• Nenhum resultado encontrado

3.1 EXPERIÊNCIA, CUIDADO E SELF: implicações na escolarização da

3.1.2 Cuidado

O cuidar é uma ação que não foge à natureza humana. O cuidado consigo mesmo, com os outros e com o ambiente são essencialmente os modos de ser (do) humano (AYRES, 2004), pois o homem é um ser que estabelece relações que envolvem os cuidado sem sua existência desde quando nasce, necessitando destes para a sobrevivência, no seu desenvolvimento e no percurso em busca da realização de seus projetos de vida, inicialmente, objetivados por quem cuida e construído em si mediado pelo outro.

Este cuidar de si e do outro, implica no cuidado da totalidade humana, que é “cuidar de sua saúde física e mental; é responsabilizar-se pelo bem estar de si e do outro; é prevenir-se do ponto de vista material, cultural e intelectual” (COPALBO, 2011, p. 39). Esta relação de cuidado entre um eu (quem cuida) e um outro (quem é cuidado) demanda dedicação de quem cuida ao que o outro necessita na sua fragilidade, bem como na responsabilidade perante o outro que requer tal cuidado.

Martin Heidegger em sua obra Ser e Tempo (1986) nos apresenta o estado básico de cuidado, o Dasein (ser aí) que corresponde ao ser-no-mundo e que é definido como o “próprio ser do ser do humano” (AYRES, 2004, p. 21). Esta unidade original que, por Heidegger, é chamada de ser-no-mundo é constituída pelos níveis de experiência e pelo estado de cuidado que são indissociáveis, sendo o relacionamento consigo mesmo, uma característica particularmente humana (MARTINS, 2006).

Dessa forma, a situação de doença renal crônica na infância e o contexto da hemodiálise exigem que a pessoa com a doença se relacione de diversas formas no cuidado de si, necessitando também do cuidado do outro, quer seja da família ou da equipe de saúde que o acompanha. No enfretamento com a doença, tanto a criança/adolescente com IRC, quanto seus cuidadores, apreendem e agregam em si novas formas de cuidados: o do doente que ocupa-se de si, e o de seus cuidadores que ocupam-se especialmente de cuidar do outro, mas que também por vezes necessitam de cuidado.

Neste sentido, podemos pensar como Bicudo (2011) quando se remete à obra Ser e Tempo, mais precisamente na parte em que Heidegger intitula “A cura como ser de pré- sença”, assim o autor concebe que somos cura enquanto vivemos. Para ele, a presença como

cura é caracterizada pelo movimento de ocupação e preocupação, sendo esta cura, estabelecida como cuidado.

Ayres (2004) que tem como base a perspectiva heideggeriana, nos ajuda a entender o cuidado, a partir da ideia de projeto. Neste sentido, o indivíduo, na intenção de alcançar determinados projetos pensados para a vida, assume e mantém cuidados que o levarão à realização dos projetos idealizados, mas o rompimento de determinados projetos em detrimento de uma doença implica em buscar um novo modo de ser para a realização de um projeto com um “horizonte normativo que enraíza na vida efetivamente vivida” (AYRES, 2004, p. 21)no sentido mesmo de uma reconstrução que demanda novas formas de cuidado, atribuindo significado ao sentido que as coisas passam aos poucos a fazer para ele.

A ideia do cuidado no sofrimento deve ter como postulado a relação entre o eu (quem cuida) e o outro (quem precisa de cuidado) concretos (REIS; OLIVEIRA, 2011). Neste sentido, o cuidado deve estar baseado em uma conduta ética, ou seja, uma relação desinteressada com o outro, em uma via de afeto, de sentido e de sensibilidades.

O cuidar é um encontro com o outro que exige, portanto, respeito e afeto. Na relação entre o doente que necessita de cuidado e seu acompanhante, o cuidado não pode limitar-se à assistência e ao tratamento apenas, pois essa escuta perpassa pela atenção para com o outro, permitindo assim ouvir o outro em seu sofrimento e singularidade, buscando nessa relação de cuidado, aproximar-se dele para não anulá-lo ou diminuí-lo, mas sim, atender ao que este necessita em sua integralidade.

A experiência do acompanhamento para mães que estão lado a lado com o filho no enfrentamento da doença renal é uma responsabilidade junto ao doente pela manutenção da vida sem esperar reciprocidade na atenção e cuidados dispensados ao mesmo. Assim, assumir o compromisso com as idas às sessões de hemodiálise em meio às dificuldades que cada um enfrenta, bem como a atenção constante ao que o paciente com a doença renal necessita numa relação de ocupação e preocupação que se dá também da própria pessoa consigo mesma.

Vale destacar a definição de Foucault (2006) sobre o cuidado de si que está relacionado a ocupar-se consigo mesmo, preocupar-se consigo mesmo. Pois para ele, “o cuidado de si implica uma certa maneira de estar atento ao que se pensa e ao que se passa no pensamento.” (FOUCAULT, 2006, p. 14). Ambos tratam do cuidado, a partir da própria condição do indivíduo relacionada ao mundo e à cultura de si em suas relações. A partir dessa perspectiva, a terminologia cuidar de si refere-se “a qualquer ser humano que se conscientize de suas necessidades para viver e busque formas adequadas para tal.” (AYRES apud THOMÉ, 2011, p. 50).

Com isso, pode-se pensar, também, na ideia do cuidado de si por parte das mães que cuidam de seus filhos, pois a forma como elas são vistas ao cuidarem de seus filhos importam uma imagem que as deixam tranquilas pela crença do papel que exercem (GOFFMAN, 2011).Ou seja, do cuidado presente sempre na vida destas mães e de seus filhos com a doença, quer seja no hospital, em casa, na rua, na escola, pois o cuidado de si e do outro são para estas pessoas essenciais nos modos de ser e de conviver.

Corpo e cuidado mantém uma relação indissociável. Os cuidados em relação ao controle da fisiologia do corpo para mantê-lo em funcionamento e contornar os perigos ao qual este está sujeito, são as condições essenciais na vida de uma pessoa com IRC. Condutas e hábitos rotineiros na vida destas pessoas é uma forma de vida que ocupa a existência na condição da doença desde quando ela passa a fazer parte da vida destas pessoas.

Em relação aos cuidados que fazem parte da vida da pessoa com IRC que realiza hemodiálise, pode-se destacar a fidelidade na realização da diálise periodicamente, o constante uso de medicações nos seus horários e dosagens ideais, a realização de exames bem como do seu acompanhamento, o controle na ingestão de líquido, a atenção em relação à dieta, o repouso necessário no sentido de poupar esforços não recomendados, a atenção aos sinais apresentado pelo próprio corpo, dentre outros.