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Fase da busca identitária e singular do ioga latino-americano

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (páginas 80-83)

Capitulo 3 : IOGA NO BRASIL

3.1. As origens do ioga brasileiro a partir da história latino-americana

3.1.4. Fase da busca identitária e singular do ioga latino-americano

A partir da década de 1970, o ioga na América Latina já formou os seus próprios gurus e importou diversas organizações e linhagens do ioga moderno. Agora, os iogues latino-americanos buscam compor a sua própria identidade. Neste tempo, nasce uma luta por quem possui ou estabelece melhor as regras de conduta de um professor e escola (ou linhagem) de ioga. Assim, inúmeras associações, federações e confederações tem início e marca esse quarto período ioguico latino-americano.

O ioga agora, especificamente entre os anos de 1980-1990, ganha grande popularidade e corporifica sobremaneira as suas práticas corporais, se confundindo entre uma prática de educação física, técnica terapêutica ou atividade religiosa, como em outras partes do mundo (SHAVER, 2010). No Brasil, o governo federal entra no

congresso nacional visando incluir o ioga como método exclusivamente físico, o que desautorizaria os líderes do ioga “formarem”41 seus próprios professores/discípulos e ministrarem suas aulas sem antes passar por uma inspeção federal. Em outras palavras, essa proposta legitimaria o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) para fiscalizar as práticas ioguicas, tornando totalmente laico o exercício de lecionar ioga no país.

A contenda causa grande repercussão na comunidade ioguica latino-americana e se resolve estabelecendo entre as duas partes - governo brasileiro e comunidade ioguica brasileira - que o ioga não poderia ser fiscalizado por nenhum órgão governamental, pois se trataria de uma atividade filosófica-religiosa e não exclusivamente corporal. Hoje em dia, a discussão está sob outro ângulo: a inclusão ou não do ioga como terapêutica não-convencional no Sistema Único de Saúde brasileiro (ver SIEGEL, 2010). No entanto, essas propostas vão, aos poucos, minando a hegemonia da vertente ioguica híbrida e permitindo a ala mais tradicional do ioga brasileiro levantar a sua voz.

Esses fatos sociais registram o espírito desta fase histórica do ioga na América Latina, marcada pela desavença e conflitos de identidade do papel e legitimidade do ioga professado. O episódio do CONFEF ocorrido no Brasil pode ser compreendido como o marco de uma crise identitária para os iogues brasileiros, que buscam agora estabelecer as diretrizes e delimitações da sua prática, ensino e formação de novos professores de ioga no cenário religioso do país. O ioga já não é mais incipiente e começa a se popularizar entre a população brasileira, sobretudo é percebido pelas religiões dominantes que imprimem as suas retóricas de aniquilação (USARSKI, 2001) sobre a proposta religiosa alternativa no qual o ioga representa agora42 (APOLLONI, 2004).

Parte dessa busca por uma identidade se faz nas inúmeras tentativas dos iogues se reunirem em torno de federações e confederações nacionais, latino- americanas, sul-americanas e internacionais. A história credita ao iogue francês Cesar Della Rosa, o idealizador da primeira federação de ioga na América Latina, no Uruguai ainda em 1936, como vimos. Mas, pode-se pensar que o seu nome apareça

41 Termo insider que significa introduzir a um iniciante os ensinamentos e práticas corporais do ioga. 42 http://blog.comshalom.org/carmadelio/29260-pode-um-cristao-praticar-yoga acessado 05/01/2015,

https://laverdadysololaverdad.wordpress.com/2011/06/30/15-razones-del-por-que-el-yoga-es-sumamente-peligroso/ acessado 05/01/2015

como “fundador” apenas para legitimar a autoridade dessas fundações que começam a despontar agora nesta última fase.

Esses núcleos seriam as primeiras tentativas de reunir as diferentes escolas ioguicas latino-americanas sob a mesma égide de pensamento. Em 1975, a brasileira Maria Helena de Bastos Freire estabelece uma associação internacional que reuniria todos os professores de ioga, a International Yoga Teachers Association (IYTA), muito motivada pelo o que assistiu no congresso de ioga que participou na Austrália em 1971. A partir disso, inúmeros outras associações, uniões nacionais e congressos vão sendo realizadas em toda América Latina que perduram até os dias de hoje, todavia a ideia das federações nunca ganhariam a força que pretendiam possuir.

Mesmo sem o sucesso ou adesão requerido, a partir de 1985, o argentino Fernando Estevez Griego (ou swami Maitreyananda), ex-discípulo do tradicionalista Mestre DeRose, associado a outros iogues latino-americanos funda a União Latino-

Americana de Yoga (ULAY) no intuito de agrupar as já existentes federações e

associações nacionais de ioga como da Argentina, Brasil, México, Chile, Colômbia, Uruguai, Cuba e Quebec, além de promover intercâmbios e formar o Conselho

Latino-Americano de Yoga (CLAY). A partir de agora, Griego articula-se com

diversos outros líderes de federações de ioga mundiais para fechar acordos entre elas e a ULAY. O intento de Griego gera frutos e, em 1987, ocorre o primeiro de inúmeros congressos latino-americanos e mundiais de ioga, em geral, tendo ele mesmo - Griego ou seus amigos e discípulos - na presidência das bancas e das federações. Nenhuma delas, entretanto, conseguem estabelecer um diálogo integrativo entre todas as diversas linhagens e denominações de ioga moderno existentes no território latino- americano43.

Outro aspecto do ioga neste período, e que se torna o grande propulsor do ioga e fonte de rendimentos financeiros, é o estabelecimento de cursos regulares de formação de professores de ioga44. Um dos primeiros cursos de formação, ocorre em 1981, através de um romeno radicado no Brasil, Georg Kritikós (ou swami Sarvananda), discípulo de Léo Costet no Rio de Janeiro/Brasil (SANCHES, 2014). A partir do sucesso desses cursos de formação, aumenta-se a demanda de professores de

43 http://www.federacaointernacionaldeyoga.org/history.html acessado 05/01/2015

44 Um curso de duração média de um ano que autoriza os seus “formandos” a lecionar o ioga a outros. O custo do curso é bastante elevado, o que sustenta financeiramente grande parte dos líderes de ioga latino-americanos.

ioga e a popularização do ioga (e vice-versa). Parte desse público de professores do ioga moderno se tornam devotos de seus líderes espirituais responsáveis pela sua formação, diferenciando o ioga moderno dos demais novos movimentos religiosos Nova Era de característica “errantes”45 (NUNES, 2008). Essa característica de não- errância pode ser um indicativo do ioga agora já ir se configurando como uma possível denominação religiosa autônoma e, por isso, responsável por constituir contornos mais definidos de sua religiosidade, como legitimação de seus líderes, mas também de apresentar uma proposta soteriológica adaptada a cultura que se insere agora. As suas escrituras vão sendo ressignificadas pela biomedicina, como vimos no capítulo segundo, e os klesas ganhando contornos fisiológicos biomédicos por décadas no Brasil da associação do ioga com a cura e terapia de doenças.

Outras duas formas características do ioga moderno brasileiro, talvez pela escassez ainda de gurus indianos, se concentram nas regulares viagens à Índia e a outros locais sagrados do mundo (como Machu Pichu, Japão, Jerusalém e Nepal) promovido pelos seus novos líderes espirituais, e comercialização de livros, cd’s e dvd’s e outros produtos, como divulgação de suas propostas espirituais e sustento financeiro. Essa proliferação de produtos ofertados pela demanda do ioga unido ao fator sincretismo religioso, fez surgir uma tensão entre iogues ortodoxos ou “tradicionalistas” e iogues mais tolerantes e incentivadores dos “hibridismos” do ioga com outras religiões e práticas. Dois exemplos desses hibridismos que comporão a última fase ioguica são as novas escolas que veem se estabelecendo, como o AcroYoga de Gabriel Watel e o Yoga Restaurativo de Miila Derzett46. O próximo estágio se aprofunda no momento atual do cenário ioguico brasileiro.

3.1.5. Fase de tensão entre os iogues “híbridos” e os “tradicionalistas” no Brasil

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (páginas 80-83)