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A busca pela homeostase eterna por meio do relaxamento espiritualizado

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (páginas 125-130)

Capitulo 4. O IOGA BRASILEIRO: CONVERSANDO COM IOGUES E CIENTISTAS SOBRE O

4.1. Considerações preliminares

4.4.5. A busca pela homeostase eterna por meio do relaxamento espiritualizado

do ioga por meio da ciência. Foi a ciência, e não as antigas escrituras ioguicas, que demonstraram a manifestação do relaxamento como resultado da prática de ioga e benéfica para a saúde dos seus adeptos. Provavelmente, mesmo que inconsciente, por ser uma experiência antagônica ao estresse, o relaxamento pode ter sido eleito a referência física benéfica da espiritualidade do ioga; e o estresse, o mal a ser combatido.

Bento: O relaxamento é uma referência física do estado de ioga. Ravi: O relaxamento é uma característica do ioga.

Vishnu: O ioga é relaxamento.

Ganesh: O relaxamento é uma parte inicial do ioga. Para se compreender quem se é, a pessoa precisa estar relaxada, segundo a minha tradição. Shanti: O relaxar nos ajuda a estar presentes.

Rudrá: Não consigo pensar no ioga sem o relaxamento que ele produz.

O relaxamento veio adquirindo, assim, ao longo das últimas décadas, uma acepção maior do que apenas referência física: o relaxamento pode ter conquistado o

status de espiritual e convidado a participar da proposta de salvação/libertação do

ioga moderno (SINGLETON, 2005). Em nenhum outro momento histórico do ioga, o relaxamento é citado em suas escrituras. Na verdade, como já discutimos, o relaxamento foi introduzido no ioga a partir da psicologia de W. Reich, das explicações biomédicas de Petho Sandor e da educação física, por isso, o “bem-estar” e o “estar presente” dos relatos acima, aparecem com o “estado” dos iogues em vivenciar o todo maior organizado e determinado pela ordem cósmica, que relatamos acima. Os iogues que entrevistei acreditam ter um papel a cumprir no universo, e o relaxamento é o meio que os ajudam a compreender-se ou não na senda correta do ioga, no caminho para Deus.

O conceito de “conectar” citados ao longo deste capítulo, nos fornece duas ideias importantes a considerar: a primeira é a do ioga nos restaurar a um plano de vida divino; e o segundo, é a dialética que o ioga estabeleceu entre perceber-se nesta ordem cósmica ou equilíbrio perene com o adoecimento. A doença, assim, assume

tanto o papel de punição ou aviso divino de estar fora do desígnio projetado por Deus/Isvara. Introduzo essa discussão a partir de uma citação do iogue Ganesh publicada em uma importante revista especializada em ioga no Brasil, sobre como ele compreende a depressão e a ansiedade:

Ganesh: Se a ansiedade é a dificuldade para lidar com o excesso de aprêmios no cotidiano, a depressão é a falta mais absoluta de horizontes, estímulos ou inspiração para agir. Assim, se quisermos ficar distantes desses dois extremos, devemos encontrar o caminho do meio. Isso é chamado

sattva. Ioga é um relaxamento dos pensamentos. O mundo está estressado e

precisa de relaxamento. O ioga então é uma proposta filosófica-espiritual para isso. Relaxamento é a parte inicial do ioga. Para se compreender quem se é, precisamos estar relaxados, segundo a minha tradição. Relaxar, focar, expandir, reavaliar seus paradigmas, isso é a meditação propriamente dita. Emocionalmente falando, o ioga nos ensina a colocar-se. Isto se traduz numa postura mais serena e numa melhor disposição no cotidiano. O relaxamento e os exercícios de concentração tomam conta desta esfera. O ioga possui como efeitos mais evidentes deixar o praticante em estado de equilíbrio.

Assim como Hermógenes e Smith (2008), Ganesh resgata novamente a ideia de sattva ou “estado de equilíbrio” rompido pelo “mundo estressado”. O ioga foi traduzido nas entrevistas de alguns iogues-mentores como sinônimo de “relaxamento dos pensamentos” ou “para se compreender que se é, precisamos de relaxamento”. Desse modo, quando a ciência define homeostase, como um estado de equilíbrio orgânico ideal na fisiologia biomédica, mas impossível de se conquistar sob a perspectiva da ciência; dentro da espiritualidade ioguica moderna, ela se torna a própria tradução da liberdade conquistada pelo equilíbrio (corporal, mental, social e espiritual) desejado. É plausível, logo, considerar que o estado de homeostase adquirindo a categoria equivalente a kaivalya: “o caminho do meio” ou estabelecimento permanente em sattva. O grande causador ou obstáculo espiritual do ioga moderno, o estresse e o medo, são forças maléficas que impedem o estado de homeostase estabelecer-se definitivamente. A luta entre o mal e o bem ioguicos, podemos supor, se arrefece a cada relaxamento espiritual promovido pelas suas práticas.

Ravi: Relaxamento é uma característica do ioga. Ioga é um processo de relaxamento dos pensamentos. O mundo está estressado e precisa de relaxamento. O ioga então é uma proposta filosófica espiritual para este fim. O grande perturbador do ioga moderno. Ficar quieto é um problema para a sociedade moderna.

Vishnu: O ioga é sinônimo de relaxamento. O estresse impede ao estado. Bento: o relaxamento é uma referência física do estado de ioga.

Osiris: O bem-estar que o ioga me traz me provoca o relaxamento, e o relaxar nos ajuda a estar presentes.

Rudrá: Não consigo pensar na prática do ioga sem o relaxamento que ela produz. O estresse me desconecta e me faz sair do estado de ioga, de união. Andurá: O relaxamento corporal e a respiração ioguica adequada já o prepara para uma prática meditativa.

Osiris: Nunca vi ninguém meditar sem relaxar, é a primeira fase da meditação.

Centurion: O ioga é a união para harmonizarmos. O ioga é a união das diversidades. O ioga nos deixa com um mental mais calmo, equilibrado. DeRose: o estresse impede ao samadhi.

Shanti: O estresse nos afasta, nos desconecta. O ioga abaixa o estresse, acalma a mente... aterra, e assim, nos ajuda a conectar novamente.

Hermes: No ioga moderno o estresse ocupa um lugar que não fazia parte do ioga antigo, que ele está revelando. A diminuição do estresse físico tem uma correlação direta com moksa [equivalente a kaivalya].

Posso pensar agora que, para o iogue compreender o seu lugar social na ordem cósmica, é preciso atingir antes uma profunda vivência de “relaxamento” a partir das técnicas ioguicas. O estresse, portanto, o estado antagônico ao relaxamento, pode estar sendo concebido modernamente como condição espiritual que afastaria os iogues do seu objetivo: o kaivalya (lit. liberdade). Mesmo entre os cientistas entrevistados, revelou-se que a prática de ioga pode estreitar relação positiva entre o relaxar e a ponderação dos próprios problemas cotidianos.

Andurá: Com um relaxamento corporal e a uma respiração adequada, você já está bem preparado para uma prática meditativa. A busca é alcançar o relaxamento da lógica, que demora em torno de 5-10min.

Osiris: as posturas do ioga podem diminuir as aflições mentais. Nunca vi ninguém meditar sem relaxar, é a primeira fase da meditação.

William: Sempre que estabeleci uma rotina de meditação/ioga obtive maior serenidade em meus comportamentos com os outros.

Abaixo reforço, propositadamente, essa questão do equilíbrio inato e perene na fala dos iogues para revelar suas lógicas com a homeostase-kaivalya:

Ganesh: O ioga lida com aquilo que é universal e eterno, que não muda. Os valores [do ioga são] universais e suas diferentes aplicações, bem como as formas de encontrar a felicidade e a liberdade que são inatas a nós mesmos. Filosofias vão e vem, como opiniões e teorias, mas a visão do ioga permanece.

Hermes: O ioga me dá a convicção, a certeza que estou no caminho certo. Algo ou alguém cuida de mim e de você. O ioga lhe dá estabilidade para perceber isso, você se apoia em você mesmo. E isso o liberta para se realizar no mundo.

Rudrá: O ioga ajuda a afirmar nosso propósito de vida, nosso dharma ter um propósito, um Dever a cumprir.

Shanti: O ioga me mostra que cada um de nós veio para fazer algo.

As ideias da harmonia eterna e divina e do relaxamento espiritual se complementam. Neste ponto, a iogue Shanti nos auxilia quando esclarece o processo do equilíbrio energético como o oposto ao estado deletério do estresse no ioga e iniciado com iogues renascentistas que revelamos no capítulo 1 e exposta anteriormente com as obras iogaterapêuticas de Hermógenes:

Shanti: A doença tem a ver com a sua história pessoal; tem um sentido. Se eu não praticasse o ioga seria obesa e depressiva [sic]. A doença é uma desarmonia da energia sutil. Os chackras desalinhados repercutem em doenças. A energia (prana) circula e a sua má circulação ocasiona em doenças. O ioga é uma forma de se conectar consigo mesmo. O ioga afina o corpo, que com a doença desafina, como um instrumento.

Como comentamos no terceiro capítulo, a história pessoal do Prof. Hermógenes com o ioga também ocorreu por meio de uma doença: a tuberculose. A partir daí, os seus ensinamentos ioguicos sincretizaram a doutrina ioguica, com a advinda do cristianismo popular brasileiro combinados com os benefícios terapêuticos do ioga para a saúde descobertos cientificamente. Foi o Prof. Hermógenes, como apresentei, que consolidou no Brasil o mote ioga-saúde-salvação e disseminou, por meio de suas obras, o ioga como terapia no Brasil.

Permanece a crença em energias sutis, como teóricos já alertaram nos capítulos anteriores. Entretanto, a ideia do desalinhamento energético originado pelo estresse, se reflete em doenças físicas e mentais advindas, ao que parece ser lícito julgar, de problemas também do meio social. Para o microuniverso ioguico brasileiro, o câncer em Shanti, a tuberculose em Hermógenes ou as origens da ansiedade e da depressão, como comentado por Ganesh, possuem as suas causas em desarranjos

energéticos transfisiológicos, fruto do estresse cotidiano. Em outras palavras, de uma vida vivida fora da ordem cósmica, de uma vida alienante que, em última análise, pode ter ligação com uma narrativa ioguica do mal-estar de um microuniverso de brasileiros. A doença manifesta física e mentalmente, seria apenas um sintoma do mal-estar de origem espiritual, cármica possivelmente.

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (páginas 125-130)