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Estresse biológico

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (páginas 63-65)

Capitulo 2. OS KLESAS NO MUNDO MODERNO

2.3. Klesa e estresse

2.3.1. Estresse biológico

Em 1916, o fisiologista norte-americano Walter Cannon apresenta pela primeira vez o termo estresse num artigo publicado na revista Nature, no intento de elucidar uma resposta fisiológica natural de emergência dos seres vivos, contida na sua hoje clássica, teoria de luta-ou-fuga (CANNON, 1927). Em 1932, o mesmo autor denomina de homeostase (homeo stasis ou estado de equilíbrio) a capacidade do organismo em preservar um conjunto de mecanismos regulatórios que mantém a constituição do seu meio interno dentro de limites adequados para a sua sobrevivência que pode ser rompido em situações estressantes, como hipoglicemia, um leão correndo para nos atacar ou uma fatura vencida por dificuldade financeira.

Assim, o conceito de homeostase é um estado psicofísico ideal, nunca alcançável, pois nosso organismo está a todo instante numa luta intensa de busca pelo equilíbrio dinâmico de suas forças, estado este (homeostase) só alcançado definitivamente na morte. Quando acordamos por exemplo, depois de oito horas de sono, nossos níveis de glicose estão baixíssimos – o que denominamos de hipoglicemia, por isso, em desajuste fisiológico e longe dos níveis ideais de homeostase. A hipoglicemia aciona o nosso eixo-do-estresse e mecanismos fisiológicos regulatórios inatos entram em ação. Nesse momento, até tomarmos nosso desjejum, a fisiologia humana busca mecanismos compensatórios ao agente estressor hipoglicemia. Em outras palavras, de restituir o estado fisiológico ideal e utópico de “harmonia” ou homeostase. No estado estressante hipoglicêmico, o pâncreas inibe a secreção do hormônio insulina (responsável por transportar a glicose do sangue para as células) e aciona o seu antagonista, o hormônio glucagon. O glucagon secretado pelo pâncreas, por sua vez, vai direto ao fígado degradar o glicogênio estocado e ofertá-lo na forma de glicose (a menor parte molecular do glicogênio). Quando esse processo atinge níveis satisfatórios de glicose circulante no sangue, quimioreceptores

de glicose informam ao sistema nervoso central que inibe o glucagon e aciona novamente o hormônio insulina a entrar em ação e transportar essa glicose para as células e reestabelecer a homeostase desse sistema. Mas o processo continua, pois no desjejum os sistemas digestórios são acionados e, após alimentar-se, o fígado precisará processar as gorduras e carboidratos excedentes na forma de glicogênio no fígado, aguardando um novo momento de hipoglicemia. Em suma, apesar de exaustiva a descrição, o que saliento é a presença constante do estresse/Mal e da homeostase/Bem atuando no teatro do corpo, no qual os iogues transplantaram – não somente como metáfora, como vimos até então – da linguagem neutra da fisiologia biomédica da ciência para a simbologia da sua fisiologia religiosa, sutil ou metafísica. É lícito supor, que o klesa como estresse ou emoções específicas, é uma narrativa religiosa moderna do ioga.

Hans Seyle em 1936, concordou com Cannon, mas ampliou a concepção de estresse classificando-a em três fases distintas: 1) Alarme: quando o organismo reage instintivamente a um agente estressor qualquer na resposta de luta-fuga e rompe a sua homeostase, esse equilíbrio dinâmico do organismo; 2) Adaptativa: manifesta no momento em que organismo gera uma resposta satisfatória e “equilibra” novamente seu estado homeostático; e 3) Crônica: um estado em que a resposta fisiológica ao agente estressor não é suficiente ao organismo retomar seu estado homeostático normal. Segundo Seyle e Cannon, mas ainda válido na atual fisiologia, seria somente na terceira fase (a crônica) em que o estresse, como resposta orgânica natural, poderia refletir negativamente sobre a saúde do organismo e, inclusive desenvolver respostas emocionais negativas a saúde do indivíduo, como o medo, a raiva, a fome e a dor (ver CANNON, 1927; SEYLE, 1976), impossíveis de não serem associadas pela interpretação de Balsev. Walter Cannon, logo, assim como os iogues, também associou emoções com a manifestação do estresse. Os iogues modernos podem estar ajustando a causa do mal de sua soteriologia, ou seja, os klesas, a doenças associadas ao estresse como ansiedade e a depressão, frutos agora, do ódio, do desejo, do medo e do egoísmo (PINEL, 2005, p.459-465; ver SAPOLSKY, 2008).

Assim, enquanto o estresse biológico é um estado fisiológico normal e neutro na fisiologia humana, na sua maioria benéfico para a manutenção da vida, como quando nos prepara para um jogging ou enfrentar uma banca de defesa de doutorado;

é somente em situações extenuantes e persistentes, desvantajoso à saúde. O estresse

ioguico, por outro lado, revelado por R.T. Rao e Bhavanani como sinônimo de klesa,

assim como os klesas-emoções negativas de Balsev, fica evidente se tratar de uma nova concepção criada no seio da religiosidade ioguica moderna. Há, logo, um hiato entre o que iogues e biólogos compreendem sobre a noção de estresse e emoções. Além disso, os iogues tendem a associar as manifestações psicofisiológicas de estresse e das emoções sem perder de vista as suas antigas crenças em corpos metafísicos e energias transfisiológicas como o demonstrei na subseção anterior (BHAVANANI, 2007, p.30-40), algo inadmissível no meio acadêmico.

Dois fatos interligados podem esclarecer melhor a contenda que busco expor entre o cenário aparentemente sereno que envolve o ioga e a ciência. A primeira diz respeito à resposta psicofisiológica de relaxamento que a ciência propala como resultado empírico dos ritos corporais ioguicos modernos, portanto, uma resposta “cientificamente” antagônica ao do estresse biológico, mas de estreita relação com a ideia de homeostase revelada anteriormente. E a segunda, reside na permanência da crença em energias tranfisiológicas, sobretudo prana, entre os iogues modernos (FULLER, 2008, p.133-150; SAMUEL & JOHNSTON, 2013). O relaxamento, resultado inequívoco das práticas ioguicas, pois legitimado pela fisiologia ocidental, e a crença em energias transfisiológicas são peças chaves na elucidação da questão

klesa-estresse-emoção-ignorância e kaivalya-homeostase-conhecimento.

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (páginas 63-65)