar aula particular para ela de matemática em casa [...] minha mãe ficou órfã, quando ele estava dando aula nos Estados Unidos. Recebeu uma carta contando que ela tinha ficado órfã repentinamente e tal, ele mandou a passagem para ela, e falou: “Casa comigo e vem morar aqui nos Estados Unidos.”, e ela foi e meu irmão nasceu lá, e foi assim.

Fugimos da perseguição da ditadura no Brasil: somos judeus

Daí eles vieram para o Brasil em uma época que estava rolando a Ditadura e, em um determinado momento, a minha mãe e meu pai fugiram do Brasil, por causa da perseguição mesmo, morreu um casal de conhecidos deles que, inclusive, eram meus padrinhos de nascimento, morreram assassinados brutalmente dormindo, com tiro na cabeça, na época da Ditadura. E meu pai e minha mãe começaram a receber ameaças e meu pai falou: “Vamos embora para os Estados Unidos”, e apareceu a oportunidade dele dar aula na Universidade de Chicago e a gente foi. Eu tinha essa idade (mostrando o passaporte), eu não falava, porque eu nasci de sete meses, cheia de problemas, daí quando comecei a falar não parei mais. Nasci com o lado esquerdo meio paralisado, depois eu virei isso aqui que vocês estão vendo. Então, com muito esforço e fisioterapia. Minha mãe dava aula de inglês para a fisioterapeuta, porque não tinha dinheiro para pagar, em troca a fisioterapeuta fazia terapia ocupacional comigo na Federal de São Carlos, aonde minha mãe também dava aula, e aí quando a gente voltou para o Brasil.

Acabou a perseguição

Acabou a perseguição e eles voltaram para o Brasil. Porque meu pai veio dar aula na USP e era uma oportunidade de emprego, ele não tinha mais o que fazer em Chicago, o contrato na universidade era de dois anos, [...] e ele recebeu esse convite para dar aula na Universidade de São Paulo em São Carlos [...] Quando chegou em São Carlos, minha mãe pegava o pano de prato, ela ia no quintal e fazia assim: “Estamos aqui, estamos aqui”, porque em São Carlos a luz acabava as nove horas da noite e passava charrete, ela ficava horrorizada de ver aquilo, né: “Meu Deus, que fim de mundo!”.

As múltiplas facetas da memória

Meu pai é professor de Física e de Matemática, meu pai é formado em Matemática, Mestrado em Matemática, Doutorado em Física, Pós-Doc em Física, 72 artigos publicados, hoje com Alzheimer, aposentado, com 84 anos, ainda dois alunos, um desses alunos foi meu aluno na Saint James e faz hoje Engenharia Mecânica na USP em São Carlos, faz esse curso com meu pai.

Uma bolsa com um acabamento que não se faz mais

Essa bolsa lembra a minha mãe, anda comigo, tudo quanto é lugar, minha mãe representa justamente o que é essa bolsa, que é uma bolsa com um acabamento que não se faz mais, então eu acho que é uma mãe que não se faz mais e ela sempre usava assim (embaixo do braço), essa bolsa, em todos os lugares, principalmente quando ela ia tocar piano a noite em São Paulo, que era o que minha mãe fazia. Ela trabalhava no Citibank e ela também tocava piano, depois meu pai não deixou mais, meu pai tinha muito ciúme do piano, tinha ciúme porque minha mãe tocou com Toquinho, com Tom Jobim, e aí meu pai não deixava, a minha prima hoje toca com o Toquinho porque ela pode continuar a carreira dela, ficou viúva, e minha mãe ficou com a gente, nunca abandonou a gente, nunca se frustrou, minha mãe é a pessoa mais feliz que eu conheço, mas feliz que eu, eu acho. E ela é elegantíssima, fina que você nem imaginam, mas ela é desse tamanhinho, um metro e trinta assim.

Amo minha dissertação de mestrado

Essa daqui é a minha dissertação de Mestrado, que eu amo, quando eu fui fazer mestrado eu me senti adolescente de novo, foi muito divertido, eu fiz sobre os cristãos novos nos livros didáticos, decidi falar deles por causa da minha história de vida, que tem tudo a ver!

Por que me tornei professora

Meus pais são professores, e influenciou demais a minha formação, meu pai apesar da Física e Matemática, a gente cresceu ouvindo a Mitologia Grega, e é por isso que a minha irmã também foi fazer na

área de grego, lê, escreve, fala grego antigo, adora as questões dos deuses né, ela estuda Afrodite, ela é enlouquecida por isso, professora disso também e eu história. Meu pai contava muito as Guerras Púnicas para gente, e eu adorava sangue, o Anibal, era enlouquecida, e depois veio Indiana Jones, me influenciou pra caramba, porque eu achava que ia ser arqueóloga, não rolou, a hora que eu vi que não tinha futuro, “Eu vou embora desse curso”, mas na verdade foi meu pai e minha mãe que me incentivaram a ser professora e os bons professores do Ensino Médio para cima que eu tive, porque no Ensino Fundamental minha escolarização foi um trauma na minha vida.

A escolarização foi um trauma na minha vida

O ensino Fundamental (minha escolarização) foi um trauma na minha vida. Foi uma violência comigo, eu sofri bullying de todas as maneiras possíveis e imagináveis, então não foi bom o meu período, eu não tenho boas lembranças mesmo, do meu Ensino Fundamental, nem do pré eu tenho boas lembranças, porque a gente sofria muito, porque a gente era tratado em São Carlos como estrangeiro, e São Carlos, uma cidade muito pequena, e além de tudo eu não sabia que a minha mãe era judia, só tinha duas escolas particulares que era o Objetivo e o Diocesano, um colégio de padres, minha mãe precisava trabalhar, fui estudar num colégio de padres [...] sofremos bastante, nós filhos principalmente e fomos muito rejeitados.