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O Primeiro Teorema do Bem-Estar e a Nova Economia da Informação

A ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO TRADICIONAL

4.1. O Primeiro Teorema do Bem-Estar e a Nova Economia da Informação

De início, é importante destacar que, ao defender a existência de um novo paradigma da economia, Stiglitz não propõe a substituição do modelo de Arrow- Debreu. Em nenhum momento, o autor acusa, por exemplo, o modelo de Arrow- Debreu de incoerência interna. Os questionamentos do autor são sempre no sentido de que as premissas desse modelo não refletem as condições normalmente prevalecentes na economia real, ou seja, que as premissas assumidas seriam irreais:

“(...) the presumption that competitive markets lead to Pareto optimal resource allocations is based on the Fundamental Theorem of Welfare Economics; but this theorem makes stringent and unrealistic, assumptions concerning completeness of markets and the  exogeneity  of  information” (Stiglitz, 1980:238).

Arrow e Debreu teriam, na visão do autor, desenvolvido um modelo que se sustenta em condições específicas e, portanto, seria incapaz de explicar várias das situações do mercado. O autor  vê  nessa  característica  seu  grande  “mérito”:  o  modelo   de Arrow-Debreu teria demonstrado as condições extremamente restritivas sob as quais o mercado livre levaria a resultados Pareto-eficientes - ou, em expressão recorrente do autor, as condições nas quais a Mão Invisível de Adam Smith de fato opera (Stiglitz, 1994).

Stiglitz considera que, sob o ponto de vista dos partidários do livre-mercado, a contribuição do modelo de Arrow-Debreu seria, na verdade, negativa. Enquanto muitos veem no modelo a demonstração formal de que o livre-mercado leva a

109 alocações ótimas de recursos, Stiglitz o vê como a demonstração formal das limitações da conjectura de Smith a respeito do funcionamento eficiente do mercado (Stiglitz, 1991a:18).

Assim, na visão de Stiglitz, o modelo de Arrow-Debreu não representaria um padrão geral de funcionamento dos mercados reais, mas seria,um caso restrito de um modelo mais geral, batizado pelo próprio autor de modelo Greenwald-Stiglitz106.

Segundo estes autores, em uma economia real:

“There is not a complete set of markets; information is imperfect; the commodities sold in any market are not homogeneous in all relevant respects; it is costly to ascertain differences among the items; individuals do not get paid on a piece rate basis; and there is an element of insurance (implicit or explicit) in almost all contractual arrangements, in labor, capital, and product markets. In virtually all markets there are important instances of signaling and screening. Individuals must search for the commodities that they wish to purchase, firms must search for the workers who they wish to hire, and workers must search for the firm for which they wish to work. We frequently arrive at a store only to find that it is out of inventory; or at other times we arrive, to find a queue waiting to be served. Each of these are "small" instances, but their cumulative effects may   indeed   be   large” (Greenwald e Stiglitz,

1986:259).

Nesse mundo descrito pelos autores, aquele conjunto singular de premissas identificadas pelo modelo de Arrow-Debreu que culminavam no Primeiro Teorema do Bem-Estar – garantindo, assim, que o mercado livre gere uma alocação de recursos Pareto-eficiente – não é válido.

Entre essas premissas, Stiglitz é particularmente crítico da ideia de “informação perfeita”, ou, mais especificamente, do tratamento da informação como uma variável exógena ao modelo. Isso porque uma consequência direta dessa premissa é que as informações não variam como resultado das ações de qualquer

106 “The  Greenwald-Stiglitz conception of the market economy is fundamentally different from that of Arrow and Debreu: the latter is seen as a   limiting,   but   uninteresting   case   of   the   former”   (Stiglitz,   1991a:19).

110 indivíduo ou firma, inclusive aquelas relacionadas especificamente a investimentos para aquisição de informação.

A informação perfeita seria, para Stiglitz, somente uma das maneiras na qual ela se apresenta nos mercados na vida real. Dessa forma, um modelo que se desenvolva a partir dessa premissa estaria, para o autor, fadado a explicar somente um número de situações bastante limitadas. O autor vai mais longe, afirmando que, no mundo  atual,  caracterizado  pela  importância  cada  vez  maior  da  informação,  “a model

which assumes that information is fixed seems increasingly irrelevant” (Stiglitz,

2001a:506).

Segundo Stiglitz (2001:475), a insistência na premissa de informação perfeita nos modelos econômicos tradicionais justificava-se, não pela crença da sua existência   no   mundo   real,   mas   por   uma   espécie   de   “esperança”   dos   economistas   de   que, na presença de informação imperfeita, os mercados funcionassem de modo similar/semelhante aos modelos que assumiam informação perfeita. O autor credita, então, grande parte da importância dos trabalhos realizados em economia da informação à demonstração de que a presença de assimetrias de informação pode gerar mudanças profundas na alocação dos recursos na economia e, consequentemente, na natureza do equilíbrio.

A razão pela qual modelos que assumem a presença de informação imperfeita   diferem   dos   modelos   tradicionais   é,   segundo   o   autor,   que   “actions

(including choices) convey information, market participants know this, and this affects their behavior”   (Stiglitz, 2001a:485). Nesse sentido, o comportamento de um

segurado informa à firma seguradora sua predisposição a acidentes; a predisposição de uma firma em oferecer garantias sinaliza aos consumidores informações sobre a qualidade de seus produtos; a predisposição de um trabalhador em aceitar um contrato de trabalho cujo salário tenha um forte componente variável informa o empregador a respeito de sua produtividade (ou do nível de esforço que realizará); a predisposição de um estudante em concluir cursos de mestrado/doutorado pode informar a respeito de sua produtividade e/ou nível de esforço; entre inúmeros outros exemplos.

A existência de assimetrias de informação, assim como suas consequências, depende diretamente de como o mercado está estruturado. Como veremos na análise de modelos desenvolvidos por Stiglitz e outros autores, a existência de informação imperfeita  pode  levar  a  “falhas”  na  análise  de  equilíbrio geral. Essas falhas gerariam vários problemas, como, por exemplo: mercados nos quais inexistam equilíbrio, nos

111 quais há mais de um preço na economia para o mesmo bem (dispersão de preços), mercados incompletos, entre outros. A característica de todas essas situações é a tendência em o equilíbrio ser Pareto-ineficiente.

Cabe ressaltar que, mesmo na presença de informação imperfeita, o mercado, em tese, poderia chegar a uma solução Pareto-ótima. Como vimos no caso das externalidades no capítulo anterior, o Teorema de Coase mostra várias situações nas quais o próprio mercado é capaz de internalizar a externalidade, tornando desnecessária a intervenção de forças exógenas (por exemplo, o Estado).

Contudo, o raciocínio de Stiglitz não segue essa direção. Nos mais variados trabalhos pesquisados e expostos nesse capítulo, observa-se nitidamente um padrão de estruturação das ideias do autor que segue, mais ou menos, a mesma linha: i) crítica à adequabilidade do modelo de Arrow-Debreu a determinada realidade; ii) construção de um modelo no qual um problema de informação leva à existência de um equilíbrio Pareto-ineficiente ou mesmo à inexistência do equilíbrio; e iii) apresentação de uma forma de intervenção do Estado que supostamente gera melhoras de Pareto.

Antes de iniciarmos a apresentação do modelo de Greenwald-Stiglitz, é importante ressaltar que, na análise feita a seguir, os autores trabalham com o conceito  de  “eficiência  restrita  de  Pareto”,  já  apresentado  na seção 1.4 deste trabalho.