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CONDUTA MÉDICA E ESTABELECIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE

5. JUÍZO DE IMPUTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE

5.8 Causalidade hipotética/virtual

5.8.1 Contextualização

Questão tormentosa ao juízo de imputação é a existência de eventos distintos, em momentos subsequentes, ambos capazes de gerar o mesmo dano, tendo, entretanto, sido suficiente o primeiro que se implementou. O segundo evento, por sua vez, apesar de não verificado, é concebido como capaz da produção do mesmo resultado, caso o primeiro evento não tivesse ocorrido. Ambos os fatos possuem o potencial de incrementar o risco e levar ao mesmo resultado, mas apenas um foi, de

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fato, a causa do dano. É possível que a causa real tenha interrompido o processo da causa hipotética (também chamada de causa virtual), que já se encontrava em curso (causalidade interrompida) ou mesmo que a causa real nem mesmo permita o início do evento hipotético, pois acaba antecipando o resultado que a causa hipotética, por certo, também causaria (causalidade antecipada). O certo é que a causa hipotética levaria ao mesmo resultado e só não o fez, pela implementação da causa real.

Tais situações têm levado a tormentosas discussões na doutrina norte- americana, visto que colocam em cheque aquilo que por muito tempo se concebeu como o mais simples e preciso teste de averiguação da responsabilidade, chamado de “but for test” (se não fosse por isso...), que nada mais é do que uma formulação da teoria da equivalência dos antecedentes causais. Não bastará dizer-se que o fato em questão foi a causa do evento danoso; perquirindo-se se a exclusão de determinada conduta, excluiria também o resultado. Quando presente a causa virtual, ainda que o fato consumativo do dano não houvesse ocorrido, outra ação teria dado causa.564

Nos casos em que a causa hipotética já teve início em seu curso, mas é interrompida pelo advento da causa real (causalidade interrompida), deve o autor da causa virtual ser responsabilizado pelo dano que hipoteticamente teria causado? Em outras palavras, há de se conferir relevância positiva à causa virtual? Assim, tome-se o exemplo de um médico que receita medicação capaz de causar má formação do feto, para mulher que estava grávida, sem a inquirir de seu estado ou adverti-la nesse sentido. Contudo, antes que a má formação se implementasse, a paciente sofre um acidente e acaba abortando. Deverá o profissional responder pelo potencial dano ao feto que não se implementou?

No sistema dos danos punitivos (punitive dammages), há de fato a possibilidade de se conferir relevância positiva à causa virtual, de forma a punir aquele que teria causado o dano, não fosse a interrupção do nexo causal pela causa real. O mesmo não ocorre na tradição civilista, em que não se há de conceber a responsabilidade, sem a existência de um dano consequente de uma ação. Se a

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conduta não se fez suficiente causa para o evento danoso, não há de se falar em condenação com propósitos punitivos.565

De fato, a lição do sistema do commom law é tentadora e parece trazer resposta a certas incoerências. Devemos considerar a injustiça do autor de uma causa interrompida não responder pela sua ação que só não levou ao resultado danoso, em razão de novo evento ter dado causa ao resultado, visto que isso de nada retira a desvalia de seu ato. Poder-se-á se dizer que a solução é injusta também, porque dá vazão a tratamentos distintos a ações idênticas. Imagine-se que os médicos A e B, de forma negligente, acabam em suas atuações lesionando gravemente C e D, respectivamente, sendo ambas a lesões aptas a levar à morte. Entretanto, momentos

565 Em diversos dispositivos, todavia, tanto o Código Civil brasileiro como o português, conferem

relevância negativa à causa virtual, permitindo que, provado que o evento danoso se daria de qualquer modo, mesmo sem a ação do causador (causa real), seja este isento da responsabilidade. O Art. 399 do Código Civil brasileiro de 2002 (correspondente art. 957 do Código Civil de 1916), dirá que “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, ainda que essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, mas pode exonerar-se se conseguir comprovar que o dano sobreviria, mesmo que a obrigação fosse oportunamente desempenhada.” No mesmo sentido, dispõe o Código Civil português: art. 807 1: “pelo facto de estar em mora, o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que o credor tiver em conseqüência da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar, mesmo que estes factos lhe não sejam imputáveis. 2 Fica porém, salva ao devedor a possibilidade de provar que o credor teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo”. Também o Art. 1218 do Código Civil brasileiro de 2002 (art. 515 do Código Civil de 1916) dispõe que “O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante”. Em sentido semelhante, prevê o Código Civil português: “art. 616, n. 2: o adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda ou deterioração e teriam igualmente verificado no caso de os bens se encontrarem no poder do devedor”. O Código Civil brasileiro ainda prevê em seu Art. 667, §1º (artigo 1300, §1º, do Código Civil de 1916), que “o mandatário que substabeleceu sem o consentimento do mandante se exima de indenizar o prejuízo decorrente do caso fortuito ocorrido sob a gerência do substituto, provando que o dano teria sobrevindo, ainda que não tivesse substabelecido.” Também no Art. 862 (art. 1332 do Código Civil de 1916), que “se a gestão foi iniciada ou contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abstido.” No Código Civil lusitano, podem-se ainda encontrar os seguintes dispositivos: “491. As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiros, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.”; “Artigo 492, 1. O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com diligência devida, se não teriam evitado os danos”; “Art. 493, 1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com dever de vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provarem que nenhuma culpa houve de sua parte ou que os danos teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”; “Art. 1136, 1. Quando, porém, o comodatário a tiver aplicado a fim diverso daquele a que a coisa se destina, ou tiver consentido que terceiro a use sem para isso estar autorizado, será responsável pela perda ou deterioração, salvo provando que ela teria igualmente ocorrido sem a sua conduta ilegal.”

antes da consumação da morte de D, o mesmo é atingido por um raio e vem a falecer em razão da descarga elétrica. Imagine-se, ainda, que a casa de C foi atingida por um raio que, incendiando-a, teria levado C à morte, não fosse esta ter se dado já minutos antes, em razão do erro médico de A. Seria justo responsabilizar A pela morte de C e isentar B da responsabilidade da morte de D, quando ambas as ações possuem o mesmo conteúdo de reprovabilidade? A isso remete-se o brocardo ubi eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito).

De outro lado, quando a causa real antecipa o evento danoso que também teria sido provocado por uma causa hipotética (causalidade antecipada), questiona-se se o autor da causa operante poderá invocar a causa virtual para se liberar, no todo ou em parte, da sua obrigação de indenizar. Em outras palavras, há de se conferir relevância negativa à causa virtual? Pense-se no caso de um ortopedista que, realizando o procedimento de maneira imperita, acaba levando o paciente a óbito. Constata-se, entretanto, que a quantidade de certa droga ministrada pelo anestesista, culminaria na morte do paciente, de qualquer forma, posteriormente. Quem deverá responder? O ortopedista, o anestesista ou, quiçá, ambos?

Observe-se a exemplo o clássico caso da jurisprudência norte-americana, Dillon v. Twin State Gas & Eletric.566, em que um garoto em pé, no batente de uma ponte, veio a perder o equilíbrio e despencar de grande altura em direção das rochas abaixo. Contudo, antes de atingir o chão, foi pego pelos cabos de eletricidade do réu, que foram considerados imprudentemente alocados. A Suprema corte de New Hampishire entendeu que a queda ocasionaria a morte ou no mínimo sérias lesões, o que deveria ser considerado, não para isentar a responsabilidade da ré, mas para o montante indenizatório. Diferente, todavia, seria a mesma situação, se o construtor da ponte pudesse ser imputado como responsável pela queda em si, verificando-se existência de culpa deste.567

Na perspectiva do Direito anglo-saxão, em que a simples conduta imprudente de instalação indevida da rede elétrica é suficiente para ensejar o dever de indenizar,

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N.H. 449, 163 A. 111 (1932).

567 WAGNER. Successive causes and the quantum of damages in personal injury cases. In: 10 Osgoode

em face da necessidade de punir a conduta (punitive damages), a provável morte da vítima pela simples queda é considerada apenas para a redução do valor indenizatório, sem se conferir à causa virtual força suficiente para excluir a responsabilidade. Percebe-se que no sistema do punitive damages haverá relevância positiva da causa virtual, mas não negativa. O objetivo será sempre punir condutas eivadas de reprovabilidade social.

A discussão quanto à relevância da causa virtual existirá, quando presentes quatro pressupostos que devem ser identificados: 1) a causa real do dano não poderá ser um caso fortuito ou força maior; 2) correlação com dano efetivamente provocado pela causa real que deve ser suficiente para causar o resultado; 3) a causa virtual não pode ter contribuído para o resultado; e, 4) que se comprove que o dano teria, do mesmo modo, se implementado pela causa virtual não fosse a implementação da real.568

O problema da causa virtual abala, desse modo, os fundamentos da teoria da conditio sine qua non. Ainda que, na tentativa de conciliação, se afirme haver causalidade, quando o resultado se produz em um momento anterior àquele em que teria de qualquer modo ocorrido, se não fosse a ação do sujeito, como faz ALBERTO DÍAZ, o problema permanece sem explicação. Exemplifica o autor que, em caso de óbito de paciente por aplicação de alta dose de morfina, haverá responsabilidade, mesmo que se comprove que o paciente morreria um minuto depois, em razão da moléstia que padecia.569 Ora, é evidente a existência do nexo causal e a isso não é possível oposição. Mas, de outro lado, não será correto afirmar que “se não fosse pela aplicação da morfina, o paciente não teria falecido”, como é a construção do silogismo da teoria.

5.8.2 Teoria da diferença de valores (Differenztheorie)

Embora a maioria da doutrina negue a relevância da causa hipotética, crescente tem sido o número daqueles que defendem o necessário impacto no montante indenizatório. Ainda que a causa hipotética não tenha o condão de excluir o

568 Cf. SAMPAIO DA CRUZ. O problema do nexo causal na responsabilidade civil (2005), p. 349. 569

nexo de causalidade, é necessário que se verifique a diferença entre o valor do bem lesado, no momento da consumação do dano, e aquele que, de qualquer modo, teria, não fosse a causa direta que de fato produziu o resultado. A teoria da diferença de valores de origem germânica (differenztheorie) impõe o confronto da situação patrimonial efetiva e daquela hipotética.570

PEREIRA COELHO, citando exemplo de HECK, realiza curiosa manobra jurídica.

Imagine-se um cão que, envenenado por um terceiro, é, em seguida, morto por tiros de um caçador. Tomando-se a diminuição do patrimônio como critério de aferição do dano, o que se verificará, ao final, é a responsabilização daquele que envenenou o animal, pois nenhum valor mais tinha, uma vez envenenado e sujeito à morte, quando foi alvejado pelo caçador. A efetiva diminuição patrimonial foi causada pelo agente ministrador do veneno.571 Conclui COELHO que a responsabilidade deverá ser

averiguada, de acordo com a efetiva diminuição do patrimônio no momento da série causal interrompida, independentemente do seu seguro curso ulterior. Essa fórmula também poderá ser aplicada à perda de uma vida humana, pois, se a morte já era certa em razão da causa hipotética interrompida, a ação que se seguiu em nada incrementou o resultado (restando apenas o abreviamento do tempo de vida e eventual maior dano moral sofrido pela família da vítima) que, apesar de futuro, era certo.572

A mesma solução defende SAVATIER, inclusive tratando-se de vida humana. Para o autor, se a vítima de acidente fatal padecia de doença, também fatal, o que deve ser indenizado não é a retirada da vida, mas seu abreviamento, tomando-se em conta a projeção de sua expectativa de vida.573

No mesmo diapasão, ilustra COELHO que, se B sofre um dano de A, mas que C

igualmente o haveria causado, deverá A, em princípio, indenizar B na mesma medida do prejuízo sofrido. Contudo, se averiguado que B receberia valor menor do que aquele, justamente porque no momento da lesão de C o objeto lesado teria outro valor, A deverá ser condenado a pagar tão somente o quanto C pagaria. De forma

570

Trimarchi. Causalità e danno (1967), p. 174.

571

COELHO. O problema da causa virtual na responsabilidade civil (1998), pp. 48-50.

572 Idem, pp. 50-51. 573

sintética assevera que “A deve colocar B na situação hipotética em que ele se encontraria, no momento do cálculo do dano, se o seu facto não tivesse sido praticado”.574

Também nesse sentido caminha PONTES DE MIRANDA, indicando que o valor

material ou objetivo que se possa conferir ao bem, poderá, no caso concreto, ser superior ao interesse do proprietário (valor que é conferido pelo próprio lesado).575 Tome-se o exemplo de uma paciente que acaba sofrendo lesões graves em suas glândulas mamárias, obrigando-a à cirurgia de mamoplastia, para retirada da mama e substituição por prótese de silicone. Ora, poder-se-á argumentar que o dano se constitui na necessária alteração estética e conjuntiva, que terá implicações não só psicológicas como também na impossibilidade de amamentar um futuro filho. Contudo, averígua-se que a paciente já demonstrava interesse em substituir a mama por prótese, no intuito de evitar o câncer de mama, não nutrindo mais intenção de ter outros filhos (o que poderá ser comprovado por diversos meios, como cirurgia de mamoplastia já agendada e ligadura de trompas já realizada). Nesse caso, impera considerar que o dano infringido é de menor gravidade, visto que as expectativas do sujeito lesado não foram, em verdade, frustradas, mas que, no máximo, teve seus planos apressados e de forma, a se pesar, traumática.

NIEDERLÄNDER, posicionando-se contrariamente à consideração da causa hipotética, argumenta que o proprietário do objeto jurídico terá sempre o risco do crédito de uma futura indenização por um ato ilícito, mas não deve suportar também o risco da perda hipotética da coisa. Acrescenta que a não verificação de um dano, ainda que certo diante da causa hipotética e só inexistente em razão de fato posterior, não atribuível ao virtual causador de um dano, não poderá dar ensejo à responsabilidade.

574 COELHO, op. cit., p. 101.

575 Exemplifica o autor: “Se A é dono de prédio, com edifício, que vale cinco milhões de cruzeiros, mas

vai demoli-lo para no terreno construir casa de apartamentos, o valor – para A – é o do terreno (digamos: três milhões de cruzeiros), mais o material da demolição (digamos: trezentos mil cruzeiros). Se sobrevém incêndio, pelo qual responde B, pode B fazer a prova de que A já havia pedido às autoridades municipais a licença para a nova construção e contratado com as empresa demolidora a demolição. Em todo caso, o proprietário pode alegar e provar que mudara de vontade, tanto que, por exemplo, pré-contratara o aluguer do prédio, após reparação, ou alugara como se o seu valor fora de cinco milhões de cruzeiros ou mais. Entenda-se que somente prestando o valor conforme a atitude do proprietário tem o ofensor de prestar, a mais, as despesas já feitas pelo proprietário para a reedificação, se ficam sacrificadas, e o que ele sofrer de lucros cessantes pelo atraso das obras” (MIRANDA. Tratado de Direito Privado, v. 22 [1958], p. 210).

Nesse sentido, toma o caso de um motorista imprudente que não poderá ser responsabilizado, por pior que seja sua ação, por um atropelamento que não ocorreu, graças a uma intervenção de um terceiro. COELHO, em resposta a tais colocações,

aponta a possível incoerência em desconsiderar a causa hipotética para fins de quantificação do valor indenizatório e, ao mesmo tempo, permitir que o proprietário exija o maior valor da coisa em caso de futura valorização hipotética, além da indenização do lucro que teria tido com ela, do mesmo modo hipotético (lucros cessantes). Se se toma em consideração o curso hipotético das coisas, favorável ao lesado, o curso hipotético desfavorável deve ser igualmente levado em conta. Rebate ainda, dizendo que não discorda que a causa hipotética não possa ser considerada para a definição de um nexo causal hipotético. De fato ninguém deverá ser responsabilizado por um dano que não existiu. Contudo, havendo o dano, deverá a causa hipotética ser tomada em conta para o cálculo da indenização.576

Com efeito, não se pode ignorar que o valor da indenização resulta da diferença entre duas situações patrimoniais do lesado: aquela do momento do cálculo do dano e a situação hipotética do seu patrimônio, caso não existente a conduta real que obriga a reparar, também no momento do cálculo do dano.577 Desconsiderar tal argumento, levaria ao cálculo sobre um valor que o bem lesado de fato não teria naquele momento, proporcionando enriquecimento ilícito à parte lesada.

WAGNER relata que o entendimento que se tem consolidado nos países da commom law é de que se deverá manter a responsabilidade; contudo haverá controvérsia quanto à possibilidade de diminuição do montante indenizatório.578

Acrescenta NEUNER que importa também considerar as diferentes

consequências dos danos diretos e dos indireto, pois estes últimos, mais cedo ou mais tarde, se configurariam como consequência natural. Como exemplo de danos indiretos apresentam-se as despesas de funeral, que um dia se configurariam. LARENZ, que aceita

576

In COELHO. O problema da causa virtual na responsabilidade civil (1998), pp. 116-119.

577

COELHO. O problema da causa virtual na responsabilidade civil (1998), p. 126.

578 WAGNER. Successive causes and the quantum of damages in personal injury cases. In: 10 Osgoode

o pensamento de NEUNER, considera como danos diretos, nos casos de lesão corporal,

as despesas de tratamento e o dano moral sofrido pela vítima.579

5.8.3 Relevância da causa hipotética

O artigo 562 do Código Civil português parece dar abertura à teoria da diferença patrimonial, ao asseverar: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Observe-se que o valor do objeto danificado será medido de acordo com aquele que teria, por certo, não fosse a ocorrência do dano, o que significa dizer que, se o dano ocorreria de qualquer modo, não haverá o que indenizar ou, se algum dano ocorreria, esse deverá ser tomado em consideração. Para GALVÃO TELLES, a premissa é

lapidada pelo art. 566, n. 2, na medida em que explicita a diferença nos danos causados de fato pelo lesante. “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.” De onde se segue que a diferença que a lei manda ter em conta não deixa de existir, ainda quando seja certo que, mesmo sem o evento lesivo, danos equivalentes se produziriam.580

JACOBS, de outro lado, irá conferir relevância negativa à causa virtual. Acentua o autor que, como regra, as garantias normativas sempre se mantêm e não devem ser desconsideradas sob o argumento de que seriam infringidas de qualquer modo, pois com base nessas garantias é que todo sujeito deve orientar-se. Nenhum comportamento desaprovado ou que infringe um dever de autoproteção deve definir- se como inofensivo, simplesmente porque o dano se produziria por causa de outro comportamento não permitido ou contrário a um dever de autoproteção. A situação, porém, será outra, quando o procedimento a ser adotado previamente não teria dado resultados positivos. O autor cita o exemplo de um dentista que deixa de encaminhar o

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NJW, ano 1950, p. 493, apud COELHO. O problema da causa virtual na responsabilidade civil (1998), p. 142-145.

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