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Competição perfeita vs competição dinâmica (ou competição rival) Vimos na Parte II como Samuelson (1975) distingue a “rivalidade comercial

Uma análise do processo de mercado

6.5 Competição perfeita vs competição dinâmica (ou competição rival) Vimos na Parte II como Samuelson (1975) distingue a “rivalidade comercial

intensa”   verificada   no   mundo   real   do   conceito   de   “competição   perfeita”   utilizado   pelos economistas164. O conceito de competição comumente utilizado na teoria econômica difere, de fato, em larga medida da definição de competição tal como empregada pela maioria das pessoas. Mesmo dentro da ciência econômica, podemos identificar vários significados para o termo competição, associados a diferentes escolas de pensamento. Nesta seção, veremos como o conceito de competição utilizado na EA difere daquele no qual a ESP baseia suas análises.

Os austríacos são bastante críticos do conceito de concorrência perfeita. Como no tocante aos modelos de equilíbrio, o foco da crítica está mais direcionada ao caráter central que este conceito adquiriu na análise econômica contemporânea, principalmente na ESP, do que à definição do conceito per se. Conforme assinala Addleson (1994:98),   “The appropriateness of a particular concept of competition

depends on what questions we wish to answer and whether the theory, or language, is suited   to   its   purpose”.     Para os economistas austríacos, o conceito de competição

perfeita é adequado a um estado fictício de estabilidade e equilíbrio, mas é de pouca valia no entendimento do processo de mercado. Como simplificação teórica que auxilia na compreensão de certos fenômenos da vida real, o conceito de competição perfeita constitui um instrumento útil. Entretanto, a utilização do conceito como referencial normativo para avaliação dos mercados reais e, principalmente, como guia para elaboração de políticas desperta várias críticas da EA165.

164 Vide seção 3.2.

165 Deve-se notar que os modelos de monopólio, oligopólio ou concorrência monopolística não fogem a

esta   centralidade,   uma   vez   que   a   “imperfeição”   da   competição   (ou   ineficiência)   nesses   mercados   é   avaliada  segundo  o  ideal  da  “competição  perfeita”.  Ainda  que  descrevam outras estruturas de mercado, a eficiência dessas estruturas é julgada segundo sua capacidade de atingir alocações semelhantes (ou

178 Em dois artigos publicados em 1948 e 1968, Hayek procura desconstruir a ideia do modelo de competição perfeita como referencial normativo para avaliação de mercados reais. O objetivo principal de Hayek (1948a) é demonstrar que “what the

theory of perfect competition   discusses  has  little   claim  to   be  called  ‘competition’  at   all  and  that  its  conclusions  are  of  little  use  as  guides  to  policy” (Hayek, 1948a:95).

Na visão do autor, para a existência da competição perfeita, deve-se supor uma série de condicionantes que, se alguma vez de fato viessem a existir, simplesmente eliminariam grande parte daquelas atividades comumente entendidas como “competitivas”.  Se  o  preço  é  variável  exógena  (é  um  “dado  do  mercado”),  se  qualquer   produção que a firma for capaz de produzir é absorvida pelo mercado, se todas as empresas vendem os mesmos produtos ao mesmo preço, não parece haver sentido em se falar em competição ou concorrência.

O problema apontado por Hayek (1948a) é semelhante àquele verificado nas análises de equilíbrio. Vimos que, para o autor, ao assumir conhecimento perfeito (ou ótimo) por parte dos agentes e, consequentemente, um ajuste perfeito (ou ótimo) dos planos individuais, a economia mainstream deixa de tratar o que seria o principal problema econômico da sociedade: qual a natureza do processo pelo o qual “conhecimento”  subjetivo  dos  diferentes  indivíduos  se  ajusta  à  realidade  objetiva  (o   que inclui o plano dos demais indivíduos), ou seja, como ocorre a coordenação entre os diferentes planos individuais. Para o autor, a competição perfeita lida com um cenário no qual o conhecimento dos diferentes indivíduos já está perfeitamente coordenado, quando é justamente esse processo que requer explicação.

Como vimos na Parte I, para a existência da competição perfeita, assume-se uma série de premissas, tais como: produtos homogêneos, entrada/saída livre, conhecimento completo das informações relevantes por parte de todos os indivíduos, dentre outras. A condição  de  “conhecimento  perfeito”  é a que mais suscita críticas de Hayek:  “It will be obvious also that nothing is solved when we assume everybody to

iguais) àquelas atingidas em uma situação de concorrência perfeita. A crítica não deve ser, portanto, mal interpretada: não se está afirmando que a ESP não desenvolveu modelos alternativos para analisar estruturas  de  mercados  diferentes  da  “competição  perfeita”,  mas, sim, criticando a utilização do modelo de competição perfeita como referencial normativo para se afirmar a   “imperfeição”   dessas   outras   estruturas.

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know everything and that the real problem is rather how it can be brought about that as  much  of  the  available  knowledge  as  possible  is  used” 166 (Hayek, 1948a:95).

O autor propõe-se, então, a  elucidar  os  “tipos  de  conhecimento”  contidos  na   hipótese  de  “conhecimento  perfeito”:  

i) Conhecimento perfeito, por parte de produtores e vendedores, sobre o

menor custo de produção de uma mercadoria – a descoberta dessa

informação, que se supõe pré-existente, é, na verdade, um dos principais objetivos de um processo competitivo para o autor. Trata-se de   um   “problema”   que   somente   a   competição   poderia resolver. Nos modelos teóricos de concorrência perfeita assume-se, portanto, a inexistência de um problema que existe no mundo real e cuja solução é uma das principais tarefas do processo competitivo.

ii) Conhecimento perfeito, por parte dos produtores, das preferências dos consumidores – esse conhecimento inclui tanto os bens e os serviços

desejados pelos consumidores, como a informação sobre quanto eles estão dispostos a pagar. Novamente, o autor afirma tratar-se, não de uma premissa para a existência de competição, mas de um problema que somente a competição é capaz de solucionar.

iii) Conhecimento, por parte dos consumidores, sobre as alternativas de consumo e seu custo – novamente, este é um conhecimento que só é

adquirido pelo processo de mercado. Nas   palavras   do   autor,   “... the

whole organization of the market serves mainly the need of spreading the  information  on  which  the  buyer  is  to   act”   (Hayek, 1948a:96). As

empresas, portanto, ao competirem e lançarem mão de instrumentos como a publicidade, permitem ao consumidor o conhecimento sobre as alternativas existentes.

A   “concorrência   perfeita”   assume, portanto, a existência de uma série de informações que só pode ser obtida por meio do processo competitivo. A grande maioria das atividades que as pessoas normalmente associam ao conceito de

166 Nesse ponto, é interessante notar como a crítica do autor é similar a de Stiglitz, vista no capítulo 4.

Como veremos, contudo, a críticas semelhantes geraram recomendações normativas de intervenção do Estado bastante diferentes.

180 “competição”  (publicidade,  redução  de  preços,  diferenciação de produtos, criação de novas   técnicas   de   produção,   etc.)   estão   excluídas   de   um   mercado   “perfeitamente   competitivo”.   A “competição perfeita”, tal como definida na economia, implicaria justamente a inexistência dessas atividades.

O autor critica, ainda, a suposição de que o sistema econômico seja perfeitamente divisível em mercados distintos para mercadorias separadas, argumentando que isto é uma construção teórica longe de ser a regra no mundo real (principalmente nos mercados de bens manufaturados e serviços). Isto não significa que a competição nesses mercados é menos intensa (ou  menos  “perfeita”), mas que, nesse caso, os resultados da competição não serão os mesmos daqueles alcançados em um mercado de produtos homogêneos. O uso equivocado desta construção teórica e a crença absoluta nas supostas vantagens da competição perfeita têm levado, segundo o autor, a conclusões absurdas a respeito do funcionamento de mercados na vida real - como, por exemplo, a sugestão de que uma alocação dos recursos mais vantajosa poderia ser atingida por meio de uma maior padronização compulsória, ou seja, pela diminuição da variedade de produtos (Hayek, 1948a:97-98) 167.

Julgar a competição nos mercados reais com base em um critério normativo cujas características diferem consideravelmente das condições objetivas observadas na realidade (condições essas que não deixarão de existir) é um método de pouca valia para Hayek. Segundo o autor, nesse caso, uma comparação mais instrutiva seria a situação na qual a competição fosse impedida: “Not the approach to an

unachievable and meaningless ideal but the improvement upon the conditions that would  exist  without  competition  should  be  the  test” (Hayek, 1948a:100) 168.

Para o autor, o “problema   competitivo”   central   a   ser   resolvido não é como melhor alocar os recursos para produzir este ou aquele produto, mas por quais meios (mercadorias e serviços) as preferências do consumidores podem ser descobertas e satisfeitas a um menor custo (Hayek, 1948a:101). Portanto, os produtos a serem produzidos  e  os  insumos  a  serem  utilizados  não  são  “dados”:  descobrir  a  preferência   dos consumidores é parte essencial do processo competitivo. A solução deste

167 Veremos  exemplos  dessas  “recomendações”  no  capítulo  9,  quando  tratarmos  da  teoria  austríaca  do  

monopólio.

168 A  crítica  do  autor  à  utilização  de  construtos  teóricos  irreais  para  a  “solução  de  problemas  práticos”  

181 problema   é,   nas   palavras   de   Hayek,   “uma   viagem   ao   desconhecido”,   nos   quais   os   empresários buscam, por exemplo, criar novos produtos ou novos métodos de produção 169.

Ademais, um   mundo   de   “concorrência   perfeita”   só   seria factível se, entre outras coisas, nenhuma mudança ocorrer. Contudo, todos os problemas econômicos surgem, para Hayek, como resultado de mudanças imprevistas e que requerem adaptação. São, portanto, as “pequenas   mudanças”,   levadas   a   cabo   continuamente   pelos mais diversos indivíduos (conhecedores das circunstâncias particulares de tempo e lugar), de modo a se adaptar às alterações imprevistas, que constituem a verdadeira essência do processo de mercado. Novamente, a utilização de uma construção imaginária como ferramental teórico para entendimento de situações específicas não é alvo da crítica. O problema, segundo Hayek, é que o entusiasmo teórico por uma modelagem altamente irreal dos mercados tem gerado políticas “highly misleading and even dangerous”. (Hayek, 1948a:102).

Ao analisar mercados considerados como próximos ao modelo de concorrência perfeita (como, por exemplo, mercados de produtos agrícolas), Hayek destaca que eles são caracterizados pelo fato de que as melhores formas de produção do produto já são conhecidas pela maioria dos produtores, assim como suas características   e     seus   potenciais   usos.   Qualquer   mudança   nesse   mercado,   “espalha- se”   rapidamente   e,   consequentemente,   a   adaptação   dos   produtores   ocorre   de   forma   acelerada. Essa característica levaria muitos economistas a desconsiderarem esse breve momento de mudança e adaptação e focarem sua atenção na comparação entre os dois estágios   de   “near-equilibrium”, antes e se depois da mudança. Porém, segundo  o  autor,  é  justamente  nesse  “breve  momento  de  mudança  e  adaptação”  que  as   forças competitivas atuam e, para se entender como se atingiu o “novo”   equilíbrio, são as características desse período que devem ser estudadas. É nesse momento que os indivíduos conhecedores das circunstâncias particulares de tempo e lugar fazem seus pequenos ajustes, o que tende a levar a economia a um novo estado de equilíbrio. A tarefa principal do economista não seria descrever as propriedades dos dois estados de equilíbrio, mas entender o que se passa nesse momento entre eles, como os

169 Fica evidente a diferença dessa concepção do autor para a concepção tradicional, onde a decisão

individual dá-se em um quadro de meios e fins previamente definidos ou, nas palavras de Rosen (1997:140): “The choice set is fully specified, technology of sellers and tastes of buyers are given, as

182 indivíduos   “aprendem”   sobre   as   mudanças   e   se   adaptam   a   elas,   quais   instituições   facilitam esse aprendizado e adaptação e, consequentemente, promovem com maior eficiência a coordenação entre os planos individuais.

Por fim, Hayek conclui definindo competição como:

“(...) a process of the formation of opinion: by spreading information, it creates that unity and coherence of the economic system which we presuppose when we think of it as one market (...) a process which involves a continuous change in the data and whose significance must therefore be completely missed by any theory which treats these data as constant” (Hayek, 1948a:106).

Em artigo publicado mais de 20 anos depois, o autor refina esta definição. Se em seus primeiros artigos a articulação do conhecimento disperso na sociedade parece ser o foco, em Hayek (1968) o foco está no papel da competição no processo de descoberta de informações previamente desconhecidas. A competição seria, assim, “a

procedure for discovering facts which, if the procedure did not exist, would remain unknown  or  at  least  would  not  be  used”  (Hayek, 1968:9). Este artigo é considerado

por Kirzner (1986) um marco, pois esclarece a diferença entre os dois conceitos: a competição estudada como processo (competição dinâmica) e a competição como estado que resulta de um processo (competição perfeita). Segundo o autor, foi a partir deste  artigo  que  “passou-se a reconhecer que a teoria do equilíbrio competitivo deve

ser suplementada por uma teoria do processo…”170 (Grifo nosso) (Kirzner, 1986:70).

Para enfatizar o papel da competição com a descoberta/disseminação de informações, Hayek (1968) o compara ao papel da metodologia científica. Ainda que compreendamos todas as características da metodologia científica, sua capacidade preditiva é limitada: a adoção desse método não permite prever os resultados gerados (ou as descobertas feitas). Assim como a ciência, os resultados da competição não são empiricamente testáveis: se não se sabe a priori quais as descobertas serão – ou,

170 Rosen (1997:149) também considera que é tanto no conceito de atividade empresarial quanto no de

competição rival que estariam os maiores ganhos potenciais do intercâmbio entre as escolas de pensamento austríaca e neoclássica: “(...)  totally  ignoring  the  concept of entrepreneurship has a very

constraining effect on the neoclassical view of competition. It is precisely here where potential gains from intellectual trade are largest in my judgment. The Austrian view of competition as evolutionary struggle is a very compelling idea that plays no role in neoclassical economics, which is constrained to look at the final outcomes of the competitive process after all competitive opportunities in the Austrian sense  have  been  exploited”.

183 muitas vezes, que queríamos que fossem – feitas, seria impossível determinar quão eficientemente a competição realiza esta tarefa. Somente se pode constatar a superioridade do método científico (e do processo competitivo) por meio da observação histórica, concluindo que sua utilização permitiu o alcance de melhores resultados que procedimentos alternativos. A diferença entre os dois métodos, segundo  Hayek  (1968),  é  que  enquanto  a  ciência  busca  descobrir  “padrões  gerais”,  a   competição busca a solução para problemas específicos no tempo/lugar.

Os resultados da competição são, portanto, impossíveis de se determinar a

priori. Ao se adotar uma   “metodologia   de   investigação”   apropriada,   o   que   se   pode  

esperar é somente que ela irá aumentar o número (ou a probabilidade) de descobertas por parte dos indivíduos que a utilizam. Não se pode fazer qualquer previsão sobre uma descoberta específica a ser feita por determinado indivíduo. Nesse sentido, para o autor, a competição é fundamental principalmente por gerar desdobramentos (descobertas) imprevisíveis, lucrativos tanto sob o ponto de vista individual quanto social.

Quando levamos em consideração o papel da competição na descoberta/disseminação de informações, fica mais clara a crítica do autor ao pressuposto de conhecimento perfeito dos modelos tradicionais. Ao adotar como premissa  uma  “dada”  quantidade  de  recursos  escassos  disponíveis  em  uma  economia, cujo conhecimento a respeito da escassez é comum a todos os agentes, esses modelos supõem já ter sido realizado (sem dizer como) um dos principais papéis da competição:   “which goods are scarce, however, or which things are goods, or how

scarce or valuable they are, is precisely one of the conditions that competition should discover”  (Hayek, 1968:13).

Para avaliar quão bem um mercado realiza sua tarefa, o autor recorre à distinção entre economia e cataláxia. Para  o  autor,  uma  “economia”,  no  sentido  estrito da palavra, corresponderia a uma estrutura na qual todos os meios são conscientemente aplicados visando ao alcance de uma hierarquia uniforme de objetivos.   O   melhor   exemplo   dessas   estrutura   é   uma   “economia   individual”.   Nesse   caso, o indivíduo utiliza os meios a sua disposição para atingir um conjunto de objetivos classificados hierarquicamente. As consequências de suas ações podem ser julgadas segundo um critério pré-estabelecido, representado pela escala de objetivos do indivíduo. Uma empresa é outro exemplo de uma economia: nesse caso, todos os indivíduos atuam de modo ordenado buscando atingir uma hierarquia de objetivos.

184 Desse modo, somente o conhecimento dos tomadores de decisão (por exemplo, diretores) é capaz de influenciar as decisões gerencias da empresa (o conhecimento de cada trabalhador, a menos que seja assimilado pelos diretores - tomadores de decisões - não influencia a tomada de decisões da firma).

Hayek (1968) identifica uma confusão decorrente do fato de utilizarmos a mesma palavra (“economia”) para designar uma estrutura complexa de vários indivíduos buscando, cada um, seus próprios objetivos. O autor denomina essa estrutura  “cataláxia”.  A  ordem  espontânea de mercado (cataláxia) é, portanto, distinta de uma economia. No mercado, o conhecimento de todos os indivíduos é utilizado na tomada de decisões e não há qualquer classificação hierárquica entre seus objetivos individuais. A principal finalidade do socialismo seria justamente transformar a ordem de mercado (cataláxia) em uma estrutura com um conjunto pré-estabelecido e hierarquicamente ordenado de objetivos (economia).

Sendo assim, como uma ordem espontânea, o mercado não busca atingir nenhum conjunto de objetivos hierarquicamente ordenados, o que torna complicada a avaliação de seu desempenho. Decorre desta percepção, a impossibilidade de construção de qualquer função de bem-estar social, particularmente na sua forma utilitarista: “(...)   like   any   spontaneously   created   order,   it   [the   market]   cannot  

legitimately be said to have definite objectives, neither is it then possible to represent the  value  of  its  outcome  as  a  sum  of  individuals  outputs”  (Hayek, 1968:14).

O autor questiona o significado da afirmação de que o mercado alcançaria algum   tipo   de   ponto   “ótimo”   ou   “equilíbrio”.   Hayek inicia sua resposta pela constatação de que, por mais que o mercado não busque alcançar nenhum tipo de objetivo pré-definido, ele contribui para o alcance de um grande número de objetivos individuais (cuja totalidade é desconhecida por todos). Na medida em que as expectativas de troca entre os indivíduos – parte integrante do plano de todos os agentes atuantes no mercado – são concluídas de modo satisfatório, pode-se dizer que essa ordem é virtuosa.

Esse  “ajustamento  mútuo  de  planos  individuais” é alcançado por um processo denominado  pelo  autor  de  “feedback negativo”.  Segundo  Hayek,  é  o desapontamento de expectativas que faz com que os indivíduos aprendam e, consequentemente, que se aumente o grau de coerência entre os planos. O ajustamento no mercado é, portanto, um processo de tentativa e erro. Como veremos, para Kirzner (1986), esse processo é realizado, primordialmente, pelo empresário.

185 A principal finalidade do processo competitivo seria, portanto, permitir uma maior eficiência no processo de ajustamento mútuo dos planos individuais, o que, consequentemente, levaria o mercado a um ponto cada vez mais próximo à fronteira de possibilidade de produção (sem nunca atingi-la). Esse processo de ajustamento mútuo dos planos ocorre com o aprendizado dos agentes.

Em um cenário com total ausência de mudanças, eventualmente o processo de tentativa e erro se esgotará e todos os indivíduos terão apreendido toda a informação relevante para a sua tomada de decisões, o que, por consequência, levará o mercado a uma alocação de recursos eficiente no sentido de Pareto. Nesse caso, o processo competitivo já terá desempenhado todas suas funções. Não haveria rivalidade na competição perfeita. Para entendermos essa afirmação, é necessário recordar que o produtor robbinsiano age em um contexto de conhecimento perfeito (ou ótimo). Sua maximização é, portanto, o resultado de um cálculo lógico de custo-benefício, o que não inclui espaço para experimentações com preços mais altos ou mais baixos em uma tentativa de aumentar o seu lucro. Ao definir o produtor como um tomador de preços, admite-se (implícita ou explicitamente) ausente do modelo a possibilidade de manipular preços, bem como de descobrir melhores maneiras de combinação dos insumos, por exemplo. Assume-se   que   toda   essa   “atividade   empresarial”   já   foi   executada anteriormente.

Os modelos austríacos, por outro lado, são focados justamente nesse processo de descoberta. A competição é, portanto, “(...)   a discovery procedure whereby

entrepreneurs constantly search for unexploited opportunities that can also be taken advantage of by others” (Hayek, 1968:18).