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4 PERCURSO DA PESQUISA: DESCRIÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO

5.2 ESCOLARIZAÇÃO NO CONTEXTO DA DOENÇA

5.2.3 Relação escola X doença

sento com ela, é ensino ela a fazer as tarefa, eu ensino ela a ler, então ela tem uma irmãzinha que ajuda muito, aí na escolinha da hemodiálise eu acho que ela tá desenvolvendo um pouco, porque antes ela era uma criança que não queria fazer nada, mas agora ela já tá começando a fazer. (mãe de Laura)

Mesmo sem apresentar muitas dificuldades e esforçar-se para não deixar de frequentar a escola, a mãe de Marcelina expõe como ao seu modo contribui com a aprendizagem da filha e como a professora da escola avalia o desempenho da aluna diante de suas faltas por conta dos internamentos em decorrência da doença:

Eu ensino, eu que sou a professora da banca dela, sempre fui. Gritando, por isso que hoje sabe ler e escrever. Eu que digo que sou a professora da banca porque a banca você paga e o menino faz o dever se quiser que tem banca assim, então eu que ensino os dever a ela desde quando ela foi pro infantil, entrou nos colégio, eu que ensino os deveres dela. E ela sempre foi muito bem na escola, quando tem reunião, aí elas me chama, sempre falava dela, disse que ela era uma aluna boa, pegava tudo no ar. Aí a professora dela disse: como agora mesmo que a senhora tá vendo mãe, que ela tá fazendo o tratamento e passou quatro mês e três dias presa, morando dentro do hospital e ela veio e fez prova que menino que tá vindo a semana toda perdeu nas prova e ela não. Então ela disse que ela é inteligente, uma boa aluna. (mãe de Marcelina)

5.2.3 Relação escola X doença

Entender as necessidades de crianças e adolescentes com doença crônica para, a partir daí, garantir a assistência plena em saúde e educação é importante para o caminhar de todos os processos que os envolvem, pois nem sempre o que pode ser realizado com todos é possível acontecer da mesma forma com a criança ou adolescente que tenha determinados tipo de doença, exigindo-lhes cuidados que se não acontecem podem colocar a vida destes acometidos em risco. Assim acontece com quem possui a Insuficiência Renal Crônica, especialmente com o trato na escola junto aos colegas e aos demais integrantes deste espaço.

A relação de diálogo entre a escola e a família da criança é de grande importância, pois faz-se necessário haver um entendimento do que é a doença, dos cuidados, por causa da hemodiálise, explicando como funcionam, qual a medicação que a criança usa diariamente e que pode ocorrer em horário da aula, os cuidados em relação ao acesso da diálise e à alimentação. Este diálogo, às vezes, ocorre de forma tranquila ou ainda de maneira muito tímida, mas também pode não acontecer da maneira como desejada.

Na descrição feita pela mãe de Marcelina, a escola além de acolher e ajustar-se aos horários da aluna, mantém um cuidado especial em relação ao controle da ingestão de líquido

por entender que este cuidado é necessário no caso da pessoa com doença renal e ao que é permitido comer, demonstrando também uma preocupação em relação à alimentação saudável. De acordo com as informações da mãe, a escola não possui espaço disponível para as crianças correrem, sendo assim, a possibilidade de acontecer um acidente que ofereça riscos em relação ao cateter é bem menor do que se houvessem brincadeiras com muitos movimentos. A menina interrompe, em alguns momentos, a fala da mãe para acrescentar ou corrigir alguns aspectos que são ditos sobre a escola ao longo do relato:

A escola já sabe de tudo. Que a dona da escola tem a apostila que eu dei. Ela não bebe água na escola, se ela levar uma garrafinha assim, porque elas (se referindo a equipe médica ou a nutrição) disse que ela podia tomar guaraná branco, se ela levar a garrafinha, aí a professora dela vai e toma da mão dela e só dá 30 ou 50 ml, porque ela urina, então ela, esses 50 ml sai no suor e na urina, então ela num pesa muito sobre água. E a escola toda já sabe que ela é assim, e às vezes tem uns colega que fica brincando, pulando, eu disse a ela: não fique no meio que você... porque ela fica no meio, a gente sabe que menino gosta de brincar e dá tombo um no outro e pode dá tombo nela. [...] É natural. Ela vai chegando, bota a mochila dela, eles: senta aqui Lina, os colegas: sente aqui! Aí ela senta na cadeira dela. Na hora do recreio não tem porque a escola é, a escola não tem área pra correr, (a menina grita de longe: tem sim!) é assim, só tem uma área pequeninha, um corredor que é isso aqui ó (mostrando o tamanho, tendo como base o espaço em que estávamos), dessa largura o corredor da escola, num tem como correr porque as mochila fica tudo numa pilha nos corredor, cada um com suas mochila, aí não tem como correr, tem uma área logo que é a saída da rua que fica um lugarzinho, um negócio de escola, aí ela.. e a sala dela é uma sala pequena, não dá pra ninguém pra se é, correr dentro de sala, merenda todo mundo sentado ali com suas merenda, ninguém troca merenda, porque tem colega que num pode comer salgadinho, num pode comer, tomar guaraná, num pode comer o que não deve. Tem o dia da fruta, cada um tem que levar fruta, a fruta que você come é pra trazer, que é dia de terça-feira, (a menina interrompe e diz: mas ninguém leva), mas ninguém leva, que eu dei a fruta, aí alguns que leva, alguns não, ai fica todo mundo sentado, falando um com outro ali, quando tem uma briga, a professora dá pra ver todo mundo, porque a carteira da professora é aqui e o aluno ta aqui, é bem pequeno, em cada sala tem... acho que na sala dela tem 12 (a menina interrompe novamente e diz: 12 nada é 24), 24 na sala dela, na sala do primo dela tem 12, de tarde que tem mais que é alfabetização. (a menina diz: mas não vai quase ninguém na minha sala porque é toda apertada!). (mãe de Marcelina)

A partir do destaque trazido pela mãe de Marcelina em relação a merenda escolar, é possível compreender o quanto este aspecto tem considerável importância e que, muitas vezes, não é muito discutido em educação. O momento da merenda na escola, algumas vezes, é um dos mais aguardados, pois depois dele, vem o descanso, a recreação e o lazer, sendo estes, marcados pela interação e socialização entre os alunos, sem entrar na questão dos casos

que existem de crianças que vão para a escola em busca da refeição que, muitas vezes, não têm em casa.

Com isto, quero dizer que não se pode ignorar que a criança/adolescente com IRC e demais alunos que têm outras doenças crônicas tais como, diabetes, hipertensão, obesidade infantil, doença celíaca, dentre outras, convivem com as restrições alimentares e quando chegam ao âmbito da escola, muitas vezes não contam com o acompanhamento necessário, especialmente, pensando nos casos de escolas públicas que oferecem a merenda que tem disponível e que geralmente é a mesma para todos os alunos. Em alguns depoimentos que seguem, as questões relativas à alimentação e ao controle da ingestão do líquido, foram elucidadas nas falas, não da maneira adequada como aconteceu com Marcelina, mas de forma não tão esperada como informa a mãe de Adriano:

Mas o lanche... ele não vai participar do lanche da escola, porque eu não sei se é rico em quê; a verdura dele tem que ser fervida, mesmo sendo uma sopa ela vai estar muito rica em potássio e não pode. “Então, eu trago o lanche dele, vai estar na mochila. (mãe de Adriano)

Falando das experiências de quando ainda permaneciam na escola, mesmo estando com a doença, Daniel e Valéria, e suas respectivas mães, além das mães de Carmen e Laura que expressam o que necessitava de cuidados, quer seja quando ainda fazia diálise peritoneal como no caso de Laura, ou quando ainda não havia mudado de cidade como no caso de Carmen. Estes cuidados aconteciam, tanto por parte da professora e dos colegas, quanto por parte da própria criança, que necessitava ficar atenta ao que deveria fazer ou não, em situações tais como: atividades que o aluno não havia feito, brincadeiras que poderiam oferecer algum risco de acidente com o cateter, ajustes em relação à alimentação e atenção à possibilidade de acontecer algum mal estar por parte da criança com a doença. É o que revelam as falas:

A "pró" passava no caderno para mim e eu fazia. Eu fazia as duas (a que faltou e a atual). Porque no outro dia eu não ia, aí estava no outro dia, eu fazia a do dia anterior. (Daniel)

A professora sabe da minha doença, ela trata diferente, ela traz água pra mim, ela explica os alunos que não podia me bater, que não podia passar correndo por causa do cateter, ela explicou tudo. Os colegas perguntam, perguntam sim (sobre o cateter), fica perguntando pra mim, aí eu falo! Eu fico só com duas pessoas. Mas eu não fico mais não. Elas só ficam correndo, aí eu parei. (Valéria)

Eles cuidava dela lá. Eles sempre passavam um deverzinho trazia pra ela fazer em casa, ela trazia pras professora que acompanha ela na hemodiálise

pra mó de ajudar ela a fazer. Que nem, lá mesmo no Roberto Santos, a professora dava aula a ela, ela trazia o dever pra se ajudar a ela, ela sempre trazia atividade. (mãe de Valéria)

Todo mundo tava sabendo da doença dela, então assim, é... a cooperação foi de todo mundo assim, foi legal porque todo mundo se mobilizou pra tá cuidando dela, a preocupação deles era em relação ao cuidado com ela, assim: tinha um cateter, num sei o que lá... o cuidado, mas a única dificuldade que eu tive assim no início com ela na escola, foi em relação a alimentação, porque antes ela podia comer as coisas de escola e tudo mais, e depois que voltou, já não podia mais, e aí assim, eu comecei a usar de outros meios. Então assim, ela me disse assim: mãe, eu não quero ir pra escola, porque meus amigos podem comer tudo e eu não posso, aí eu comecei eu mesmo a fazer as coxinhas, as esfilhas, as coisas que eu sabia que ela comia da escola e que da escola ela não poderia, aí depois eu mandava o almoço, foi só nos primeiros dias que ela começou a sentir falta, mas aos amigos, as coleguinhas e a professora não teve... foi bem tranquilo.[...] Antes de terminar a diálise a professora me ligava e dizia assim: Mãe, Carmen vai vir? Então tô esperando ela. Então assim: Todo dia eles tinham esse cuidado, esperar ela, a comida dela, até a professora mesmo, ela começou a levar a comida dela sem o sal, porque se eu não mandasse alguma coisa, se Carmen quisesse mais, ela dava dela pra Carmen. (mãe de Carmen)

Tratava igual os outros, mas assim, tratava ela com mais cuidado, ela ficava sentada perto da professora, não deixava ela brincar com nenhuma outras crianças, por causa do cateter da barriga. Tinha o máximo de cuidado com ela. (mãe de Laura)

Então, na cabeça dele, ele já não é tão diferente, que quando ele está no meio, então ele quer jogar bola. Tem uns amiguinhos que ficam com cuidado, “Oh, Daniel, você não pode jogar, não!”, ou senão “Daniel, você vai jogar na posição X para ninguém bater em você”. Então, na última escola os amiguinhos tinham esse cuidado com ele. “E eu vou ficar parado, professora!”, “Mas, Daniel, você tem um cateter...”, “Pró! Mas eu quero jogar!”, e aí os amigos se organizavam e iam deixar ele para ficar um pouco mais protegido.[...] Então amadurece, querendo ou não, vem a doença, vem todo um tratamento, problema, uma conscientização, que é desde menor, então tem que se conscientizar em relação à alimentação, às limitações e aquele negócio todo. Aí cai na questão da escola, porque ele, no meio dos meninos, ele quer ser igual. (Mãe de Daniel)

Davi continua matriculado e mesmo com pouca frequência à escola, a situação dele não parece estranha a todos da escola, pois pelo fato da diretora ser tia dele, há o conhecimento e uma atenção maior quanto aos seus cuidados:

A diretora já é tudo na escola. Então ela já sabe do problema dele já. Às vezes, ele vai, ai sente uma dor de cabeça, aí ele já manda a ele vir para casa, que pode ser que senta mal, então, tem que ir para casa. (mãe de Davi)

Daniel, em seu depoimento, confirma a informação da mãe quando relata suas experiências positivas sobre a escola ao destacar a relação de amizade que mantinha com a professora e os colegas, o que gostava de fazer na escola e os cuidados com a alimentação, o cateter e a forma como reagia ele diante das perguntas dos colegas em relação ao pescoço que era enfaixado para proteger o acesso da hemodiálise:

Eu gostava muito (de ir para a escola), gostava mais da "pró", gostava de conversar. Conversar… às vezes, eu conversava na aula e de estudar também. Era igual (se referindo ao tratamento que a professora dava a ele em relação ao dos colegas). Só, só para ninguém bater em mim. Mas o resto era tudo normal. Só pra comer, às vezes, eu trazia um lanchinho de casa. Só às vezes que falavam do cateter, isso chamava a atenção (dos colegas). Perguntavam se eu tinha machucado o pescoço. E eu dizia que eu fiz uma cirurgia (riso), não falava a verdade não, eu falava que eu tinha feito uma cirurgia. (Daniel)

Esta relação de diálogo, nem sempre acontece com todas as crianças e adolescentes, alguns são mais tímidos que outros e optam por calar-se quando não conseguem estabelecer uma aproximação maior com alguém em que se sente mais à vontade ou lhe possibilita abertura como nas situações relatadas por Valéria e sua mãe:

Só a diretora conversa sobre a hemodiálise. Ela pergunta o que é isso aqui (apontando para o pescoço), aí eu falo que é o cateter... ela disse também que quando eu não quisesse ir, que não era forçar ir não. Eu faço atividades, tem vez que eu leva provas pra lá pra casa aí eu faço em casa. Só tem vez que é muito aí eu peço a ela pra fazer um pouco e o outro fazer em casa. (Valéria)

Não, ela nunca falou sobre o problema dela na hemodiálise, muito calada assim. Não ela nunca falou assim, eu é que expliquei tudo, ela nunca disse não, ela é calada. Ela era distante, ela não acostumava muito não. (mãe de Valéria)

Situação semelhante é expressa pela mãe de Davi em relação ao filho:

Ele não é muito para colega não, porque os colegas dele, os meninos lá, como eu falei, fica zoando ele. E ele não gosta. (mãe de Davi)

Partindo do que cada uma experiência, as mães de Adriano e Daniel avaliam a atenção que deveria ser dada pela escola às especificidades dos seus filhos e falam da inclusão à pessoa com necessidades especiais, como é o caso de quem tem a doença renal em seus horários e cuidados:

Uma coisa que ele gosta (se referindo a escola). E preenchia também, porque hoje... ele, ele cobra. Fala “mãe, eu sinto falta da escola. No próximo ano eu vou estudar?” - sabe? - e aí você não encontra a escola, qual que vai tentar se adequar à realidade de um “renal”, onde está o poder

público para realmente interferir, mostrar um interesse maior? (mãe de Daniel)

Fora se tivessem as escolas preocupação com essas crianças. De ter de acordo com as condições deles, com o horário deles. Mas a gente acha que é mais complicado, não é? incluir, porque é uma inclusão a essas crianças. Porque eles têm limitação de horário, às vezes não tem como. Outra dificuldade que ele teve foi em questão a alimentação, ele não se alimenta cedinho. Se forçar, ele fica enjoado. Aí eu pegava o lanche... aí eu expliquei para ela: “Olha ele consegue se alimentar a partir de 08:00h. Eu perguntei na escola: É possível ele se alimentar, parar um pouquinho e fazer o lanche dele?” – “Ah não, o lanche é 10:00h!”. Mas não houve abertura. [...] Se ele der fome 08:00 ele pode?” - ela tornou a repetir e eu aí não insisti. Então eu acho que o dia que ele passou mal, foi porque ele estava com fome e teve que esperar muito. Aí tinha isso também tem prejuízo, porque ele tomava remédio cedo, na época ele ainda tomava alguns cedo, e depois ficava com fome até 10:00h. A questão é que a necessidade dele é diferente da dos outros. [...] Porque na escola que ele estudava antes, mesmo ele sem ter nada, quando eu mudei ele de escola que era 08:00h perto de casa, que ele ia com o pai, para a escola que pegava às 06:00h com a Kombi, ele levava o lanche. E a professora deu abertura para ele comer, na hora que ele desse a fome porque ele não tomava café cedo. Ela explicava: “Olha, o coleguinha vai fazer o lanchinho, vai comer o biscoitinho, porque ele não toma café cedo”. Aí ele sentado ali mesmo ele comia o biscoitinho, aí na hora do lanche ele parava e lanchava, ía na cantina e comprava um suco ou o que fosse, se fosse pra comprar lanche; Então dá essas condições, já aí (na escola municipal em que foi matriculado para frequentar às segundas, quartas e sextas) eu não encontrei essa facilidade. Com as necessidades diferentes dos outros, porque a alimentação, poder fazer, ou o horário de poder chegar ou sair dependendo do que tenha para fazer depois. Agora, não sei se for numa particular se consegue fazer, mas eu já acho que é muito gasto para pouco tempo de frequência. (mãe de Adriano)

Essa comparação feita pela mãe de Adriano entre as experiências que ele obteve na escola privada em que permitia essa abertura às necessidades do aluno e a escola pública que não permitia chegando a prejudicá-lo, foi um dos motivos pelo qual ela preferiu também que o filho abandonasse a escola e infelizmente passasse a pensar que há uma qualidade no trabalho da escola privada que não acontece na escola pública.