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Tipificação da responsabilidade civil médica

ALINHAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA

3.3 Tipificação da responsabilidade civil médica

A despeito de todo o asseverado quanto à complementariedade de ambos os sistemas de responsabilização, para fins meramente classificatórios, entende-se

278 BUSTAMANTE ALSINA. Teoría General de la responsabilidad civil (1997), p. 90. Mais à frente o autor

arremata: “Por nuestra parte, desde el principio hemos expuesto la teoría general de la responsabilidad civil como un criterio unitario, teniendo en cuenta que los elementos o presupuestos del deber de indemnizar el daño que se le ocasiona al acreedor por el incumplimiento de la obligación impuesta al deudor en un contrato, son los mismos del deber resarcitorio que incumbe al autor de un acto ilícito por el daño causado a la víctima; de allí también que las reglas legales aplicables son fundamentalmente iguales. Lo relevante de ambas situaciones jurídicas es la necesidad de reparar el daño que sufre el damnificado. Esta exigencia de justicia es el punto de partida de la responsabilidad civil, y ello explica que las bases sobre las que erige el sistema sean las mismas cualquiera sea el ámbito en que se origina (p. 99).

279 BONVICINI. La responsabilità civile (1971), p. 731. 280

possível, como tem feito a maior parte da doutrina,281 afirmar que a responsabilidade médica será contratual na maioria dos casos, a qual dispensa qualquer forma rígida, bastando a procura do paciente pela prestação do serviço, na expectativa de que seja bem realizado.282 Tratando-se, todavia, de instituições públicas de saúde, não há de se falar em contrato, pois se trata de desempenho de função estatal (arts. 23, II, 24, VII, 30, VII, 196 e 198, da CF brasileira e art. 22º da Constituição portuguesa). PENNEAU

ressalta que na relação do paciente perante um hospital público não há liberdade de contratação, mas simples obediência a regras de administração, contidas dentro do regime de direito público, independentemente da vontade do paciente.283 O mesmo ocorrerá, se a relação médico-paciente é imposta coativamente ao último por disposição legal ou administrativa (como é o caso do exame médico para ingresso no serviço militar ou pré-admissional para um emprego).284

De uma forma geral, nos caso de serviços médicos oferecidos de maneira impessoal por um hospital, o que se sustenta não é a relação contratual própria do médico com o paciente, orientada pela obediência a seu dever de conduta, mas sim da própria organização hospitalar.285 ÁLVARO DIAS fundamenta a natureza contratual com o

281

Nesse sentido: ZENO-ZENCOVICH, Una commedia degli errori? La responsabilità medica fra illecito e inadimpimento (2008), p 307-308; ROCHA. A responsabilidade civil decorrente do contrato de serviços médicos (2005), pp. 120-121; GIOSTRI. Responsabilidade médica – As obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação (2003), p. 127; BARBOZA. Responsabilidade civil médica no Brasil (2005), p. 80; LORENZETTI. Responsabilidad civil de los médicos, PP. 377-383; THEODORO JR. Responsabilidade civil por erro médico (2000), p. 114; REIS. Os danos morais decorrentes da atividade do médico, p. 234.

282

Já em 1932, a corte de cassação francesa assim tinha se pronunciado, Civ,m 8/02/1932, Gaz. Paf., 1932, 1.734. Também na argentina essa é a posição predominante: CNEsp. Civ. Y Com., Sala I, 3/6/87, “Cusa de Pirro, Ángela c/ Dorfsman, Wolf e outros. RepLL, 1989-586; La CNCiv., Sala D, 9/8/89, “Fernández Russo, Miguel c/ Hospital José Ramos Mejía”, JÁ 1990-II-61, etc. Inclusive em alguns casos a jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade contratual em casos de espontânea assistência médica (Cf. RespLL, 1980-729, 1982-727-1983-665, 1984-672, 1986-571; Rep ED, 1981-588, 1984-639, 1887-890; RepJA, 1982-228, 1986-267, etc.), sendo, inclusive uma das conclusões do Ii Congresso Internacional de Dieito de danos : (Despacho 3, Comissão II): “La responsabilidad profesional, por regla general, es de fuente contractual”, apud URRITA.

283

PENNEAU. La réforme de la responsabilité médicale : responsabilité ou assurance (1990), p. 528. Nesse sentido, também tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça português: “III - Por isso mesmo, nos serviços prestados por entidades que operem ao abrigo do serviço nacional de saúde ou que com ele tenham protocolo, a responsabilidade civil operará para com o utente ao nível da responsabilidade extracontratual” (09-12-2008 - Revista n.º 3323/08 - 1.ª Secção - Mário Cruz (Relator) *, Garcia Calejo e Hélder Roque).

284

JEOVÁ SANTOS. Dano moral indenizável (2001), p. 269.

285

Situação peculiar se encontra na França, com as “clíniques ouvertes”, criadas pelo decreto de 17 de abril de 1943, que funcionam dentro do hospital público, mediante autorização administrativa, utilizando de toda sua estrutura, contudo, sob os mesmos princípios de uma instituição privada. Os

hospital, seja com apelo ao instituto do contrato de adesão, seja pela figura das relações contratuais de fato (“faktische Shuldverhaltnisse”) e mais especificamente às relações de massas (“Massenverkehr”), como resultado de um comportamento social típico (“Sozialtypisches Verhalten”).286

Do mesmo modo, defende FORCHIELLI que ao hospital será conferida obrigação

contratual por danos causados pelo paciente em razão de erros médico, mas na relação médico-paciente, a responsabilidade deverá ser tomada como aquiliana, em razão da inexistência de um contrato próprio entre as partes.287 Para PARADISO deve

haver um concurso de responsabilidades. Não se pode negar o caráter contratual, seja porque dependente da estrutura dos serviços de saúde, seja em razão de uma emergência. Mas a voluntária assunção de um vínculo não exonera o sujeito de observar as cautelas ordinárias de cuidado da vida, podendo o médico responder por danos derivados de ilícito extracontratual.288

BUSTAMANTE ALSINA considera ainda outras três situações em que a

responsabilidade do médico resta totalmente excluída do campo contratual: 1) quando os serviços são prestados contra a vontade do paciente, como é o caso do suicida que recebe auxílio médico; 2) quando o médico comete um crime contra uma pessoa, seja ou não paciente; e, 3) quando o serviço médico é requerido por pessoa diversa do paciente, não havendo relação contratual com este.289 Esse último caso ocorrerá sempre que os cuidados forem requeridos pelo representante legal de um incapaz de fato, sem condições de comunicar-se para obter o devido consentimento.290

A esses casos, devem-se acrescentar as hipóteses de intervenção sem assentimento do paciente ou de seus representantes legais (situação de emergência291 em que encontre o vitimado em estado de inconsciência) ou mesmo quando se

doentes têm a liberdade de escolher com qual médico pretendem se tratar, o qual fixará os honorários livremente e os receberá diretamente.

286 DIAS. Breves considerações em torno da natureza da responsabilidade médica (1993), p. 41. 287

FORCHIELLI. Responsabilità civile (1970), p. 90.

288

PARADISO. La responsabilità medica: dal torto al contratto (2001), p. 339.

289

BUSTAMANTE ALSINA. Teoría General de la responsabilidad civil (1997) p. 517.

290 Cf. BUERES, Responsabilidad civil de los médicos (1980), p. 75. 291

A lei argentina regulatória do exercício profissional obriga a prestação de serviços médicos quando: “la gravedad de su estado así lo imponga y hasta tanto, en caso de decidir la no prosecución de la asistencia, sea posible delegarla en otro profesional o en el servicio público correspondiente”( art. 19, inc. 2º, da Lei 17.132).

identifique patente vício de validade do contrato, como na ocorrência de manipulações do genoma humano ou de tráfico de órgãos.

O objeto do contrato médico-paciente não se restringe, em todo caso, ao emprego de meios técnicos, mas constitui uma complexa gama de atividades profissionais que compreende outros comportamentos, classificáveis de acordo com regras de correção, de diligência, de boa fé e de deontologia profissional.292 Por essa razão, ainda mais problemática é a tipificação da relação jurídica travada entre médico e paciente.293 Diante de tais complexidades, NORONHA se refere a uma

292 DIAS. Breves considerações em torno da natureza da responsabilidade médica (1993), p. 49. 293

BUERES, em minucioso estudo, expõe a grande divergência doutrinária quanto à natureza jurídica da relação contratual travada entre médico e paciente. Certos jurisconsultos, ainda com resquícios do Direito Romano, posicionam-se por um contrato de mandato (Duranton, M., Cours de droit français, Sirey, Paris, 1844, t. XVIII, no 196, p. 173; Troplong, M., Le droit civil explique (suivant l´ordre dês articles Du Code. Du mandat, Charles Jingray, París, 1846, t. sixième n. 190 a 221, em especial PP. 204 a 238; Pothier, R. J., Oeuvres de Pothier, Bugnet, París, 1845, t. 5, Du Mandat, n. 23 a 26, p. 181 e 182 (Cf. BUERES, Responsabilidad civil de los médicos [1980], p. 36). Outros, na maioria de origem hispânica, irão identificar com um contrato de locação de serviços (ALBALADEJO, M., Instituiciones de derecho civil, parte general y derecho de las obligaciones, Bosch, Barcelona, 1960, t. I, p. 881; Lafaille, H., Curso de contratos, compilado por Pedro Frutos e Isauro Argüello, Ariel, Buenos Aires, 1928, t. II, no 432, p. 284; SALVAT, R. J., Responsabilidad civil de los médicos, LL, t. 8, p. 12, Sec. Doc., y Tratado de derecho civil argentino. Contratos, Tea., Buenos Aires, 1950, t. II, no 1749, CNCiv., fallo plenário, in re: Zurueta, Enrique c/Longeville, Julia M. Poncet de (suc.), diciembre 24-1919, JÁ, 1958-IV, p. 185 voto de la mayoría del tribunal (Cf. BUERES, Responsabilidad civil de los médicos (1980), pp. 36-37). Há também quem relacione à locação de obra (Messineo, F., Manual de derecho civil y comercial, trad. De Santiago Sentis Melendo Y prólogo de Vittorio Neppi, Ejea, Buenos Aires 1971, t. V, p. 244; Baudry-Lacantinerie, G. y Wahl, A. Traité théorique et pratique de droit civil. Des contrats aléatoires, Du mandat, Du cautionnement, de La transaction, de La Société Du Recueil J. B. Sirey et Du Journal Du Palais, Paris, 1907, n. 378, p. 183 e seguintes (Cf. BUERES, Responsabilidad civil de los médicos (1980), p. 37). De outro lado, uma forte corrente doutrinária rejeita qualquer categoria já existente, classificando como contrato atípico (Marcadé, V., Explication théorique et pratique du code civil contentant l´analyse critique des autiers et de la jurisprudence, sixième Ed., Delamotte et Filis Editeurs, Paris, 1868, t. 6, p. 522 e ss. (comentário AL art. 1179 del Código francés); MATTER, Paul, nota em Dalloz Periodique, año 1936, p. 234; Puig Brutau, J., Fundamentos de derecho civil, Bosch, Barcelona, 1954, t. II, vol. II, p. 387; Borda, G. A., ob. E t. cits. No 1029, os. 52 a 54; Colombo, C. J. Código Procesal Civil Y Comercial de La Nación, Abeedo-Perrot, Buenos Aires, 1969, t. I, p. 414 (Cf. BUERES, Responsabilidad civil de los médicos (1980), p. 37). Finalmente, um significativo número de autores, dentre os quis se inclui Bueres, inclina-se pela existência de um contrato proteiforme ou multiforme ou variável, sob o argumento de que a multiplicidade de situações que na prática se apresentam na vinculação entre médico e paciente, poderá definir diferentes formas de relações jurídicas. (Segundo Bueres, aderem a esta tese Bustamante Alsina, J., Responsabilidad civil de los médicos em ejercício de sua profesión, LL, 1976-C, Cap. II, p. 64 e 65; Mosset Iturraspe, J. Responsabilidad por daños, parte General, Ediar, Buenos Aires, 1971, t. I, os. 346 Y 347; Alterini, A. A,; Ameal, O. J., Y López Cabana, R. M., Curso de obligaciones, Abeledo-Perrot, Buenos Aires, 1975, t. II, n. 1848, p. 486; 1853, os. 487 e 488; n. 1862, p. 491 e 1867, p. 493; Alcuña Anzorena, A. Responsabilidad Del procurador y Del abogado por dejar perimir La instancia, em “Estudios sobre La Responsabilidad Civil” , cit., p. 210 e SS; Rezzónico, L. M, Estudio de los contratos em nuestro derecho civil, Depalma, Buenos Aires, 1969, t. II, p. 630; Deveali, M. L not. Cit., p 717, Légon, F., Caracterización del vínculo entre el abogado e o cliente, t. 56, os. 430 e 431, Trigo Represas, F.A., em Cazeaux, P. N. e Trigo Represas, F. A., Derecho de las obligaciones, 2ª Ed.,

“responsabilidade supranegocial” ou “supracontratual”, visto que atinem a obrigação geral de incolumidade, na preservação da integridade psicofísica do paciente, deveres independentes da relação estabelecidas que se imporiam, mesmo que o contrato não tivesse sido realizado.294

GIOSTRI pondera que o fator álea presente na diversidade das reações do corpo

humano afasta, como regra, sua classificação na modalidade de obrigação de resultado. Se o devedor diligentemente cumpriu com sua obrigação de meio, sem que o resultado se implementasse, não há de se falar sequer em incumprimento produzido por causas alheias à sua vontade ou em incumprimento não culposo. O que de fato houve foi o cumprimento da obrigação, mas com um resultado diverso do esperado.295 Outrossim, não nega a presença da obrigação de resultado em determinados contratos, propondo como critérios para identificação: a) o grau de confiança conferido ao médico; b) o caráter de sua atividade; c) confiabilidade das técnicas e/ou instrumentos utilizados para realizar a prestação; d) natureza dos interesses do credor; e) finalidade da prestação.296 Nesse sentido, deve-se ter em mente que o resultado esperado é fruto da cooperação das ações entre médico e paciente, cabendo a este último prestar as devidas informações e seguir os cuidados e orientações médicas prescritas ao tratamento. 297 Conclui, ao final, que os elementos de preparação técnica e diligência não podem ser desconsiderados na avaliação da conduta médica e todo modelo obrigacional que dispense tal análise é inadequado. Se constatada a atuação com o devido cuidado, se houve diligência, resta cumprida a obrigação, não lhe podendo ser imputada qualquer responsabilidade.298

A responsabilidade contratual impõe ao devedor a prova do pagamento e, nesses termos, poder-se-ia concluir de forma precipitada que a prova de que cumpriu adequadamente sua obrigação caberia ao médico. Contudo, tratando-se de obrigação

Platense, La Plata, 1976, t. 4, os. 216 e 217 (Cf. BUERES, Responsabilidad civil de los médicos (1980), p. 38).

294

NORONHA. Direito das Obrigações (2006), pp. 456-457.

295 GIOSTRI. Responsabilidade médica – As obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e

adequação (2003), p. 127. 296 Idem, pp. 136-137. 297 Idem, pp. 139-142. 298 Idem, p. 228.

de meio299, não pode o médico, no exercício de sua profissão, garantir o resultado de sua atuação, salvo os casos excepcionais a serem vistos e, por isso, não lhe poderá ser imputada culpa pela mera verificação de resultado diverso do esperado.300 O ônus da prova deverá, a princípio, receber o tratamento que se confere às ações aquilianas, com algumas peculiaridades que serão tratadas em momento oportuno.301 Não é o caso, como bem adverte BONVICINI, de uma exceção da regra da inversão do ônus da

prova em matéria contratual, nem com isso se deve concluir pela classificação na modalidade extracontratual. Para o autor, o elemento constitutivo da responsabilidade do profissional se conecta ao fato objetivo do inadimplemento da prestação, por meio de uma avaliação objetiva do comportamento do devedor à base de uma figura abstrata de um bom devedor, tomado face à natureza da obrigação (diligência objetiva).302

Desse modo, compreende-se que a responsabilidade médica, em sua natureza contratual, pressupõe a existência de culpa na ocorrência do inadimplemento e exige a prova da culpa para o processo de imputação. Tais assertivas não são excludentes, mas situam-se em momentos distintos. Pelo contrato, o médico obriga-se a uma prestação e o simples inadimplemento (não prestação) faz presumir a culpa. Executado o procedimento, só haverá, todavia, responsabilidade civil na constatação de falha na prestação. A apreciação da obrigação prestada se dará pela averiguação de sua conformidade com a lex artis e não na perspectiva do alcance do resultado almejado. Há um dever de resultado no prestar e uma obrigação de meio quanto ao conteúdo da prestação. O contrato impõe ao profissional o dever de atuar e a mera omissão faz

299

A respeito da distinção de obrigação de meio e de resultado Cf. DEMOGUE, René. Traité des obligations, V, Paris, 1925, nº 1237 e IV, Paris, nº 599. Cf. Também FORCHIELLI. Responsabilità civile (1970), p. 89-90.

300 SOUSA. Sobre o ônus da prova nas acções de responsabilidade civil médica (1996), p. 137. 301

“Em termos doutrinários há quem defenda que a distinção entre a obrigação de meios e de resultados tem vindo a perder importância em Portugal. A justificativa dada a este raciocínio é a de que, na responsabilidade contratual, a inversão do ônus da prova dá-se como regra, por força do art. 799, nº 1, do Código Civil, quer esteja diante de uma obrigação de resultados (como seria o esperado) ou de meios. Já no campo extracontratual tecnicamente não há o que se falar numa `obrigação’ previamente assumida, mas sim um dever de indenizar que surge com o evento danoso. Muito embora este raciocínio faça sentido em termos teóricos, parece que o mesmo não se pode dizer em termos práticos. Afinal de contas, quando se estiver diante de uma obrigação de resultados, será mais fácil ao lesado provar a responsabilidade do lesante.”(GONÇALVES. A responsabilidade médica objetiva [2005], p. 364.)

302

presumir a culpa. Mas, tendo atuado, o processo de imputação da responsabilidade pelo evento danoso impõe a comprovação da culpa em sua atuação.

Tal raciocínio se aplicará inclusive aos atos omissivos. Tome-se o exemplo de um médico contratado para realizar uma cirurgia. Ocorre que, aberto o abdômen do paciente, o profissional constata a desnecessidade da intervenção cirúrgica e simplesmente o fecha, sem qualquer intervenção. Nesse caso, a omissão de obrigação pré-constituída representará a necessidade do médico provar a razão de não ter atuado, ou seja, ilidir a presunção de culpa do inadimplemento. Se, contudo, atua no sentido contratado, mas o resultado é adverso do esperado, terá o paciente de comprovar a existência de culpa do profissional na condução de seu mister.

Também importa lembrar que, como regra geral, quem suporta o ônus da prova quanto ao conteúdo do pactuado é o demandante, que terá de provar o conteúdo da prestação reclamada. Ao médico demandado não caberá, em princípio, invocar alguma objeção aos fatos relatados, como uma exceção de um contrato não cumprido, mas poderá limitar-se a negar o alegado, sem o ônus de provar coisa alguma. É sobre o demandante que recairá o ônus de provar o pactuado.303 É claro que em certas situações o acordo é presumido. Em uma cirurgia de extração de amídalas, por exemplo, não se poderá objetar que a obrigação do cirurgião constituía-se da extração destas. Mas poder-se-á, por outro lado, discutir-se o método de extração.

Assim, no que toca ao adimplemento do contratado a responsabilidade médica é contratual, mas quanto à forma de execução da obrigação, é aquiliana, cujos deveres não são atinentes à necessária produção de um resultado e sim ao exercício diligente no cumprimento da obrigação. O adimplemento da obrigação não se dará com o necessário alcance da cura, mas com o atuar conforme a lex artis. Não poderá o médico garantir o êxito do tratamento, visto que o organismo humano apresenta peculiaridades mil e a medicina não detém total controle sobre muitos dos efeitos da natureza, em especial da morte.

Em situações particulares, todavia, a responsabilidade contratual médica assumirá os extremos da obrigação de resultado, não só quanto ao adimplemento,

303

mas também quanto ao resultado do adimplemento. Haverá também quem, invocando pretensa natureza de atividade de risco, queira estender os limites dos casos doutrinariamente aceitos como de obrigação de resultado, amparando-se no sistema de seguros. Importa, então, compreender as características de tal sistema e verifcar quais as peculiaridades que, quando presentes, terão o condão de desnaturar o estado geral de obrigação de meio.