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A função da norma é, segundo LARENZ, a de captar os diversos acontecimentos da vida, descrevê-los e organizá-los de forma a garantir o princípio da igualdade. Nesse sentido, o processo de tipificação servirá para garantir o tratamento igual de fatos considerados iguais em uma valoração do objeto jurídico tutelado. O tipo não terá a

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O medico NOVAH MORAES alerta para o problema gerado na divulgação de pretensos erros médicos: “Ninguém ou pelo menos muito raramente alguém vai à imprensa elogiar um médico que com extrema devoção salvou a vida de um paciente, mas com extrema rapidez qualquer familiar procura o jornal ou televisão para acusar um médico do mau resultado do tratamento de um de seus entes queridos. Estas, sem averiguar a veracidade dos fatos e geralmente a vida por notícias escandalosas falsas procura denegrir a imagem do médico e por extensão generalizada atinge toda a classe médica. O alarde negativo costuma ser cruel condenando o acusado, sem o mínimo direito à defesa, e quando averiguado o equívoco, o reparo da condenação moral e da imagem do médico resume-se a duas linhas no local mais obscuro do jornal. Raramente encontra-se jornal como um de Brasília que em manchetes da primeira página confirma ter errado e com a mesma ênfase repara o erro. Os demais esperam a condenação pela justiça para fazê-lo, mas tergiversam até o último momento. Conscientes dessa responsabilidade os Ombudsman dos jornais deveriam recomendar cursos de esclarecimentos rápidos para todos os jornalistas se inteirarem do assunto e não cometerem levianamente equívocos irreparáveis para os médicos e alimentarem esperança vã para o leitor, dando guarita a queixas improcedentes sem antes fazer uma averiguação sumária mas correta do assunto.” (sic) In: Erro médico e Justiça (2003), p. 612.

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função de subsumir o fenômeno, mas de coordenar o processo de apreensão e tratamento jurídico do mesmo. O tipo não se limita a mero instrumento de aplicação da norma ou mesmo de constituição desta, mas terá um valor cognitivo, capaz de explicar, por exemplo, o processo causal por meio das regras de experiência da vida.77 Nesse sentido, poder-se-á encontrar na chamada lex artis, ou seja, regras da arte profissional que apontam para a técnica adequada, a tipificação das condutas segundo a perícia e cuidado esperados. Ou ainda, podemos buscar, na mesma vertente, a tipificação daquilo que se convencionou chamar de erro médico ou má prática (malpractice).

Para que se possa falar em imputação de um erro médico, com consequente responsabilidade civil e dever de indenizar, a doutrina clássica tem identificado a necessidade da presença de quatro requisitos: a) que haja uma conduta (ativa ou omissiva) b) que em decorrência de tal conduta surja um dano; c) que entre a conduta e o dano se estabeleça um nexo de causalidade; d) que o fator juridicamente idôneo e relevante para a produção do resultado possa ser imputado ao autor da conduta, como conduta contrária ao dever de atuação que lhe é atribuído no caso concreto.78

A culpa médica revela-se por quatro vias: a) conduta anti-ética, no relacionamento com o paciente; b) omissão dos deveres de cuidado que lhe eram exigidos; c) negligência não própria do exercício da profissão em que qualquer pessoa poderá incorrer, d) conduta médica contrária à boa técnica, que se divide em duas vertentes, d1) quando em razão disso deixa de dar solução possível à moléstia a que se encontra acometido o paciente, ou b2) iatrogenia (iatros:médico; genia:origem), quando a própria ação do médico é a causa de determinado dano.

O erro pode ser encarado como ideia daquilo que é contrário à verdade e, assim, o falso pode ser tomado como verdadeiro ou, inversamente, o verdadeiro ser tomado como falso. Um exame pode ser falso, ao mostrar doença que o paciente não tem, ou pode ser falso, por não diagnosticar doença que tem. Assim, provocará dano

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Cf. LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito (1983), pp.565-577.

78 As ações de erro médico na sistemática do common law, requerem a prova dos seguintes elementos:

1) que o réu tinha o dever de proteger o paciente do dano que veio a sofrer; 2) a falha do médico em assim proceder; 3) o nexo causal amparado na lei, suficiente para conectar a conduta do médico com os danos sofridos; 4) danos indenizáveis. Cf. REISIG Jr. The loss of a chance theory in medical malpractice cases: an overview (1989), p. 1164.

moral o médico que, por não adotar o devido cuidado, enviar ao laboratório, para exame bacteriológico, secreção vaginal da paciente trocando, inadvertidamente, a etiqueta que recobre o invólucro contendo o material e assim provocando um falso positivo, com o que anuncia à paciente ser portadora de doença sexualmente transmissível. A responsabilidade decorrerá não do erro de diagnóstico, mas da falta de cuidado, ao anunciar à paciente, por inadvertência, algo que não corresponde à verdade.79

Podem-se identificar quatro momentos da ação médica em que o erro poderá

ocorrer: 1) diagnóstico; 2) prognóstico; 3) tratamento; e, 4) alta médica. Nesse desenlace, destaca-se que a atividade médica não se restringe ao binômio médico- paciente, nem se torna completa com a definição do diagnóstico e a instituição de uma terapêutica. Um terceiro componente se soma, representado por um membro da família que apresenta laços afetivos ou por pessoas e instituição cujos interesses se situam no campo médico-trabalhista, pericial ou médico-legal (empresas, instituições previdenciárias, seguradoras ou o próprio poder judiciário). No desenvolvimento dessa interação, enquanto o paciente tem interesse direto na terapêutica que lhe restituirá o bem-estar perdido, o terceiro componente interessa-se, em primeiro lugar, pelo prognóstico, desejando saber se o caso é grave ou não, se determinará invalidez parcial ou total e aspectos desta natureza. O médico, por sua vez, preocupa-se com o diagnóstico, pois é com este que poderá atender corretamente as expectativas dos dois outros elementos da tríade.80