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O pressuposto comportamental – o homo agens (misesiano) e o homo

Uma análise do processo de mercado

6.2. O pressuposto comportamental – o homo agens (misesiano) e o homo

economicus (robbinsiano)

A insatisfação austríaca com os modelos de equilíbrio está, portanto, estreitamente relacionada com a modelagem do contexto no qual ocorre a decisão individual. Para os austríacos, ao reduzir o problema econômico da sociedade a um problema de alocação, restringiu-se a ação individual a um problema de maximização sujeita a restrições. Sendo o indivíduo essencialmente um maximizador de utilidade, dado determinado conjunto de preferências , caber-lhe-ia selecionar entre os meios disponíveis aquele(s) que lhe permitiria alcançar o maior número de objetivos. Para os austríacos, essa visão do homo economicus não está fundamentalmente errada, mas incompleta.

Esta definição é certamente lógica dentro do contexto no qual o problema econômico de Robbins foi formulado. Em um cenário de conhecimento perfeito, com definição a priori dos fins desejados e dos meios disponíveis, não há nada a se questionar a respeito da racionalidade do indivíduo maximizador. Em outras palavras, para uma análise focada nas propriedades do equilíbrio, o homo economicus é certamente um conceito adequado.

Para os austríacos, quando se trata do problema econômico como um problema de coordenação dos planos de indivíduos, elaborados em um contexto de ignorância radical, a premissa de conhecimento perfeito dos meios e fins disponíveis

167 não faz sentido. Como vimos, considera-se que a interpretação subjetiva da realidade, bem como a formação de expectativas com relação a um futuro ainda incerto, desempenha papel fundamental na tomada de decisões individuais. É justamente esse componente da tomada de decisões do indivíduo que não seria capturado corretamente pelo homo economicus.

Em um contexto no  qual  os  meios  e  fins  não  estão  necessariamente  “dados”,  a   decisão individual envolve outros componentes que não a mera escolha entre meios escassos para atingir fins pré-determinados. Envolve, fundamentalmente, a percepção subjetiva desse quadro de meios e fins. Para os austríacos, o conceito do homo

economicus estaria, consequentemente, contido em um conceito maior: o homo agens.

Nas palavras de Kirzner,

“O conceito de ação humana, porém, ao contrário do de alocação e economização, não confina o tomador de decisões (ou a análise econômica das suas decisões) ao quadro de fins e meios dados. A ação humana, no sentido desenvolvido por Mises, envolve vias de ação   seguidas   pelo   ser   humano   para   “afastar   o   desconforto”   e   ficar   “em   melhor   situação”   (...)   Não   se   chega à decisão, no esquema da abordagem da ação humana, simplesmente pela computação mecânica da solução do problema de maximização implícito na configuração dos fins e meios dados. Ela reflete não simplesmente a manipulação de meios dados para corresponder fielmente à hierarquia de fins dados, mas também a própria percepção do quadro de fins-meios dentro do qual deve ter lugar a alocação e a economização” (Grifo nosso) (Kirzner, 1986:25).

Nesse sentido, em um cenário de ignorância radical, os fins e meios não estão “dados”,  cabendo  ao  indivíduo  a  responsabilidade  por  sua  percepção  e/ou  definição.   Modelar a decisão individual limitando-a a um mero comportamento maximizador

“(...)robs  human  choice  of  its  essentially  open-ended character, in which imagination and  boldness  must  inevitably  play  central  roles” (Kirzner, 1997:64) 158.

158 Kirzner (1997:64) defende, assim, que mesmo a modelagem da decisão individual em um contexto

de   “risco   Knightiano”   (Knightian risk) não captura esses elementos essenciais do comportamento individual, uma vez que o indivíduo, além de estar ciente de sua própria ignorância, faz sua escolha segundo funções de probabilidade previamente conhecidas. O contexto de tomada de decisões estaria mais  próximo  de  um  cenário  de  “incerteza  Knightiana”  (Knightian uncertainty). Deve-se ressaltar que,

168 Assim, partindo-se  do  pressuposto  de  que  “identificação  do  quadro  pertinente   de  fins  e  meios”  é  variável   que  compõe  a  decisão  individual,  o  “campo   disponível”   para a ação humana amplia-se significativamente. Na visão austríaca, a modelagem tradicional, ao abrir mão dessas características essenciais do comportamento humano, descaracteriza a escolha individual tal como feita no mundo real.

Isso não significa que o elemento maximizador do comportamento individual não exista na análise austríaca. Uma vez identificado o quadro de meios e fins, a descrição da decisão individual, tendo por base a maximização de utilidade, permanece válida para explicação do comportamento individual. Contudo, partindo-se do pressuposto de que o contexto de meios e fins não é percebido ex ante sem ambiguidade pelo tomador de decisões, esta percepção é parte de sua decisão, e a modelagem do indivíduo como um maximizador robbinsiano deixa de capturar parte relevante do processo de tomada de decisões. Nas palavras de Rosen (1997:148):

“In   Austrian   economics   the   world   isn’t   exclusively   populated   by   optimizing automatons, passively consuming or producing their market equilibrating quotas of goods and services at market equilibrium prices. The real mover and shakers in the economy are entrepreneurs. These are the people who take action, compete with each other, and perfect markets (...) [These] entrepreneurs are not to be found in neoclassical economics (..) The fact is that there is no role  for  entrepreneurs  when  economic  conditions  are  “given”,  when   the list of goods to be trade is cut and dried, when consumers and producers are clearly identified, and when resource availabilities are   known   (…)   In equilibrium   neoclassical   economics,   “given   conditions”  means  that  there  is  nothing  for  the  entrepreneur  to  do”

(Rosen, 1997:148) 159.

atualmente, já existem modelos neoclássicos que buscam trabalhar com este cenário (vide Schmeidler, 1989 e Gilboa e Schmeidler, 1989).

159 O autor, contudo, pondera que dada a dificuldade de se mensurar quantitativamente a atividade

empresarial,   o   conceito   de   empreendedor   não   seria   “operacional”:   “If we cannot measure the total

volume of entrepreneurial activity, there is no way to assess its economic importance and rate of return, nor to evaluate the social and legal environments that nurture it or suppress it” (Rosen,

169 O papel do empresário nesse processo é justamente o tópico das próximas seções.