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3.1 EXPERIÊNCIA, CUIDADO E SELF: implicações na escolarização da

3.1.1 Experiência

O que os participantes desta pesquisa trouxeram em suas narrativas e respostas às perguntas sobre que vivenciam, só foram possíveis, a partir de suas experiências no contexto da doença renal sendo construídas em seus percursos, possibilitando-lhes elaborações acerca do vivido em seus sentimentos e na forma como veem o mundo e as coisas. Não basta apenas apreender o que quer dizer determinado aspecto que envolve a doença em seus procedimentos e conceitos, que cientificamente foram embasados e organizados, pois para as pessoas que convivem com a doença renal, todas as circunstâncias que fazem parte do seu contexto, colaboram no que elas passam a pensar e a sentir sobre a sua vida.

John Dewey, filósofo da Educação da era moderna em sua obra: Experiência e Educação (2011) nos escreve sobre a importância da qualidade da experiência e da sua relação com a educação na vida das pessoas. A experiência para Dewey está relacionada a todas as ações humanas em suas transações entre o físico e o humano. Ele nos alerta da necessidade de uma teoria da experiência e antes de avançar no entendimento da educação que deve ter como base uma teoria da experiência “a fim de que a educação possa ser

conduzida de forma inteligente com base nela” (DEWEY, 2011, p. 33) é importante entender os princípios desta teoria.

Partiremos da ideia do “princípio da continuidade da experiência como um critério de discriminação” (DEWEY, 2011, p. 33), pois para decidirmos sobre algo, consultamos sempre as nossas experiências sobre o que se deve ser ou não preservado para, então, avançar na tomada de novas decisões que dependem da qualidade da experiência que se tem. Dewey (2011) considera dois aspectos da experiência, sendo o primeiro “o aspecto imediato de ser agradável e desagradável e o segundo o aspecto que diz respeito a sua influência sobre experiências posteriores.” (DEWEY, 2011, p. 28).

Tendo em vista esta teoria da experiência, vimos em Dewey a ideia de que a experiência prepara aquele que a experienciou e sendo elas consideradas, aperfeiçoa-se para novas experiências superiores com novas formas de ver e viver as situações que se apresentam, pois a experiência é histórica, garantindo ao sujeito um acúmulo de conhecimentos vividos.

Schutz (2012) nos traz a ideia da experiência significativa. Segundo ele, as fases da experiência iniciam-se, a partir da passagem de situações vividas para depois serem “apreendidas, distinguidas, colocadas em relevo, diferenciadas umas das outras” (2012, p.75) para que passem a ser experiências constituídas e que ao final sejam consideradas pelo sujeito de maneira apreendida ou refletida, a partir do que se pensou na situação vivida mediante a sua reflexão. Nessa relação de vivência para experiência, o autor considera que:

Somente do ponto de vista do olhar retrospectivo é que existem experiências bem distintas. Apenas o que foi experienciado é que é significativo, e não aquilo que o está sendo. Isso porque o significado é meramente uma operação de intencionalidade que, no entanto, só se torna visível a partir de um olhar reflexivo. Do ponto de vista da experiência que está acontecendo, a predicação do significado é algo necessariamente trivial, dado que o significado pode ser entendido apenas como foco de atenção direcionado para uma experiência passada, e não para uma experiência em curso. (SCHUTZ, 2012, p. 76).

Portanto, mesmo que a pessoa esteja vivendo uma determinada situação como é o caso da doença crônica, ela em seus relatos nos apresenta considerações do que apreende na vivência com a doença crônica a partir do que vivenciou, resgatando seus primeiros sentimentos do contato inicial com a doença e seus percursos na elaboração do que realmente pensa daquela situação que o acompanha, pois “cada fase da experiência se funde com a seguinte sem limites bem definidos enquanto ela está sendo vivida.” (SCHUTZ, 2012, p. 75).

Jorge Larrosa (2011) conceitua a experiência como sendo “isso que me passa” e não isso que passa. Esta forma de colocação das palavras denotam circunstâncias diferenciadas e que corroboram com o que aqui foi trazido a partir das ideias de Dewey e Schutz, em que ambos falam da preparação na experiência vivida para marcar o significado apreendido. Neste sentido, Larrosa formula alguns princípios para o conceito de experiência ao explicar cada termo de “isso que me passa” em suas várias dimensões, que segundo Larrosa (2011, p. 8):

Temos, então, até aqui, várias dimensões da experiência.

- Exterioridade, alteridade e alienação têm a ver com o acontecimento, com o que é da experiência, com o isso do “isso que me passa”.

- Reflexividade, subjetividade e transformação têm a ver com o sujeito da experiência, com o quem da experiência, com o me de “isso que me passa”. - Passagem e paixão têm a ver com o movimento mesmo da experiência, com o passar do “isso que me passa”. (LARROSA, 2011, p. 8).

Estes princípios nos fazem entender que a experiência é algo reflexivo, não nos passa sem ser refletido de maneira que nos afete pelo que é vivido sem ser marcado por ela. Para Larrosa (2011), todo conhecimento produz efeitos em quem o vivenciou, não sendo possível os outros sentirem o que não lhes aconteceu apesar de cada ser sentir a sua maneira com o que mais lhe toca mesmo que determinadas coisas não tenham significado. Com isto, pode-se trazer o exemplo de crianças e adolescentes em hemodiálise, que vivem a mesma situação, mas com significados e percepções que em alguns momentos não são singulares em suas experiências. Neste sentido, Larossa (2011, p. 7) considera que “a experiência é, para cada um, a sua, que cada um faz ou padece sua própria experiência, e isso de um modo único, singular, particular, próprio.”

Duas considerações sobre a experiência a partir de Dewey (2011) merecem destaque. Uma é a de que ele considera que as condições temporárias vividas por uma pessoa podem modificar e se fixar por todo o seu processo educacional, e a outra é a ideia de que pais responsáveis proporcionam ordem para as necessidades na vida de seus filhos. Ambas as considerações aparecem no contexto de vida da pessoa que, desde a sua infância, foi acometida por doença crônica, por considerar que os pais precisam estar atentos ao processo educacional, pois suas decisões podem advir sobre a escolarização dos filhos, de forma mais ou menos desenvolvida, tendo em vista os seus percursos e escolhas.

Giddens (2002) aborda a questão do que ele chama de segregação da experiência relacionada à situação de doença como sendo a separação do indivíduo de suas condições de vida cotidiana e que podem gerar questões existenciais perturbadoras tais como, dúvidas em

relação à vida, ao mundo material e ao sentido de tudo isto para aqueles que lutam no contexto da doença.