• Nenhum resultado encontrado

4 PERCURSO DA PESQUISA: DESCRIÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO

4.1 CAMPO DE ESTUDO

O campo de investigação compreende o setor de Nefrologia, mais especificamente a hemodiálise pediátrica de um hospital público de Salvador-BA que atende exclusivamente através do convênio com o SUS. Vale ressaltar que na busca dos participantes da pesquisa, foi necessário também, realizar as atividades de campo em outros dois hospitais públicos da cidade que não haviam sido previstos anteriormente, pois algumas das pessoas que também participaram da pesquisa (crianças/adolescentes e suas mães) eram pacientes do mesmo hospital, mas pouco tempo antes da minha inserção no campo e também durante o período da realização da pesquisa, foram transferidas para outras unidades hospitalares por motivos relacionados ao que cada um demandava8.

Como havia relatado, como cenário principal, o lócus desta pesquisa compreendeu o espaço de minha inserção profissional enquanto docente da classe hospitalar na atuação junto a estas crianças e adolescentes pelos quais desejava conhecer mais a fundo as questões relacionadas a sua trajetória escolar e o que isto para eles significam em meio ao sofrimento e a vivência com a doença. Neste sentido, refiro-me ao local em que poderia encontrar os participantes e ter referências sobre eles, mas a realização das entrevistas também aconteceu

8

Duas das meninas passaram a fazer hemodiálise em outro hospital, pois uma delas recebeu alta médica para o transplante que infelizmente não se sucedeu bem e a outra menina foi transferida da unidade após solicitação da mãe justificando que no outro hospital poderia contar outras especialidades médicas para atender à filha. Além delas, um menino foi transferido para outra unidade hospitalar, pois passou a fazer diálise peritoneal. Estas mudanças fazem parte da rotina de pessoas que necessitam de terapia renal substitutiva e que almejam um transplante renal.

em outros espaços tendo em vista as questões estruturais e especialmente as necessidades específicas de cada um deles.

Com algumas das crianças e adolescentes que participaram da pesquisa, foi possível fazer uma parte da entrevista no momento em que os mesmos estavam na hemodiálise, pois as intervenções pensadas para estes sujeitos eram compostas de algumas outras estratégias tais como, jogos e desenhos, que demandaram de maneira geral, ter mais de um encontro com cada um deles, deixando a conversa para ser feita em espaços que pudéssemos ter mais tranquilidade tanto para ouvi-los, quanto para que os participantes se sentissem a vontade para falar sobre o que quisessem, sem muito barulho e necessidade de intervenções que são típicas do ambiente da diálise.

Esta forma de organização foi possível por conhecer um pouco da dinâmica que se dá neste espaço, quais os sujeitos que faziam parte deste processo e que participaram da pesquisa, como também das dificuldades que poderia enfrentar na execução das entrevistas por considerar todas as questões estruturais do ambiente e da necessidade de buscar uma forma que também garantisse o rigor de uma pesquisa e sem muitas interferências que pudessem “contaminar” o conteúdo das mesmas.

A esse respeito, vale aqui trazer algumas considerações sobre a interferência do espaço, no caso aqui, do hospital, apresentados no artigo de Perosa e Gabarra (2004) sobre as explicações das crianças a respeito da causalidade das doenças. Os autores pressupõem que a hospitalização interfere nos resultados pelo “stress” que acarreta, mas por outro lado, a internação é o momento em que a criança recebe mais informações e questionamentos sobre a doença, para tanto, deve-se considerar que as explicações elaboradas durante a internação, podem apontar singularidades que merecem ser consideradas. Sendo esta, uma situação muito próxima da que faz parte do dia a dia dos pacientes da hemodiálise.

No contexto desta pesquisa, o espaço em que as crianças/adolescentes realizam hemodiálise periodicamente três vezes por semana, atualmente está organizado em uma sala relativamente pequena e que comporta quatro pontos de diálise9, tendo também outra sala (sala 3) em que às vezes é utilizada para que os pacientes possam realizar a hemodiálise neste espaço, quando necessário. Dessa forma, procura-se dividir igualmente o quantitativo de crianças em dois grupos, sendo um grupo que realiza o tratamento nos dias de segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira e o outro grupo que está presente nos dias de terça-feira, quinta-feira

9

Pontos de diálise é uma forma comumente usada para identificar a unidade formada pelo conjunto de poltrona e máquina em que permanece o paciente para realizar a hemodiálise.

e sábado, ambos no turno matutino, das 7 horas até aproximadamente às 11 horas, sendo deste modo, uma média de 4 horas de diálise a cada sessão por paciente.

Nesta sala, após a porta de entrada, encontra-se do lado esquerdo um balcão que é utilizado pelos enfermeiros e técnicos e logo após, outra porta que dá acesso a outra sala relativamente pequena onde ficam as médicas nefrologistas pediatras que estão de plantão para dar assistência aos pacientes em diálise e aos demais que podem estar em internamento ou que veem para consultas médicas. Do lado direito da sala, estão distribuídos os três pontos de diálise e ao fundo da sala encontra-se mais um. Nesta sala, há também uma televisão que geralmente fica ligada para as crianças e seus acompanhantes assistirem enquanto passam pelo processo hemodialítico, além de duas pias para fazer a higienização e alguns bancos distribuídos ao lado de cada paciente para serem utilizado geralmente pelos seus acompanhantes.

Imagem 9 – Sala de hemodiálise

Fonte: Própria autora

Tendo em vista esta organização, faz-se necessário apresentar aqui quais são algumas das ocorrências comuns neste espaço, para que assim, possamos visualizar os motivos pelos quais em determinados momentos foram tomadas alguma decisões em relação à forma como, quando e onde foram realizadas algumas das entrevistas. No momento em que os pacientes

estão se submetendo ao tratamento de hemodiálise, eles encontram-se em um leito, ligados a uma máquina que exerce a função que o rim deveria fazer ao remover do sangue a água, sal, ureia, potássio dentre outras substâncias e que consiste na circulação do sangue que é transportado para a máquina e devolvido ao organismo após ser filtrado para a sua purificação. Isto requer um esforço muito grande por parte do paciente, especialmente na criança, o que geralmente causa hipotensão, fadiga, mal estar, sonolência, etc.

Além disso, alguns procedimentos são muito invasivos e as crianças e adolescentes, geralmente sofrem muito com a perda de acesso e com os processos infecciosos no cateter. Essas são algumas das problemáticas vividas por estas crianças e consequentemente por seus pais que acompanham diariamente o sofrimento dos filhos e que lançam mão de muitos aspectos da sua vida para garantir a sobrevivência dos mesmos.

Os profissionais que compõem a equipe multiprofissional do serviço da hemodiálise geralmente são compostos por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais, além dos auxiliares da higienização, da administração e da equipe de professores da classe hospitalar (todavia, o atendimento pedagógico aos alunos pacientes não é geral, sendo que algumas unidades de hemodiálise não dispõem deste serviço). O trabalho de todos estes profissionais em um mesmo ambiente para prestar assistência aos pacientes é bastante intenso, sem contar que diariamente os estudantes dos cursos de graduação e os residentes (geralmente médicos, enfermeiros, nutricionistas e etc.) participam de atividades práticas neste espaço, o que de maneira geral, é marcado pela grande movimentação destas pessoas no mesmo ambiente.

Cada paciente tem um acompanhante, que no caso das crianças, permanecem junto a elas ou circulam no espaço durante as quatro horas da hemodiálise. Na maioria dos casos, esses acompanhantes são as mães destas crianças. Estas mães estabelecem entre si uma relação muito próxima, isto por causa da convivência diária, pela necessidade de compartilhar angústias comuns em decorrência das experiências com a doença dos filhos, pela cooperação e relação de troca de favores no que se refere à busca de medicação e de resultados de exames em outras unidades hospitalares e clínicas, onde umas pegam para as outras, ou servem de companhia para irem juntos enquanto as crianças estão no tratamento e pela ligação que estabelecem, através da religião e da fé que as mesmas mantêm em comum, realizando orações e discursos religiosos naquele espaço, como forma de expressar a fé e o conforto que sentem ao se apegar ao que creem.

Tanto o movimento dos profissionais (de saúde, da administração e da higienização), dos residentes e dos estudantes de graduação na área da saúde, quanto dos acompanhantes que

circulam e conversam neste espaço, foram aspectos que não puderam ser desconsiderados ao se pensar na forma de como seria realizada a pesquisa de campo, sendo este movimento, parte do processo que constitue a rotina da sala de hemodiálise pediátrica do hospital. Esta situação retrata um pouco do que me levou a pensar que para a realização do contato individual na pesquisa com os participantes, especialmente com as crianças/adolescentes, seria necessário que houvesse disponibilidade do pesquisado para que as entrevistas acontecessem em horários e locais outros que não o da hemodiálise.

Tempo e espaço foram especialmente algumas das questões que tivemos um pouco mais de dificuldade em ajustar apesar da colaboração e boa vontade de todos em participar e da facilidade em transitar tanto no hospital, quanto nos outros espaços em que se encontravam alguns dos pacientes que participariam da pesquisa, mas que foram transferidos para outras unidades.

Em relação ao tempo, houve situações específicas daqueles que moram em cidades do interior e que precisavam após a diálise fazem várias coisas até o momento da sua viagem de retorno junto ao carro da secretaria da saúde que os transportavam. A exemplo desta situação tivemos dois casos, um de uma entrevista em que a criança que estava sendo entrevistada demonstrava um pouco de ansiedade por saber que o carro o aguardava para retorno após a diálise em um dia de sábado e outro em que ambos os participantes – criança e mãe – tiveram que sair do local em que realizavam, juntamente comigo, a entrevista e retornar rapidamente para o hospital, pois o motorista do ônibus e outros passageiros (pessoas que são da mesma cidade e que também utilizavam o transporte da secretaria da saúde para vir à capital afim de realizar tratamentos, fazer consultas, etc.) os aguardavam para retorno a sua cidade.

Com estes casos, quero dizer que o fato das pessoas morarem em outras cidades e só virem para a capital nos dias da hemodiálise e retornarem após o término, também deve ser considerado, pois esta prática comum a eles faz parte do contexto vivido na realidade expressa pelos mesmos e de alguma maneira causou certo desconforto aos participantes que sabiam do compromisso com o horário, tanto para não fazer os outros passageiros aguardar, quanto pela própria ansiedade em retornar a sua residência. Tendo em vista que o conteúdo das informações poderia ser afetado por conta deste fator, procurei deixá-los bem a vontade para que acertássemos um melhor horário e para fazermos a entrevista em mais de um momento quando necessário.

Em relação ao espaço, também foi preciso que ajustássemos o melhor local para a realização da entrevista que aconteceu em vários lugares que fossem mais bem adequados e que proporcionasse mais tranquilidade ao acessá-los. Em vista disso, nossas entrevistas

aconteceram em enfermarias desocupadas e cedidas pela enfermagem, sala em que guardamos os materiais da Classe Hospitalar dentro do próprio hospital, residência de uma das crianças na própria cidade, residência do pesquisador, leito da hemodiálise, corredor do hospital, copa do setor de nefrologia do hospital e outros lugares dos outros dois hospitais em que se encontravam três das crianças e adolescentes em que haviam sido transferidos para outras unidades de tratamento.

Todo este trabalho de entrevista e observação só foi possível após o consentimento e posse do documento de autorização do Comitê de Ética do Hospital. A aquisição deste, demandou tempo e esforço para reunir vários documentos de anuência, tanto da coordenação da Classe Hospitalar, junto à Secretaria de Educação do município, quanto da gestão responsável pelo setor de nefrologia, que não é a mesma das outras especialidades de atendimento do hospital que são feitos diretamente com a Secretaria de Saúde do estado da Bahia, sendo apenas o serviço de nefrologia realizado por uma empresa privada que contrata pessoal e administra o serviço.

Este trabalho de campo acontecia em momentos destinados à pesquisa que, por sua vez, eram previamente combinados com os participantes sem que comprometêssemos os atendimentos pedagógicos que eu ainda fazia com uma aluna/paciente permanentemente e com os demais apenas em situações que fossem necessárias, pois concomitante ao período da pesquisa de campo, combinei com a coordenação do trabalho da Classe Hospitalar para que minhas atividades fossem reduzidas neste espaço e, a partir daí então, as crianças e adolescentes que eram atendidas apenas por mim, passaram a receber atendimentos de outra professora.

Isto foi muito importante neste momento da pesquisa, pois tive a oportunidade de lançar um olhar específico, buscando conhecer mais profundamente as vivências e percepções das crianças e adolescentes com IRC, a partir de um embasamento teórico e ético no sentido de responder meus questionamentos para compor este trabalho, considerando-se o que havia sido proposto no projeto inicial de pesquisa e das questões importantes que foram surgindo no campo.