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Capitulo 1. O IOGA ATRAVÉS DOS TEMPOS: DO IOGA ANTIGO DESCRITO NO IOGA

1.3. Período pós-clássico, pré-moderno ou medieval do ioga

1.4.2. Ioga moderno

Desde 1757 que a colonização indiana pelos britânicos teve início, mas para o ocidente, o ioga desembarca oficialmente nas suas terras com o swami Vivekananda (1863-1902), em 1893, na cidade de Chicago nos Estados Unidos. A sua visita foi, por convite do primeiro parlamento mundial das religiões, como o representante do Hinduísmo nesse evento. No seu discurso apresenta já um ioga com distintos sincretismos dos tempos pré-modernos (pós-clássico ou medieval), tanto em termos

ideológicos quanto fisiológicos (STRAUSS, 2008, p.58-63). Para Vivekananda, iogue discípulo de Ramakrishna, líder religioso da renascença indiana, o ioga é considerado como um ideal de religião universal (ver o seu discurso no parlamento em VIVEKANANDA 2007)13. Sendo médico de formação, Vivekananda foi um dos primeiros a ressignificar a fisiologia espiritual do ioga em termos biomédicos ocidentais modernamente (KUVALAYANANDA, 2008, p.103-104 em notas; STRAUSS, 2008, p.63).

O ioga que Vivekananda oferece aos emissários das principais religiões ali presentes, é o de uma tradição religiosa pautada em uma das formas pela qual o ser humano alcança a sua verdadeira liberdade e manifesta a sua divindade interior. Não havia ainda uma pretensão de classificar o ioga como uma “espiritualidade” e, portanto, diferente de “religião”. Vivekananda, na verdade, se propõe a demonstrar, nos seus pronunciamentos e depois em outras palestras e livros, que a religiosidade indiana, condensada por ele com o nome ioga, se sustentaria tanto filosoficamente quanto cientificamente e estaria à altura de qualquer outra religião ali representada. Vivekananda dá entrada ao que modernamente se populariza entre os iogues atuais, o início da instituição do ioga como um novo movimento religioso ainda em andamento (DeMICHELIS, 2004, p.248-260; NEWCOMBE, 2005; JAIN, 2014, p.95-129).

O seu discurso ficou bastante popular, o que lhe possibilitou fundar organizações ioguicas por cidades do mundo inteiro, tendo o seu pensamento, em relação à religiosidade ioguica e à ciência formado a base intelectual e ideológica de uma geração de iogues que veio depois dele14 (DESIKACHAR et.al., 1980). Vivekananda também ficou conhecido como um defensor da tolerância religiosa, tornando-se um dos grandes ídolos do hinduísmo moderno, além de um grande inspirador dos novos movimentos religiosos que primam, assim como o ioga moderno, por assimilar os seus ensinamentos religiosos como os científicos (NANDA, 2007; STRAUSS, 2008, p.64-65; VALLE, 2008, p.200).

O ioga, então, inicia mais uma vez as suas relações híbridas com novas culturas, sociedades, políticas, economias e geografias, como em outros momentos

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E até hoje essa imagem transmitida por ele continua viva nos meios ioguicos ver DESIKACHAR (2006), p.10.

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históricos que apresentamos anteriormente. Contudo, agora, esse contato vai alterar o caráter do iogue renunciante do mundo de tempos passados, para um ascetismo que dialoga com o mundo nos tempos atuais (STRAUSS, 2008, p.64), pautando-se em escrituras religiosas como o Bhagavad-Gita. Os iogues indianos modernos desenvolvem discursos retóricos que os autorizam a participar das sociedades ocidentais e não mais ser necessário se retirar em ashrans na floresta para vivenciarem o samadhi e o viveka (lit. discernimento espiritual), o que veremos que os iogues brasileiros irão denominar em suas audições de “estado de ioga”.

Consideremos agora a diferença entre um yogue-asceta e um monge samsari (que se propõe a participar do jogo exterior de maya). Diga-se desde já que o “samsari” não precisa jogar obedecendo ao ego. Com efeito, é grato por Deus e muito útil ao desenvolvimento espiritual participar do jogo divino sem recorrer ao ego, em vez de procurar envolvê-lo no processo. (KRIYANANDA, 2007, p.241)

Nos períodos anteriores do ioga, o ioga precisava se afastar de samsara e não participar da vida social com o motivo de não se envolver no “jogo exterior de maya” ou de ilusão. Agora, no período moderno e longe do manto protetor da religiosidade hinduísta, os iogues precisam aprender a lidar com novos desafios e, por conseguinte, com novos obstáculos que afligem a vida e seus novos discípulos/alunos. Enquanto aqueles iogues clássicos e medievais abandonavam o convívio social e dedicavam a sua busca religiosa retirados do convívio leigo (ver sutra I.16 do HIP)15, os modernos se globalizam e adquirem a preocupação de difundir os seus ensinamentos para o mundo, se tornando assim bem mais proselitistas do que em tempos passados sob a tutela hinduísta. Esta passagem histórica de renúncia necessária ao mundo e agora, de participar do mundo e difundir as suas ideias ioguicas aos outros, se configura uma das características mais marcantes do ioga que se conhece atualmente segundo Sarah Strauss (2008, p.63-64). Esse período de transição do ioga medieval para o moderno também marca o questionamento por parte de acadêmicos e iogues do fim da espiritualidade e, por conseguinte, a exigência do “retorno” a sua essência e “tradição”. Muito desses discursos virão da aproximação que o ioga moderno fará com a ciência, mas sobretudo pelos seus inúmeros hibridismos. Esses fatos são os

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“O Yoga é realizado com muito êxito quando se cumprem estes seis requisitos: entusiasmo, determinação, coragem, compreensão correta, fé no guru e abandono do contato público” (SOUTO, 2009, p.91-92).

responsáveis pela busca dessa tese em desvendar a transformação que a proposta soteriológica do ioga sofreu no seu contato com as sociedades modernas ocidentais.

Segundo estudiosos contemporâneos, o ioga atual precisou aprender a lidar com os acontecimentos, principalmente os advindos do nacionalismo indiano, do ocultismo ocidental, da filosofia neo-vedanta, dos sistemas de cultura físicos modernos (DeMICHELIS, 2008, p.20), do islamismo, do cristianismo primitivo, da ciência moderna (principalmente a fisiologia e a biomedicina ocidental) e do movimento religioso Nova Era (LIBERMAN, 2008, p.100-117). Este será o novo pano-de-fundo que configurará o ioga que se conhece atualmente.

Elizabeth DeMichelis salienta os pontos-chaves que facilitam a compreensão do surgimento do ioga moderno. Segundo DeMichelis (2008), desde 1600, por intermédio da Companhia das Índias Orientais, que a Índia vem estabelecendo relação com os países da Europa e América, mas é a partir de 1750 que as sociedades ocidentais voltam o seu interesse para a economia, o sistema sócio-político e a cultura indiana. Com isto, de 1830 em diante que surgem os debates devido aos movimentos de reforma sócio-religiosa na Índia Britânica, abrindo-se um diálogo entre os intelectuais e as autoridades sobre a anglicização da colônia. Os primeiros sinais de uma ocidentalização da religiosidade indiana ocorrem por volta de 1850, como se pode ler nos escritos do naturalista, poeta e transcendentalista norte-americano, Henry David Thoreau (p.30)16.

No início do século XX, presencia-se o surgimento do movimento Nova Era e a rápida modernização das religiões asiáticas, as quais dão início a um produtivo diálogo com outras crenças e culturas, fato que continua até hoje. Entre 1914 e 1945, devido às duas grandes guerras mundiais, a disseminação das ideias modernas do ioga diminui a sua influência, sendo retomada novamente a partir da independência da Índia em 1947. Por intermédio de iogues carismáticos e convidados pela onda contracultural que acontece nos anos sessenta, várias organizações do ioga se popularizam por todo o mundo. Após um período de certa indiferença pelo ioga, na década de oitenta, nos anos noventa surge uma entusiástica aculturação por uma

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“... I would fain practice the yoga faithfully... To some extent, and a at rare intervals, even I am a yogi”... De bom grado praticar o yoga fielmente... Até certo ponto, e em raros intervalos, eu mesmo sou um iogue”.

geração de praticantes e de devotos seguidores da sua proposta salvífica e de saúde (DeMICHELIS, 2008, p.21).

O ioga, no início da década de 1990, se lança no mundo, principalmente por meio de alguns iogues, entre tantos outros, como swami Vivekananda, sri Yogendra, Paramahansa Yogananda, swami Kuvalayananda, swami Sivananda e Krishnamacharya (ALTER, 2004, p.73-108; FEUERSTEIN, 2005, p.53-55; SINGLETON & BYRNE, 2008, p.17-35; p.40-74). Os métodos ioguicos mais populares e praticados contemporaneamente se devem aos iogues mencionados acima, tendo as suas ideias edificado algumas das inúmeras escolas, tradições ou organizações ioguicas religiosas no mundo atual17. Pode-se afirmar que somente as organizações ioguicas que aprenderam a fomentar e a divulgar a religiosidade ioguica por intermédio de pesquisas fisiológicas dos seus métodos e tradições, é que sobreviveram no mundo moderno. Algumas, inclusive, se orgulham de terem artigos publicados em revistas científicas sobre os benefícios das suas práticas para a saúde18. O interessante aqui é o apelo à saúde que a prática religiosa do ioga oferece agora e o diálogo que aprendeu a estabelecer com a biomedicina. A ciência, ao invés de desencantar o ioga, serviu-lhe de veículo proselitista. Para se entender o que permitiu esta configuração atual, o que transformou a religiosidade ioguica numa espécie de panaceia, mas sobretudo, reformou os antigos conceitos de mal contido nos

klesas para uma linguagem atual e “científica”, será necessário evidenciar como as

escrituras antigas e medievais indianas foram ressignificadas pela ciência biomédica e fisiologia. A vivência integrativa transitória do samadhi, o estado permanente de equilíbrio de kaivalya e os klesas, como obstáculos espirituais ioguico agora, ganharão correspondentes fisiológicos empíricos da biomedicina ocidental. Não há nada de novo, mas um desdobramento da corporificação e medicalização do ioga medieval a um novo contexto social, político, econômico e religioso, mas que implicará em profundas mudanças na via salvífica/libertadora do ioga moderno.

17 The Yoga Institute (1918), de sri Yogendra; Self-Realization Fellowship (1920), de Paramahansa

Yogananda; Kaivalyadhama Yoga Institute (1924), do swami Kuvalayananda; “Yoga de Krishnamacharya” (1924), de Krishnamacharya; Sivananda Yoga: The Divine Life Society (1936), do

swami Sivananda; e o Vivekananda Kendra Yoga Research Foundation (1972), fundada por Eknathji

Ramkrishna Ranade (1914-1982), organização esta baseada nos princípios de Vivekananda.

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Ver TELLES, NAGARATHNA & NAGENDRA (1994); http://www.kdham.com/srd.html, acessado 27/08/2010; http://www.vkendra.org/projects, acessado 27/08/2010; e

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (páginas 39-44)