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2.2 A concepção do nosso objeto de estudo: O jogo digital Mr Ratômico

2.2.1 O experimento proposto: Averiguação dos elementos lúdicos e didático-

2.2.1.1.1 Roteiro e História

De acordo com Comparato, o roteiro é Ś[...] a forma escrita de qualquer projeto audiovisual1Š(COMPARATO, 2009, p. 20). Encontramos muitos elementos audiovisuais

nos jogos digitais e, escrever sobre os jogos, tem muito a ver com a escrita de sua história, os seus conĆitos e personagens.

Como constatamos em nossa pesquisa, ainda não há um modelo ou um roteiro padrão que nos auxilie na tarefa da criação dos roteiros especíĄcos para os jogos digi- tais. Desta forma, emprestamos os conhecimentos já consolidados de criação de roteiros, nascidos da área do cinema, do vídeo e da televisão, e os adaptamos às exigências das mídias dos jogos digitais. É certo que nem todos os componentes possam ser adaptados mas, no entanto, os que tangem à criação da história e dos personagens podem ser usados, fazendo-se pequenas alterações estruturais, conforme as necessidades.

De acordo com Comparato, três aspectos são essenciais para a criação de um roteiro. São eles : Logos, Pathos e Ethos. Para o autor, a estruturação do roteiro se faz pela palavra e é ela que leva o nome logos. Esse aspecto é responsável por promover o discurso e a organização verbal do roteiro, fornecendo sua estrutura. Phatos é responsável por dar o tom dramático à história, embebedando-a de vida, ação e conĆito. Por Ąm, toda história é sempre intencional, e a essa inĆuência; seja através da ética, da moral, ou do signiĄcado último da história, dá-se o nome de ethos.

Comparato propõe ainda algumas etapas na elaboração dos roteiros que, segundo ele, possui uma lógica por trás dessa estruturação. Se acordo com Field (1984) apud Comparato (2009):

Escrever um roteiro é um processo passo a passo. Um passo de cada vez. Primeiro, encontra-se um tema; depois, estrutura-se a ideia; em seguida, deĄnem-se os personagens; mais tarde, procuram-se os dados que façam falta; posteriormente, estrutura-se o primeiro ato em Ąchas 3x5; então, escreve-se o roteiro, dia a dia. Primeiro o primeiro ato, depois o segundo, e depois o terceiro. Quando o primeiro rascunho está pronto, fazem-se

1 Em seu trabalho, Comparato (2009) entende por audiovisual o teatro, o cinema, o vídeo, a televisão

uma revisão profunda e as alterações necessárias para ajustar à dimensão adequada. Por último é preciso poli-lo até estar pronto para ser visto por todos. (COMPARATO, 2009, p. 22)

Como percebemos, Field (1984) estabelece uma sequência lógica na estruturação do roteiro. Para ele, tudo começa com a ideia, passando para a deĄnição dos personagens, as ações, culminando na estruturação dos escritos em Ąchas. Aí sim começa o trabalho do roteirista/escritor, desenvolvendo os atos sequencialmente até a geração do primeiro rascunho, que é lapidado e ajustado, para só assim ser disponibilizado. Comparato tam- bém compartilha da ideia de Field e a amplia, concebendo os momentos de conĆito, os personagens, a ação dramática, o tempo dramático e, por Ąm, a unidade dramática para os roteiros.

De acordo com o autor, a ideia sempre nasce a partir de um acontecimento, o que provoca no escritor a necessidade de realizar um relato. No caso especíĄco do jogo aqui criado, a ideia partiu das experiências outrora observadas em sala de aula2. Nessas

ocasiões, veriĄcou ser viável a utilização dos jogos no ensino de Química, visto que essas atividades lúdicas despertaram o interesse dos estudantes. Este sentimento provocou, de certo modo, a curiosidade e o fascínio pelos jogos, utilizados com objetivos escolares. Uma maneira de se estudar os jogos é a partir de um modelo de testes, o que realizamos neste trabalho. Paul Schuytema (2008) faz o mesmo em seu livro - ŚDesign de Games - Uma abordagem práticaŠ, no momento que este trata da documentação do jogo. O autor analisa um jogo digital por ele criado, chamado Eye Opener.

A segunda etapa, delineada por Comparato, é o conĆito. De acordo com o autor, o conĆito-matriz é a base de todo o trabalho do roteirista. Em volta desse conĆito que a história se ramiĄca. Uma estratégia dada pelo autor é construir a story line, ou seja, a frase que condensa todo o conĆito básico da história. De acordo com o autor, essa frase já dá pistas do enredo e das intrigas. No caso do jogo Mr. Ratômico, temos a seguinte frase: ŚSalve seus amigos dos laboratórios de testes químicos mostrando que sabe tudo de Química!Š. Essa frase compõe a tela dos objetivos do jogo e sintetiza esse conĆito presente na história do jogo.

Os personagens são responsáveis por dar vida a uma história. De acordo com Comparato, o desenvolvimento do personagem se faz através da elaboração da sinopse da história. Nesse local temos a descrição dos personagens e seu caráter é revelado, ou seja, o desenhamos e o localizamos na história.

Para Comparato, a ação dramática é Śa maneira que vamos contar este conĆito básico, vivido por aqueles seres chamados personagensŠ(COMPARATO, 2009, p. 25). Já 2 Experiências em sala de aula no período de 2007 a 2009, em escolas públicas de Araraquara/SP,

como parte integrante do estágio supervisionado, presente no currículo do curso de Licenciatura em Química - UNESP/Araraquara.

o tempo dramático é o quanto de tempo há em cada cena, ou seja, no sentido literal, quanto tempo se passará entre uma cena e outra.

Por Ąm, a unidade dramática é o ponto no qual, segundo o autor, o roteiro já deve estar pronto para ser gravado e Ąlmado. É o roteiro Ąnal. Nesse momento, o diretor responsável pela criação de qualquer trabalho audiovisual, tem condições de manipular as cenas individualmente. Esse texto é uma espécie de guia para a construção do produto Ąnal, que no caso pode ser um Ąlme ou qualquer outro trabalho audiovisual.

Esta pesquisa contempla a criação de um jogo digital com a Ąnalidade de ser utilizado (e também estudado) no ensino de Química e Ciências, objetivando entender as relações do game design nesse processo. Para isso, entendemos que a história torna-se o Ąo condutor entre o jogo e o jogador, daí a necessidade de roteirização.

O roteiro3, criado para este jogo, divide-se em duas partes (Ato I e II). A primeira

parte trata da ambientação, introduzindo a história, os personagens, e também os obje- tivos do jogo. Ao estilo da Śjornada do heróiŠ, de Joseph Campbell (2003), o personagem principal (avatar principal controlado no jogo) passa por um chamado, por provações e, de acordo com as ações do jogador, é bem sucedido no Ąnal da aventura. Nem todos os doze passos descritos por Campbell são contemplados nesta história, mas alguns inspiraram a criação da mesma.

A história criada para este jogo se passa no tempo presente, e as cenas são ba- sicamente todas descritas dentro do complexo laboratorial de testes químicos (exceto na primeira parte, no Ato 1 cena 1, em que, na introdução, o ambiente descrito ainda é o externo aos laboratórios), como veriĄcamos a seguir:

Ambiente: Já está anoitecendo. Em uma local distante da cidade, em meio a uma paisagem desértica, há uma ediĄcação grande e estranha. Naquele local distante, onde não há nada por perto, a paisagem é con- trastada por esse local, um prédio grande e antigo, aparentando ser uma fábrica abandonada. Acessado apenas por uma única estrada sinuosa de terra, esta indo um caminhão que aparentemente leva consigo uma carga misteriosa e bem guardada. (Roteiro Mr. Ratômico, CENA 1, ATO 1)

O personagem principal, um ratinho chamado Mr. Ratômico, é introduzido já no início da cena 5 do ato 1. Ele está preso neste local e incita seus amigos (também prisioneiros) a fugirem com ele.

Em uma instalação secreta de testes químicos muitos animais usados como cobaias são utilizados para se testar os efeitos de um misterioso gás, de composição desconhecida e efeitos devastadores em todos os seres vivos. Dos animais até agora testados, apenas um conseguiu sobreviver a todos os testes.

O nome dele é Mr. Ratômico, uma das cobaias desse complexo labo- ratorial. Dotado de inteligência e aparentemente invulnerável ao efeito dos gases tóxicos, ele programa uma fuga, na qual levará consigo seus amigos aprisionados nesse local terrível.

Para fugir, ele terá que passar por portas que requerem códigos secretos (senhas) para a abertura. Por se tratar de laboratórios de Química, as senhas são geradas de acordo com as especialidades de cada laboratório, mas sempre se referindo a temática da Química.

O personagem principal dessa história terá que coletar o maior número possível de informações dos laboratórios para que consiga decifrar as senhas que permitem a abertura das portas. Desta forma, ele deverá provar que compreendeu o assunto tratado, e será através desse conheci- mento de Química que conseguirá salvar a sua vida e a de todos os seus amigos aprisionados nessa instalação sombria. (Roteiro Mr. Ratômico, CENA 5, ATO 1)

O personagem Mr. Ratômico é o avatar controlado pelo jogador. É ele que age no jogo, passando por desaĄos e solucionando problemas. Este é o personagem principal da história e, consequentemente, do jogo.

O segundo ato é propriamente desempenhado pelo jogador (visto que no ato 1, praticamente não houve ação do mesmo). Naquele momento em que não havia ação des- pendida pelo jogador, caberia as cut scenes, que são pequenos vídeos que servem para contar um pequeno pedaço da história. Devido a inviabilidade da construção das cut

scenes (exigência de pessoal especializado e conhecimento para a construção), este re-

curso não foi implementado no jogo criado para esta pesquisa, apesar de entendermos a importância desse recurso para um projeto Ąnal.

Talvez, em um primeiro momento, olhando para a história presente no roteiro do jogo podemos ter uma visão negativa dos cientistas. AĄnal, são eles que estão promovendo os testes em animais. Esse momento é frutífero para a discussão de um assunto polêmico: testes laboratoriais em animais. No entanto, não é essa a nossa intenção.

O propósito maior de usar um ratinho como personagem principal é exatamente promover esse contraste (entre cobaia e cientista). O personagem principal dessa história (e do jogo), só é bem sucedido quando ele aprende Química. É a partir do conhecimento de Química, adquirido dentro do jogo, que o personagem principal salvará os seus amigos, dando um desfecho positivo para a história. Em suma, a mensagem que queremos passar com o jogo é - ŚO conhecimento liberta!Š.

O Roteiro com as fases iniciais do jogo está disponível no Apêndice B.

A seguir, apresentaremos com maiores detalhes os personagens, os objetos, a pro- cesso de utilização das músicas e efeitos sonoros e, por Ąm, as cenas que constituem o jogo.