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Prática e Estado de ioga ressignificados com vistas a deslegitimar cientistas

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (páginas 104-115)

Capitulo 4. O IOGA BRASILEIRO: CONVERSANDO COM IOGUES E CIENTISTAS SOBRE O

4.1. Considerações preliminares

4.4.1. Prática e Estado de ioga ressignificados com vistas a deslegitimar cientistas

quanto cientistas brasileiros, no intuito de apresentar os seus discursos que podem estar em movimento de uma nova proposta de salvação do ioga no país. Notaremos uma reforma espiritual ocorrendo na compreensão brasileira da teoria dos klesas no seu encontro com o microuniverso religioso ioguico. Segundo o psicanalista brasileiro Christian Dunker, podemos pressupor o sofrimento centrado no desejo de uma vida diferente; esta angústia, na perda da experiência de uma forma de viver ainda não reconhecida, implicaria na necessidade de compreende-la como obstáculo ou contradição não reconhecidas (DUNKER, 2015, p.19-22). Os klesas, como os obstáculos à kaivalya ou causa do sofrimento espiritual, podem estar centrados no desejo de iogues brasileiros por uma vida diferente ou em experiências de um jeito de vida ainda não descoberto.

Dessa forma, a teoria clássica dos klesas - ou os obstáculos que originam o sofrimento de um grupo de iogues indianos do século II a.C. - quando encontram cultura e sociedade diferentes, torna-se plausível supor, modificarem os sintomas e/ou causas do que foi o impedimento à felicidade de outrora (ignorância, apego, aversão, medo da morte e orgulho). Logo, investigar os klesas no microuniverso do ioga brasileiro, pode contribuir - o mínimo que seja - na compreensão das causas do sofrimento existencial dos que buscam no ioga uma vida mais plena e feliz. Abaixo, inicio apresentando o diálogo estabelecido entre o estresse como obstáculo espiritual ao samadhi, a vivência religiosa transitória que antecede kaivalya:

Hermes: o estresse impede a [experiência do] samadhi.

Bento: o estresse impede ao estado de ioga. Tem o estresse controlado, que as vezes é necessário, mas tem o estresse que é um realmente um obstáculo (...) o método abaixa o estresse-obstáculo e assim, auxilia-nos a atingir o estado. (...) Não existe deus no ioga, pois Isvara é um estado.

Shanti: o estresse nos afasta, nos desconecta [do estado]. E é o estado de ioga que abaixa o estresse. Ele acalma a mente, aterra... e assim, nos ajuda a conectar novamente.

O “estado” ao qual os iogues mencionam parece se referir a experiência do próprio samadhi ou comunhão com deus/Isvara como explicitou Bento, enquanto a “prática” ou o “método” vem configurando-se como o sistema de atos com empíricas repercussões averiguadas pela ciência no intuito do alcance da cura de doenças (sejam de ordens físicas ou psíquicas). O objetivo permanece: diminuir os efeitos do “estresse-ioguico” no corpo, mas o pano-de-fundo se revela em curar-se de forma transcendente de certa angústia latente ou obstáculo/klesa que impede que o samadhi ou “estado de ioga” ocorra. Outros entrevistados, inclusive cientistas, aprofundam a questão nos fornecendo mais chaves-de-leitura:

Shanti: Reagir é algo negativo porque não se tem consciência na reação. O ioga lhe traz para o momento presente. A prática no tapete é um ritual de nos trazer para o presente, o Eu.

Rudá: o ioga diminui a agitação, o estresse e a ansiedade da minha vida, ao mesmo tempo o ioga me dá energia, me tira de um estado torpor e me deixa no estado de ioga. O estresse me desconecta e me faz sair do estado de ioga... a união. A respiração [pranayama] me traz para o aqui-e-agora e diminui os meus vrttis [causador da agitação mental advindo dos klesas] e meu estresse.

Andurá: Meditar serve para reduzir estresse e aumento da performance mental e aumenta o sistema autoimune. Meditar pode desacelerar a mente e ajudar pessoas em tratamento psicoterapêuticos.

Osiris: Ioga é para redução de estresse. A resposta do estresse salva vidas. Mas na cultura do ioga o estresse atinge o status de ser melhor manejado. Os iogues buscam diminuir o estresse, aumentar o bem-estar e ser alguém melhor. Não ser tão afetável pela sociedade moderna, de consumo e estressada, é um dos grandes objetivos dos iogues com quem convivo e estudo. (...) As posturas do ioga podem diminuir as aflições mentais e conduzir ao relaxamento. Nunca vi ninguém meditar sem relaxar, é a primeira fase da meditação. (...) O ioga tem uma vertente “terapia” sim. Ioga é instrumento anti-estresse pela maiorias das pessoas.

William: Sem dúvidas, a prática ioguica repercute na redução do estresse a melhora do sistema autoimune de seus adeptos.

A dicotomia entre prática e estado no ioga foi se evidenciando durante as minhas audições, mas no decorrer da coleta de dados fui percebendo ser possível correlacionar essa separação apresentada, entre prática e estado de ioga, como uma nova compreensão dos klesas ou causa da angústia, estresse, emoções extremas ou ansiedade. Se adotarmos modernamente, pela fundamentação do capítulo 2, os

klesas a partir das repercussões deletérias do estresse e sentimentos/emoções

específicas, a manifestação do estado de ioga pode estar sendo relacionada com menores manifestações de doenças no corpo-mente. Como consequência, esses fatos corroboram as nossas suposições de que as práticas de ioga estabeleceriam uma relação em processo entre terapia-cura-salvação específica ao contexto brasileiro. Por enquanto, o que fica é que as práticas corporais e o estados de ioga foram ressignificados e distinguidos.

O contato do ioga com a ciência – além de outros fatores como veremos – pode ter enfraquecido a força das escrituras ioguicas calcadas no hinduísmo e outras religiões ao longo de séculos na Índia, e elevado o das sensações corporais e as suas repercussões terapêuticas legitimados pela ciência desde o início do séc. XX.

Centurion: o ioga sempre esteve desvinculado do hinduísmo enquanto religião.

Vishnu: o ioga está desvinculado do hinduísmo modernamente.

Ravi: A imbricação do ioga com as religiões é algo ruim para ele. É um erro achar que juntar duas religiões pode gerar uma terceira melhor. Não acho correto rezar o pai-nosso no ioga. Cada religião deve manter as suas concepções restritas ao seu próprio contexto religioso. Não preciso do hinduísmo para praticar o ioga. Mesmo que o ioga peça alguma divindade a quem entregar-se. Isvara é o deus pessoal e você o compõe. A ciência

corrobora com o ioga. Prana não é científico porque a ciência ainda não conseguiu provar. É uma questão de tempo.

Shanti: o encontro do ioga com a ciência foi excelente para o ioga. O ioga produz saúde. A ciência afasta a mística do ioga.

Fica evidente acima que o hinduísmo vem perdendo a sua força de coesão da comunidade moderna do ioga, e a ciência, como uma das principais ferramentas proselitistas do ioga moderno (ALTER, 2004), possivelmente auxiliando a elevar os aspectos mais corporais e terapêuticos do ioga. Assim, mesmo que a face mais física e terapêutica do ioga exista desde os seus tempos medievais (como demonstramos no primeiro capítulo), contemporaneamente, foi o enfraquecimento do ioga como religiosidade autônoma, o fator que o diferencia de tempos passados. É bastante comum, mesmo cientistas da religião, incluírem diversas denominações de ioga sob a esfera de novos movimentos religiosos (GUERRIERO, 2006, p.111-132), ao invés de pertencentes ao mesmo microuniverso religioso, o que remove a perspectiva de investigá-lo como uma religião autônoma. Isso reduz o ioga e não nos permite compreende-lo em sua íntegra.

O ioga moderno, por questões sociais que desenvolvemos no capítulo 1, teve a ciência como seu principal veículo de ajuste e adaptação quando da transplantação do ioga indiano para os grandes centros urbanos ocidentais (DeMICHELIS, 2008, p.17- 21). Isso aproximou muitos cientistas conhecerem, praticarem e investigarem o ioga e a meditação com fins medicinais. No Brasil, como expomos no terceiro capítulo, foram os próprios brasileiros que vieram estabelecendo suas diretrizes de conduta ética e causas do sofrimento. Os discursos versados nas obras de Amit Goswami, Fritjof Capra, Allan Wallace, Deepak Chopra e outros, que criticam o realismo materialista da ciência, a origem mística das religiões e a capacidade delas em transmitir a essência de suas experiências para as sociedades modernas (NOGUEIRA, 2010), parecem ter autorizado, ambivalentemente, cientistas brasileiros a disputarem com os iogues, na produção e manutenção de novos bens de salvação no ioga, fazendo surgir o que identifiquei aqui como cientistas-monges. Com base em caracteres fisiológicos, estes cientista-monges e o iogues-mentores (como Hermógenes), acabaram legitimando com a chancela da ciência as práticas modernas do ioga como inibidoras do estresse e promotoras da saúde via experiência do relaxamento.

Andurá: Não podemos confundir o estado de dhyana [meditação propriamente dita] com o método de dhyana. Com isso, perdemos a essência dos sutras de Patanjali. Ninguém mais sabe o que ele quis dizer. Eles [os iogues] não aceitaram a minha definição operacional de meditação [acadêmica, portanto legítima]. Para eles, não existe prática de dhyana, é só estado, e isso é um erro. A prática meditativa não é sagrada do ponto de vista mental.

William: Quando assistimos um iogue afastar dois de seus professores porque um deles relaciona ioga com religião, fica evidente que se eles falam [mentores] que ioga é religião perdem mercado, é uma hipocrisia e ignorância alimentadas por uma necessidade de sobreviver nesse mundo caótico. É o mundo do capital. Hoje ninguém domina no campo do ioga. O DeRose foi um grande dominante, as demais pequenas seitas sendo esmagadas o destruíram. Talvez por isso DeRose diz que não trabalha mais com ioga. Há um desgaste do nome ioga. O ioga pode ter virado uma PNL [Programação Neolinguística]. Talvez se o ioga assumir que é religião tomará de mil a zero das religiões pentecostais: tem promessas mais divertidas do que a do ioga. O ioga promete diminuir estresse e dor nas costas. O ioga nos anos 1960-70 tinha uma grande promessa, mas foi diluída no movimento contracultural peace and love.

A partir das citações dos cientistas acima, percebe-se que o foco não está na desmistificação do ioga, mas em deslegitimar o discurso dos mentores do ioga brasileiro pelos cientistas-monges. Quando Andurá, por exemplo, afirma que os iogues não sabem o que Patanjali quis dizer, se posiciona como detentor deste saber e não os iogues com quem convive e investiga em seu laboratório. Para ele, por exemplo, dhyana não é apenas um “estado de ioga” - portanto, do alcance exclusivo de iogues autorizados pela “tradição” - mas também uma “técnica”. Sendo uma técnica, convida a ciência – e a si-mesmo - a participar do microuniverso religioso/espiritual do ioga, no qual apenas os iogues-mentores possuíam o direito de discursar até início do séc. XX. Com as práticas e estados ioguicos divididos a sua autoridade entre iogues e cientistas, o ioga brasileiro busca meios próprios de autorizar seus líderes de existir e delimitar seus limites como espiritualidade autônoma.

4.4.2. Ciência e Ioga na construção de uma nova espiritualidade terapêutica em

andamento

Segundo Silas Guerriero, classificar novos movimentos religiosos não é tarefa das mais fáceis. Contudo, todas as religiões, sem exceção, surgem do seio de sociedades e são elas reflexos da maneira de viver de núcleos sociais específicos e

concretos (GUERRIERO, 2006, p.21; Id., 2014), por isso ajudam a responder (e erigir muitas vezes também) o sofrimento dos indivíduos que a compõem. Em cada sociedade moderna, no entanto, centenas de religiões convivem entre si e, muitas vezes, o encontro de duas – ou mais - delas possibilitam o aparecimento de uma terceira. Guerriero cita o exemplo da ISKSON, um novo movimento religioso que aparece em Nova Iorque e São Francisco, nos Estados Unidos, com a vinda de um

guru indiano, mas que depois se expande a dezenas de outras cidades ocidentais. A

ISKCON (Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna), a exemplo do ioga, é transplantada da Índia e depois acaba ganhando contornos espirituais definitivamente singulares que a tornaram possível hoje, distingui-la como uma religião particular, com suas próprias práticas, doutrinas e líderes constituídos. Mesmo comparada ao Hinduísmo, a sua principal influência religiosa, a ISKCON é absolutamente autônoma e independente (GUERRIERO, 2001). Talvez o ioga moderno possa enverdar pelo mesmo caminho.

As influências do ioga moderno são vastas, dos hinduístas - sua referência mais óbvia – aos jainistas, shikhis, budistas, tântricos, sufis muçulmanos e, recentemente bebeu de movimentos ocultistas europeus, mas sobretudo, da ciência biomédica ocidental (ALTER, 2004; DeMICHELIS, 2004; SINGLETON & BYRNE, 2008; SINGLETON, 2010). No Brasil, os iogues-híbridos e os cientistas-monges comungam de certa permissividade com outras espiritualidades, além de acalentarem o romantismo do surgir de uma “nova ciência” – como leremos - que na verdade, corresponde ao desejo de ruptura com a ordem vigente, tanto das religiões dominantes quanto do empirismo da ciência, pensamento típico da espiritualidade Nova Era (AMARAL, 2000, p.21-32). E é justamente neste ponto, que talvez os agentes do ioga brasileiro parecem concordar. Híbridos, tradicionalistas e cientistas-monges parecem direcionar as suas narrativas na busca de traduzir a espiritualidade do ioga, cada um com as suas particularidades – como estamos destacando -, mas atuando na sociedade brasileira como agentes religiosos na cura do sofrimento espiritual do microuniverso que atuam.

O ioga brasileiro, no entanto, ainda não permite definições tão evidentes de um novo movimento religioso estabelecido como já ocorre com a ISKCON, mas todo início requer certa motivação tanto de seu microuniverso consolidar-se, quanto da ciência da religião em compreende-los. Mas algumas pesquisas no universo europeu e

norte-americano (DeMICHELIS, 2004; NEWCOMBE, 2008; JAIN, 2010) e no Brasil também já apontam tais aproximações (GNERRE, 2010; GUERRIERO, 2014; SANCHEZ, 2014). Como esclarece Guerriero, as religiões não surgem do nada ou da “mente de um líder criativo”, mas da ruptura ou posição contrária à revelação original (GUERRIERO, 2006, p.21). Talvez o ioga brasileiro, e as suas transformações que revela-se sobre a sua soteriologia venham corroborar tal posição de um novo movimento religioso em formação. As principais características dos novos movimentos religiosos modernos são o seu forte sentimento de mudança social e a universalidade que proclamam suas crenças (Ibid., p.74-76). Das duas características dos novos movimentos religiosos descritas por Guerriero, o sentido de pertença a uma religião universal está presente no ioga moderno desde os pronunciamentos de swami Vivekananda, ainda no final do século XIX, como já expomos no primeiro capítulo. Com relação ao desejo por mudanças sociais, teceremos justificativas nas subseções que se seguem que poderão auxiliar as ciências da religião na classificação do ioga como um novo movimento religioso em processo no Brasil. Por ora, analisaremos as audições que solidificam a influência de cientistas e iogues nas transformações soteriológicas do ioga no Brasil.

Rudá: Vivemos em um mundo que precisamos de comprovações científicas, mas se as pessoas não experienciarem o estado de relaxamento espiritual do ioga, não haverá mudança de estar presente. O entrosamento do ioga com a ciência é necessário.

Ravi: A ciência precisa da espiritualidade para comprovar seus dados, não é o ioga que necessita dela. A ciência reconhece a espiritualidade para a cura de doenças.

Centurion: o estresse é uma crença científica. Ele na verdade não existe [sic], mas o ioga pode eliminar essa crença.

Por isso talvez, cientistas e mesmo alguns iogues entrevistados, parecem elevar a técnica ou a prática mais do que o valor das suas escrituras. A questão que levanto, no entanto, é o discurso do ioga e da ciência se assimilarem em diversas passagens com relação à maior ênfase na prática do ioga do que no valor das escrituras e de seus líderes exclusivamente:

Shanti: [O ioga] É estar presente. Agir e não reagir. O iogue deve transpirar e transbordar ioga. O ioga deve se transformar em conhecimento. Não preciso ser nada para ser iogue. Só preciso praticar. (...) Não precisa ter fé

no ioga, é fazer e vem a sensação. A ciência provocou uma certeza inabalável em minhas crenças.

Ravi: O ioga é uma técnica. Aplique as suas técnicas que funciona. DeRose: As técnicas conduzem ao autoconhecimento.

Centurion: O ioga é um amplificador. O ioga é um caminho científico que comprova ou nega as minhas crenças. O ioga é uma técnica.

Pela exposição acima podemos identificar no discurso dos iogues Shanti e Rudá, por exemplo, positividade na aproximação do ioga com a ciência, assim como o fizeram os primeiros iogues modernos como Vivekananda, Kuvalayananda, Sivananda, Iyengar e outros. Há uma certeza, que nasce com os teóricos que investigam o que chamaram de processo secularização (HANEGRAAFF, 2000; PARTRIDGE, 2005, p.1), pelo qual a ciência afastaria a religião de toda manifestação de magia e da superstição de outrora, ou como afirmaram os iogues Shanti e Centurion, a ciência assevera o surgir de uma fé nas suas próprias crenças ioguicas.

À primeira vista, a afirmação pode não fazer sentido, mas como vimos no capítulo 2, a confiança no ioga foi testada no início do século passado mais pelos resultados laboratoriais da biologia sobre as suas práticas, do que na exegese de seus preceitos espirituais. Quando o iogue Centurion afirma que o estresse é uma “crença” desenvolvida e disseminada pela ciência, ou quando Ravi pondera que é a ciência e não o ioga, que se beneficiou da aproximação com a espiritualidade; eles estão, ao mesmo tempo, criticando a posição da realidade materialista de alguns setores da ciência, como reafirmando um sincretismo religioso ocorrendo entre o ioga e ciência, típicos do movimento Nova Era (CHAMPION, 1989, p.158; Id. 2001). Quando o cientista Andurá, na passagem transcrita abaixo, assegura que se a ciência continuar sob o estrito paradigma materialista, “inviabilizará” o seu próprio desenvolvimento, defende, de certa forma, o ioga como verdade universal:

Andurá: Um cientista que medita pode no máximo encontrar um estado de relaxamento da lógica absoluto, mas nunca experimentar a dissolução do ego oriental [sic], da fusão com o todo, o absoluto. Um dia a ciência irá inviabilizar a própria ciência. Acredito no surgir de uma nova ciência. Estamos rasgando tudo ao meio: o ioga, a ciência... Existe um ponto de relaxamento de função mental absolutamente fora dos padrões habituais e científicos. O iogue/meditador alcança esse estado desperto e a ciência não consegue ainda explicar. Todo meditador já percebeu, experimentou o nada. Tudo são conceitos. O estado que vem depois, um estado inexplicável, incognoscível... é o que a ciência não alcança.

O ioga parece ter se beneficiado da força proselitista da ciência em difundir as suas práticas espirituais como promotoras da saúde e bem-estar desde os anos de 1920 (ALTER, 2004). Por isso, incorporou em seus discursos uma supervalorização da prática, técnica ou método do ioga em relação ao estado ou experiência, como apresentei na subseção passada. É possível entrever, no entanto, a insistência de alguns iogues e todos os cientistas entrevistados, que o ioga seja “só prática”, sem nenhuma referência religiosa, provavelmente, por força da privatização religiosa ocidental. Contudo, posicionamentos extremistas vindo dos cientistas visam, talvez, deslegitimar o discurso religioso dos iogues-tradicionais principalmente:

William: Duvido do conceito de “iluminação” e "libertação" apregoado por iogues modernos. Não consigo mais ver valor nisso, na juventude acreditava, mas hoje acho patético. Acho que é um delírio e não me interesso mais por isso. Me importo, pessoalmente, apenas em ser uma pessoa melhor. Acredito que deveriam estar preocupado em se perguntar qual a proposta deles para a salvação do ioga! O ioga não ajuda em termos do diálogo com o outro. O ioga/meditação é in... O ioga pode ajudar a aumentar a tolerância e não a legitimação do discurso do outro. O ioga corre o risco de desenvolver o egoísmo.

Osiris: As práticas religiosas são passíveis de serem averiguadas pela ciência, é inevitável que a ciência as estudem, e isso empresta capital a elas, mas a ciência não se interessa com a filosofia das práticas religiosas, mas para a melhora da saúde e da atenção. A junção do ioga com a biomedicina é natural, pois o ioga afirma que a sua prática é boa para a saúde e a ciência vai averiguar. Os próprios textos clássicos do ioga afirmam que é bom para a saúde.

Esse estado ao qual William apregoa como “patético”, Osiris afirma “não interessar à ciência” e no qual Andurá assegura ser o “estado que vem depois” e que a “ciência não alcança”, pode ser a própria experiência religiosa do samadhi, conteúdo discursivo dos líderes espirituais do ioga, mas que muitos neuroteólogos visam reduzir a neurotransmissores, hormônios e regiões encefálicas e trazê-los ao campo do saber científico exclusivamente (MARINO JR, 2005).

Andurá: Muitos iogues sofrem do “orgulho espiritual”. Eles [os iogues], estão, ao mesmo tempo, tendo um aporte acadêmico de dados mas, por outro lado, têm um aporte de posturas espiritualizadas, de uma nova forma de vida, de perceber o mundo em que vive. Eles precisam, na minha opinião, retirar todos os valores culturais das práticas meditativas [e de ioga], de oração e etc. Isso [cultura que envolve os preceitos ioguicos] são ações mentais. Meditação deve levar ao não eu, você deve se fundir na meditação ou na prática que faz. O meditador experiente perde a capacidade de sentir emoções extremas. Iogue tem que ensinar a prática. Os conceitos

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (páginas 104-115)