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CONDUTA MÉDICA E ESTABELECIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE

4.3 Conduta comissiva

Deve-se conceber ação como todo agir humano voluntário, controlado pela vontade e pelo qual se imputa o fato. É toda conduta consciente orientada em função de parâmetros (objetos) de referência e materializada tipicamente como expressão da prática social do sujeito.405 A produção do resultado, nesse sentido, pode ser querida ou não. Por isso o conceito jurídico de ação é diverso do filosófico que apenas compreende o agir intencional, a realização de uma vontade em virtude de uma atividade dirigida a um fim. No sentido jurídico, responde o agente por todo resultado desejado ou mesmo por aqueles que, pela vontade, seria capaz de evitar. A responsabilidade poderá derivar, assim, de um agir, quando se deveria omitir ou de um omitir, quando se deveria agir, estando presente a vontade de realização do resultado ou não.406

CARNELUTTI define vontade como a atitude do pensamento para colocar-se como

causa de uma mudança exterior. Esta atitude se manifesta, quando o pensamento alcança a tensão necessária para determinar sua descarga na ação, o que será igual a desprender uma força física, apta a vencer uma resistência, ou, em outros termos,

403

Cf. ALONSO MUÑOZ. Liberdade e Causalidade (2002), pp. 342-343.

404

Idem p. 350.

405 TAVARES. Teoria do Crime Culposo (2009), p. 232. 406

para dispor do corpo em condições de desenvolver tal atitude; por isso a vontade pode contrapor-se como força humana causal à força humana vital.407

BENTHAM, por sua vez, precisamente acentua a necessária separação da

intencionalidade quanto ao ato e às consequências do ato. Se há intenção de afetar o ato, este poderá ser chamado de intencional, assim como, se afetar as consequências, serão estas intencionais. Mas somente se afetar tanto o ato como a consequência é que toda a ação poderá ser denominada intencional.408 É possível que o ato seja intencional, mas não as consequências do ato. A esses casos associam-se as condutas culposas, sem afastar qualquer perspectiva finalista e é por isso que se pode dizer que o médico age culposamente, quando, almejando a cura, atua de forma diversa da lex artis. Nesse caso, tem a intenção quanto ao ato praticado, mas não quanto às consequências que se implementaram.

O juízo de aferição da probabilidade de existência de culpa exige a análise da intencionalidade da sequência de atos. Um ato pode ser intencional em certas etapas e deixar de ser intencional, nas etapas subseqüentes, e vice – versa. Todavia, quanto mais numerosas tiverem sido as etapas não intencionais do ato, tanto mais provável será que a última etapa também seja destituída de intencionalidade.409

As escolhas realizadas pelo médico terão fator, por vezes, determinante ao fim da cura ou aprimoramento da qualidade de vida do paciente. Tais escolhas se relacionam, de forma particularmente relevante no âmbito da responsabilidade civil, com as escolhas realizadas pelo próprio paciente, com as particulares nuances conferidas pela informação a este disponibilizada. Há uma íntima vinculação entre o dever de informar do médico e o direito de autodeterminação do paciente.410 Nesse viés, as escolhas feitas por ambos os polos dessa relação definem os limites da responsabilidade.

Para que haja imputação de uma hiatrogenia, deverá existir uma relação indispensável entre ação e a sequela. A sindroma deve derivar diretamente do

407

CARNELUTTI. Teoría general del derecho (1941), p. 42.

408 BENTHAM. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação (1989), p. 23. 409

Idem, p. 23. Na ilustração de BENTHAM, se uma pessoa tentando acertar um soco na bochecha da vítima acaba por atingir o olho, lhe será muito mais difícil provar que sua intenção não era a de atingir o olho do que em outra circunstância em que sua intenção fora realmente não atingir em absoluto.

410

traumatismo desencadeador ou das conseqüências de sua evolução, dentro de um encadeamento anátomo-patológico cientificamente aceitável. O traumatismo desencadeante, suas conseqüências e a situação anátomo-clínica que consubstancia a dor crônica ou a lesão deixada, têm de estar, forçosamente, unidos por uma sucessão de manifestações patológicas que estabelecem, pelo seu encadeamento, uma continuidade anátomo-clínica suficiente para justificar tal evolução. O laço ininterrupto entre os fenômenos indica que cada um deles surge como efeito do precedente e, ao mesmo tempo, é causa do conseqüente.411

O agir do médico deve atender às expectativas de eficácia lançadas sobre seus ombros. Espera-se que a decisão seja tomada de acordo com o prognóstico realizado quanto às consequências previamente concebidas sobre a reação que provocará o procedimento escolhido. A eficácia é, sem dúvida, aos olhos do leigo, aquilo que caracteriza a medicina contemporânea; o médico não se posta mais simplesmente como aquele que previne ou cura as doenças, mas como aquele que se propõe a atender a certas conveniências do sujeito, seja como paliativo da deficiência de uma função natural, seja em substituir esta função ou em modificar certas características naturais do sujeito. Nesse sentido, basta citar as técnicas de procriação assistida, de contracepção médica ou de cirurgias estéticas. Esta eficácia, neste meio tempo, resta inseparável de três elementos mais do que comuns, desta vez menos percebidos pelo leigo, quais sejam, a agressividade do tratamento, os perigos inerentes, e a complexidade. A eficácia das drogas passa a ser vista de forma separada dos efeitos secundários. A eficácia das técnicas depende de sofisticados mecanismos, de implantação no organismo de materiais diversos que, na maioria dos casos, depende de uma equipe multidisciplinar, onde as decisões são discutidas para os atos esperados. Mas a urgência ou a complicação inesperada introduz, algumas vezes, um controverso parâmetro que descaracteriza todas as previsões.412

4.4 Conduta omissiva

411 Cf. ALBUQUERUE; SEIÇA; BRIOSA. Dor e dano osteoarticular (1995), p. 82. 412