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1.4 Os jogos e a aprendizagem

1.4.5 As relações entre GBL, GamiĄcation, Serious Games e Educational

1.4.6.2 Contribuições da ciência cognitiva: O possível uso dos jo-

los alunos em sala de aula

De acordo com Willingham (2011), os seres humanos são naturalmente curiosos mas, no entanto, não são tão bons pensadores. Pensar é um processo sempre evitado pelo cérebro humano e, boa parte deste, é usado para processar imagens da nossa visão e os controles de nossa locomoção. Esses dois processos exigem muito mais do cérebro que, por exemplo, disputar uma partida de xadrez proĄssionalmente, conta o autor.

Para ele, o cérebro oportunamente desenvolveu um artifício (a memória) para que pouca energia seja gasta no ato de pensar. As automatizações de procedimentos, tais como a manipulação de certos tipos de ferramentas e objetos, ou até mesmo agir em determinadas situações - ao se atravessar uma rua automaticamente olhamos para os dois lados para veriĄcar se não há carros passando; são uma verdadeira evolução cognitiva do ser humano. Seria extremamente cansativo para o cérebro processar todas as informações cotidianas como por exemplo caminhar. Instruções como Ścoloquemos primeiro o pé direito no chão e, em seguida, levantemos o pé esquerdo em direção ao pé direitoŠ seriam utilizadas

com grande frequência no decorrer do dia. Sem falar no fato de que outras funções, concomitantemente, estariam sendo processadas pelo cérebro, como a visão e a audição. Sobre a mente, o autor discorre:

A mente não é especialmente adequada para pensar; essa atividade é lenta, cansativa e incerta. Por essa razão, o pensamento não guia o comportamento das pessoas na maioria das situações. Ao contrário, nós conĄamos na memória, seguindo cursos de ação que já foram realizados antes. Mesmo assim, nós achamos o pensamento bem-sucedido prazeroso; gostamos de solucionar problemas, compreender novas ideias, etc. Dessa forma, nós procuramos por oportunidades para pensar, mas somos sele- tivos ao fazer isso: escolhemos problemas que ao mesmo tempo, repre- sentam algum desaĄo e sejam provavelmente solucionáveis, porque é esse tipo que proporciona sentimentos de prazer e satisfação.(WILLINGHAM, 2011, p. 28)

Esse artifício permite que o cérebro crie Ąltros no qual apenas informações inte- ressantes e inéditas ganhem a sua atenção e, por consequência, permaneçam na memória. De acordo com Selbach (2010), esses Ąltros têm a função de sempre privilegiar informa- ções relevantes. No entanto, esses Ąltros podem passar por modiĄcações que permitam a passagem de outras que de uma forma natural não passariam. Esse ŚtruqueŠ permite que algumas informações sejam processadas e retidas na memória, propiciando o que Selbach chama de aprendizagem signiĄcativa.

De acordo com Selbach, nas ciências cognitivas esse modelo de Ąltros possuem o nome de sistema RAD (Sistema Radicular, Amígdala e intervenção da Dopamina). A primeira etapa que uma informação deve vencer para que seja retida na memória para posterior uso é a do sistema radicular. Para que essa informação passe livre por esse Ąltro, a condição necessária é a de que ela seja uma novidade. Informações repetitivas ou que não são interessantes para o cérebro em um primeiro momento são descartadas por essa primeira barreira. No entanto, se a informação cumpre o primeiro requisito, imediatamente ela passa pela avaliação do segundo Ąltro - A amígdala. Segundo a autora, esse Ąltro é conhecido por relacionar a informação com a emoção e os sentimentos. Se a informação é interessante mas, por sua vez não é agradável ou emocionante, o segundo Ąltro se encarrega de descartá-la. Se a informação cumpre os requisitos dos dois Ąltros anteriores então o cérebro da pessoa, que está recebendo informações, passa por um processo químico, ou seja, ele é recompensado pelo hormônio Dopamina, que provoca a sensação de prazer e euforias. EnĄm, a informação é assimilada e retida na memória para posteriores consultas. O esquema desse modelo é melhor visualizado na Figura 19, a seguir:

Informação Sistema A informação é uma novidade e interessante ? SIM NÃO

Amígdala CérebroHumano

Descartada A informação desperta a emoção e os sentimentos ? NÃO SIM Informação Dopamina Radicular

Figura 19 Ű Sistema RAD - Fases do processamento de uma informação pelo cérebro.

Fonte: Baseado em Selbach sobre o processamento das informações no cérebro.

Como percebemos na (Figura 19), não são todas as informações processadas pelo cérebro a Ąm de se estabelecerem na memória. Essa seletividade imposta por ele acaba por causar grandes impactos nos ambientes escolares, visto que, pensar é uma condição imprescindível no ambiente escolar.

Seguindo a linha de raciocínio de Selbach (2010), se os conteúdos escolares não são apresentados em um formato que desperte a atenção do aluno, há uma boa chance que este não assimile as informações, visto que, em um primeiro momento, ele achará o assunto desinteressante, e sob uma perspectiva cognitivista, o cérebro tratará de descartar essas informações. Portanto, a forma de se apresentar a informação é importante na questão do ensino e da aprendizagem.

Sob uma perspectiva cognitivista, Willingham (2011) entende que a desmotivação que alguns alunos sentem pela escola é causada pela falta de prazer consistente experien- ciado ao se solucionar problemas. Alguns estudos aĄrmam que os alunos, quando estão desmotivados, perdem o interesse em aprender no que se reverte em um baixo rendimento escolar, já que os mesmos não investem no seu próprio aprendizado (RUFINI; BZUNECK; OLIVIERA, 2012). Willingham (2011) aponta em seu livro ŚPor que os alunos não gos- tam da escola ?Š algumas considerações direcionadas aos professores, com o intuito de assegurar a motivação dos alunos em sala de aula. Neste momento também discutiremos as possíveis mediações feitas pelos jogos digitais educativos com o intuito de auxiliar os professores na tarefa de criar um ambiente motivador em suas aulas, propício para que os alunos assimilem as informações discutidas nesse ambiente.

A primeira consideração parte de fato de haver problemas a serem resolvidos em sala de aula, como anteriormente mencionamos. Problemas, o autor entende por ativida- des que representam um desaĄo moderado para os alunos, como pensar em uma forma inovadora para reciclar o lixo ou entender um poema. Atividades como resolver um cál-

culo matemático ou pensar sobre um trecho do livro de história também são exemplos de problemas em ambiente escolar. Mas temos que ter em mente que atividades muito difíceis ou muito simples serão desagradáveis e, com isso, serão descartadas pelo primeiro Ąltro descrito na Figura 19.

De acordo com Willingham :

Para problemas a serem resolvidos, é necessário informação adequada do ambiente, espaço na memória de trabalho e a exigência de fatos e procedimentos contidos na memória de longo prazo.(WILLINGHAM, 2011, p. 28)

Os jogos digitais podem ser úteis nesse processo. Problemas e desaĄos estão pre- sentes na maioria dos jogos de vários gêneros, sejam esses literais ou lógicos-racionais. Um gênero de jogo particularmente se destaca para essa tarefa. Para Novak (2010), os jogos do gênero aventura são caracterizados por possuírem resoluções de problemas, soluções de quebra-cabeça, decodiĄcação de mensagens e coleta de itens. Usar jogos desse gênero pode, desse modo, contribuir para a apresentação de problemas em sala de aula, em um formato mais divertido e interessante para os alunos.

Um outro apontamento de Willingham é o de que devemos sempre respeitar os limi- tes cognitivos dos alunos, entendendo que determinados assuntos não podem ser expostos sem que haja conhecimento prévio por parte deles. Também é importante a dosagem do volume de informações trabalhadas em uma aula. Se o volume é grande, logo o aluno se desconcentrará e acabará por achar o assunto desinteressante. Lembrando-se dos Ąltros do sistema RAD, descritos anteriormente, referente ao processo de pensamento, vemos logo que essa informação será descartada. O professor deve aceitar e trabalhar com os mais variados níveis de preparo e de conhecimento dos alunos, dosando sempre o nível e a quantidade de informações apresentadas em suas aulas.

Uma interessante ferramenta que muitos jogos digitais possuem é a variabilidade dos níveis de diĄculdade. Desta forma, as ações e informações são adaptadas para um certo nível cognitivo do jogador. Quando nos arriscamos a jogar algum jogo pela primeira vez certamente não o encararemos no nível mais difícil (apesar de que para alguns jogadores isso se conĄgura em um desaĄo ainda maior). Essa possibilidade de se escolher os níveis nos jogos também pode ser substituída pelo aumento gradual de diĄculdade. Por exemplo, ao se trabalhar algum assunto escolar em um jogo pode-se aos poucos ir adicionando questões e informações com maior diĄculdade, gradativamente. Um possível indício que o nível de diĄculdade pode aumentar é dado pelas veriĄcações propostas pelo jogo na forma de problemas a se resolver. Se o jogador corresponde positivamente a uma série de desaĄos e problemas, pode-se aumentar a diĄculdade e a quantidade das informações, consequentemente, pode-se exigir mais nas avaliações.

O autor aponta também para o problema de se desenvolver bem as questões que serão destinadas aos alunos. É importante que o professor seja capaz de esclarecer com o aluno o que se está questionando. Segundo o autor, Ś[...] é a pergunta que desperta o interesse das pessoas.Š. Ao se planejar uma aula, o professor deve ter em mente que tipo de informação ele quer que o aluno saiba no Ąnal. Com o uso dos jogos digitais, o professor pode ser auxiliado nessa tarefa. Com a incursão de informações em momentos especíĄcos do jogo, o jogador/aluno pode tomar consciência do seu objetivo. O objetivo é uma das características mais encontradas na deĄnição de jogo e são eles que norteiam os jogadores nessa atividade.

Mas a proposição de problemas em sala de aula, em momentos inoportunos, pode causar um efeito negativo na aprendizagem dos alunos. O autor cita o exemplo de um experimento proposto e executado em sala de aula. Se ele for planejado no início, sem que os alunos tenham conhecimentos prévios sobre ele, poderá se transformar em um truque de mágica, desviando a atenção dos alunos. Os jogos digitais podem ser programados para que, por exemplo, uma informação, seja ela em forma de vídeo ou texto, apareça somente em certos momentos do jogo.

Willingham ainda discute sobre os momentos que o professor percebe quando os alunos perderam o foco na aula. Para que esse momento não ocorra, ou ocorra com menor frequência, deve-se alternar o ritmo da aula. Essas mudanças retomam momentaneamente a atenção dos alunos e o professor deve aproveitar essa retomada para que, novamente, estes sejam despertos com informações interessantes. A maioria dos jogos possuem um recurso interessante que envolvem e voltam a atenção do jogador no jogo em certos mo- mentos. São as passagens de níveis, em que uma maior atenção e um maior esforço é requerido do jogador. Esse recurso também pode ser usado como uma pequena avaliação de desempenho do mesmo no jogo.

Por Ąm, o autor discute a possibilidade do professor manter registros sobre as situações que mais funcionaram em sala de aula para determinados assuntos. Não é uma garantia de que sempre um recurso multimídia vá despertar o interesse de uma sala mas, no entanto, essas generalizações direcionam a prática docente. Os jogos digitais são campeões em manter registros. Inclusive, são a partir deles que, em muitos casos, o jogo Ćui. Se o jogo está difícil para certo jogador, a lógica do jogo pode ser mais benevolente com ele, respeitando o seu nível de diĄculdade, trabalhando sempre no limiar entre o difícil e o exequível.

O uso dos jogos digitais pode trazer ao professor uma nova maneira de trabalhar os problemas, utilizados para desaĄar os alunos em sala de aula. Nessa perspectiva, os jogos podem se conĄgurar como mais uma ferramente a serviço da prática docente.

A seguir, apresentamos na Tabela 7 as possíveis relações entre os elementos dos jogos digitais e algumas das considerações das ciências cognitivas, apontadas por Wil-

lingham (2011), como promotoras da melhoria do ambiente escolar e, por conseguinte, possibilitando uma melhoria motivacional e cognitiva dos jovens estudantes. Deste modo, esse paralelo entre os jogos digitais & ciências cognitivas, pode nos dar uma dupla pers- pectiva: a) a utilização dos jogos como promotores de interesse por conteúdos escolares e facilitadores da aprendizagem de conteúdos acadêmicos pelos alunos, e b) Como os jogos digitais podem se valer dos conhecimentos das ciências cognitivas para que melhorem a sua receptividade e utilização em âmbito escolar ou não.

Elementos dos jogos (presentes na nossa deĄnição)

Considerações das Ciências Cogniti- vas para a melhora do ambiente esco- lar, de acordo com Willingham (2011)

Estado de vitória Esclarecimento dos objetivos

Níveis de diĄculdade

ConĆito e tensão Problemas

Limites Cognitivos

Diversão e bem estar Problemas

Atividade Forma

Regras Esclarecimento dos objetivos

Objetivos

Esclarecimento dos objetivos Foco e objetivo

Níveis de diĄculdade

Voluntário Limites cognitivos dos alunos

Forma

EspeciĄcidades dos jogos digitais

Interatividade Forma

Sistema de feedback

Manipulação da informação Informações sob demanda

Registro de informações Comunicação e acessibilidade via rede

Informações sob demanda Sistema de feedback Forma

Estética Forma

Narração e história Forma

Uso de tecnologias multimídia - Vídeos, áu- dio e Ąguras.

Forma

Informações sob demanda

Tabela 7 Ű As possíveis relações entre os elementos dos jogos digitais e algumas das con- siderações das ciências cognitivas, apontadas por Willingham (2011), como promotoras da melhoria do ambiente escolar.

De acordo com o que foi exposto na Tabela 7, podemos inferir algumas relações. O formato dos conteúdos escolares é importante para despertar a atenção do aluno, melhorando assim as chances deste na assimilação das informações pelo cérebro. Os jogos são um tipo de atividade que despertam essa atenção. Também é uma atividade que, na maioria das vezes, é executada voluntariamente pelos jogadores. Os jogos, por serem interativos, podem transformar a forma como as informações são enviadas e percebidas pelos alunos. A comunicação em rede, a estética de cada jogo, as narrativas presentes neles, e, os usos de tecnologias, também modiĄcam essa forma de comunicação entre o conteúdo escolar e o aluno.

Atividades que possuem um desaĄo moderado para os alunos são apontadas por Willingham como os problemas que os alunos apreciam resolver. Os jogos podem promover esse bem estar inserindo situações de conĆito e tensão em suas resoluções. Jogos do estilo Śquebra-cabeçaŠ é um bom exemplo de atividade que oferecem desaĄo. No entanto, esse desaĄo também deve respeitar os limites cognitivos dos jogadores, o que é apontado por Willingham como sendo uma importante observação que os professores devem fazer em sala de aula ao oferecer informações novas sem que haja conhecimentos prévios por parte dos alunos. Isso inĆuencia a voluntariedade do ato de se jogar e, também, no que diz respeito à interação dos conteúdos escolares pelos educandos.

A variação dos níveis de diĄculdades das atividades experienciadas pelo aluno em sala de aula colabora com a aprendizagem de acordo com a visão de Willingham. A inser- ção gradativa de desaĄos maiores colabora com a motivação dos alunos, de acordo com as ciências cognitivas. Nos jogos, esse quesito pode ser manipulado conforme a necessidade do educador. Também inĆuencia na percepção dos jogadores quanto aos objetivos e o possível estado de vitória no jogo.

Para Willingham, os professores devem esclarecer os objetivos da aula para os alunos, para que os mesmos saibam os limites daquele momento. Nos jogos, saber os objetivos permite ao jogador reconhecer um possível estado de vitória, determinado pelas regras.

Ainda em relação a proposição de problemas em sala de aula, de acordo com o autor, se estes forem apresentados em momentos inoportunos poderão contribuir nega- tivamente com a aprendizagem dos alunos. Apresentar informações sob demanda é um recurso tecnológico que os jogos digitais podem oferecer. Além disso, o tempo de resposta é instantâneo e, informações necessárias para o progresso do jogador no jogo podem ser apresentadas dessa maneira.

Manter o foco dos alunos nas informações apresentadas pelo professor é um desaĄo. Jogos digitais podem auxiliar nesse processo. Dependendo do jogo, o jogador torna-se mais propenso a priorizar certas informações, mantendo o foco no objetivo do jogo.

Por Ąm, Willingham defende que os professores devem manter registros das situa- ções em sala de aula. Certos recursos pedagógicos podem dar certo ou não e, desta forma, registrar esses procedimentos permite que o professor repita sucessos e evite fracassos. Nos jogos digitais, a tecnologia dos bancos de dados permitem essa façanha com relativa facilidade.

Essas foram algumas possíveis relações depreendidas do campo lúdico e do campo cognitivo. Percebemos algumas similaridades com alguns procedimentos recomendados por Willingham para que a escola torne-se mais envolvente para o aluno a partir dos fundamentos do conceito de jogo, estabelecidos anteriormente neste trabalho.

1.4.6.3 Jogos para o estímulo das inteligências múltiplas (IM)