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1.4 Os jogos e a aprendizagem

1.4.5 As relações entre GBL, GamiĄcation, Serious Games e Educational

1.4.6.4 Como a questão do ERRO é vista nos jogos digitais e no

Desde os Ąlósofos gregos, com Platão, até o pensadores mais contemporâneos, com Descartes e Spinoza, a signiĄcação do erro vem sendo alvo de discussões, em especial sob a perspectiva da ĄlosoĄa. De acordo com Victor Brochard (2006), esses três autores deram contribuições para que entendêssemos melhor o signiĄcado do erro na vida humana, apesar de nem sempre ser possível um consenso entre eles, que estudaram este assunto.

O erro, no seu sentido mais trivial, ainda traz consigo o estigma do fracasso e da incompetência. No ambiente escolar, exposto através das avaliações dos conhecimentos (das execuções de provas), é importante como recurso de diagnóstico das evoluções cogni- tivas dos alunos. Nesse sentido, o erro é positivo, pois revela ao professor quais problemas o aluno está enfrentando, quais conceitos ainda não foram bem assimilados ou mesmo, se o aluno estava apenas confuso no momento de transcrever suas respostas em uma prova escrita. Essa perspectiva positiva do erro vai ao encontro com o que o grande Ąlósofo grego Platão pregava há 400 a.C. De acordo com Brochard, o erro para Platão é algo positivo, visto que este se deriva de uma forma adversa do pensamento. Para ele, diferentemente da ignorância, que é o Śnão saberŠ, o erro é simplesmente uma forma oblíqua do pensamento, não deixando, em essência, de ser uma forma de pensamento. De acordo com o autor, em relação à Platão, Ś [...] o erro não se confunde com a ignorância; ele é positivo. Ele consiste não em pensar tudo o que é, mas em pensar outra coisa do que é. (BROCHARD, 2006, p. 56)Š. Mas, se o erro sucinta o fracasso, este, por sua vez, é um princípio de desmotivação para o aluno em um ambiente escolar. Desta forma, as avaliações escolares, como é vista por muitos especialistas da área de educação, ainda traduz em punição os erros dos alunos ao invés de serem instrumentos de averiguação e de diagnóstico dos avanços cognitivos destes. De acordo com Davis:

Entre outras coisas, isto só será possível reenquadrando o papel do erro no seio da escola: se este deixar de signiĄcar derrota, não há porque puni-lo, temê-lo ou evitá-lo. Ao contrário, o erro deve ser encarado como resultado de uma postura de experimentação, na qual a criança levanta hipótese, planeja uma estratégia de ação e a põe à prova.(DAVIS; ES- PÓSITO, 1990, p. 75)

De acordo com Pellegrini (2003), apesar da LDB dar ênfase ao processo avali- ativo, contínuo e cumulativo, no qual aspectos qualitativos têm maior importância do que os quantitativos, o que vemos hoje é que, avaliações Ąnais, ainda fazem parte dos critérios avaliativos em muitas instituições de ensino. Um erro cometido pelo educando neste processo pode comprometer todo um planejamento organizacional do professor e, principalmente, do próprio aluno.

No contexto escolar, se tratando de avaliações formais, de acordo com Davis (1990), o aluno comete erros em três situações especíĄcas: a) O aluno possui estrutura cognitiva para alcançar a solução do desaĄo proposto em um avaliação mas, no entanto, escolheu procedimentos inadequados para desempenhá-lo. b) O aluno não possui estrutura cog- nitiva suĄciente para se desenvolver em uma avaliação. c) O aluno não possui estrutura cognitiva suĄciente para que compreenda o que se é solicitado em uma avaliação. Em (a) temos que o aluno não erra por falta de conhecimento e sim por não saber usá-lo. Este erro, de acordo com Davis, são erros de sistematização do conhecimento, já adquirido pelos alunos. Davis cita o caso do erro de ortograĄa, sendo estes cometidos pelos alunos não porque os mesmos não adquiriram os fundamentos de uma certa língua, mas sim por não estarem devidamente acostumados em empregá-la. Em (b), temos uma situação bem diferente vista anteriormente. Neste caso, fazendo um paralelo com a questão do erro gramatical, o aluno não possui nem mesmo as habilidades mínimas para que este possa articular o pensamento na forma da língua escrita. Em (c), o pior dos casos, o aluno sequer possui estrutura cognitiva para compreender o que se solicita em uma avaliação. Nova- mente, realizando um paralelo com o erro gramatical, podemos entender que este aluno não é capaz de ŚdecodiĄcarŠ o texto para que seja entendida uma questão, solicitada, por exemplo em uma prova escrita.

No contexto dos jogos, o erro é tido como parte do processo de aprendizagem do jogador. De acordo com Jesper Juul (2013), autor do livro - ŚThe art of failureŠ, o erro é essencial. Segundo o autor, jogadores preferem experienciar uma certa quantidade de falha e erro nos jogos, fracassando deliberadamente à jogar um jogo que seja fácil, não permitindo espaço para os erros. Essa quantidade correta de diĄculdade tem um nome no mundo dos game designers, é o - balanceamento do jogo. Um jogo balanceado não é difícil e nem fácil. Ele é exequível, alternando pequenos estados de frustração e realização. Manter o jogador em um estado de entretenimento tem a ver com o que Csikszentmihalyi (1990) fala em seu trabalho - ŚFlow : The psycology of optimal experienceŠ. De acordo com esse autor, há um estado ótimo em que as pessoas se encontram quando experien- ciam bons jogos. Ele denomina este estado de ŚĆuxoŠ61, sendo um estado intermediário

entre o facilmente factível (o que pode gerar o tédio) e o impossível (o que conduz um comportamento de ansiedade) no mundo dos jogos e, o erro, dosado de forma correta, é fundamental na manutenção desse estado.

De acordo com Juul, o erro e a falha no contexto dos jogos experimenta uma espé- cie de paradoxo. Apesar de situações desconfortantes geralmente atemorizar as pessoas, fazendo com que as mesmas evitem as falhas e os erros, nos jogos, os jogadores continua- mente experimentam essas situações ŚdesagradáveisŠ. Pior que isso, eles gostam e exigem essas situações nos jogos. Faz-se importante lembrar aqui um dos princípios de aprendiza- 61 Do original em inglês, Ćow

gem presente nos bons jogos, diagnosticado anteriormente por Gee (2005), no qual ele o caracteriza como Śagradavelmente frustranteŠ, ou seja, uma situação em que os jogadores estão no limiar do desaĄador mas factível, o que gera uma situação extremamente mo- tivadora para os jogadores. Esse estado só é possível quando os jogadores falham. Este também é o mesmo estado de ŚĆuxoŠ, descrito por Csikszentmihalyi (1990), em sua teoria. O erro, ainda em relação aos jogos, é tido também como uma espécie de check

point para que o jogador repense as suas estratégias. Se o jogador falha, o erro o faz

pensar no porquê. Se, por exemplo, um jogador do jogo Bit.Trip Runner percebe que o seu personagem sempre morre em uma fase especíĄca, este pensa em uma nova estratégia para superá-la. Ele percebe que ao fazer o seu avatar pular em um momento especíĄco do jogo faz com que o mesmo atinja um obstáculo, transportando novamente o jogador para o início da fase. Essa punição desagradável dá a chance ao jogador para repensar sua estratégia, motivando-o ir além. Neste mesmo tempo, ao repassar a fase do jogo, o jogador possivelmente adquire proĄciência nela.

A importância da detecção do erro por parte do professor no ambiente escolar também é inegável. Mas, infelizmente, quando ele é detectado tardiamente (por exemplo, após a correção de uma avaliação escrita) o professor perde uma ŚjanelaŠ valiosa para agir e interagir com o aluno, auxiliando-o no momento da falha. É claro que, em condições normais, as escolas não proporcionam ainda um ambiente interativo a este ponto. No entanto, podemos ver iniciativas interessantes que trabalham com a detecção do erro no momento em que este é cometido, através do uso dos jogos digitais educativos.

Um exemplo de detecção e correção do erro em tempo real, a partir de um jogo digital, é dada por Maziero (2014). Em seu trabalho, ŚJogos Digitais no Ensino de Ma- temática - Um instrumento de diagnóstico das concepções dos alunos sobre diferentes representações dos números racionais.Š um jogo digital foi usado com o intuito de auxiliar o professor na detecção de erros no processo de aprendizado dos alunos em relação aos conteúdos de Matemática (números racionais) para o EF. O feedback imediato permitiu que o professor auxiliasse os alunos no momento das falhas. Diferentemente do método avaliativo padrão (prova escrita), este método foi além, pois, cumpriu o seu papel quanto a avaliação e, mais do que isso, permitiu ao professor tempo e espaço hábil para que ele interferisse no erro insistente dos alunos, auxiliando-os no aprendizado do conteúdo matemático apresentado no jogo.

Resumindo, temos que os erros são importantes nos jogos pois auxiliam no pro- cesso de aprendizado do jogador, ajudam a manter o jogador no estado de Ćuxo, sendo peça fundamental para a motivação dos mesmos e também são vistos como importantes momentos reĆexivos para que os jogadores repensem suas estratégias. Já no contexto es- colar, o erro é uma fonte de informação para o professor. Ele é usado para diagnosticar e, por conseguinte, prognosticar alternativas de ensino para o estudante que está tendo

problemas com um certo conteúdo escolar. Ele é um sinalizador para o professor, pois, ao perceber que muitos alunos estão errando certas questões em uma prova, é sinal de que algum conceito não fora bem entendido pelos alunos. Visto, dentro desta perspectiva po- sitiva, o erro é importante no mundo dos jogos e no da educação. Como Platão descreveu anteriormente, o erro é uma forma oblíqua do pensamento e, desta forma, este não deixa de ser um pensamento. Conduzir o pensamento para o caminho certo é o que todos os educadores desejam e, de uma certa forma, os jogos também.