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A ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO TRADICIONAL

4.3. Principais fontes de assimetria de informação 1 Seleção Adversa

4.3.3. Risco Moral

Nos casos de seleção adversa e sinalização, temos um problema de “informação   oculta”:   um   dos   agentes   não   conhece   perfeitamente   as   características   do(s)  outro(s)  agente(s)  envolvido(s)  na  transação.  Já  nas  situações  envolvendo  “risco moral”,   são   as   ações   (decisões)   de   uma   parte   que   são   desconhecidas   (ou   imperfeitamente informadas) pela outra parte. Trata-se, assim, de um problema de “ação  oculta”.  Segundo  Pindyck  e  Rubinfeld  (2005:539),  o  problema  de  risco  moral   surge “quando   uma parte apresenta ações que não são observadas e que podem

afetar  a  probabilidade  ou  a  magnitude  de  um  pagamento  associado  a  um  evento” 118. O problema do risco moral está comumente presente, por exemplo, no mercado de seguros. Nesse caso, o problema surge em decorrência do fato de que indivíduos ou firmas avessos(as) ao risco contratam um seguro e o seu comportamento pós-contrato não pode ser perfeitamente monitorado pela firma seguradora (informação assimétrica). Nessa situação, os agentes assegurados podem agir de forma menos   “responsável”   do   que   fariam   na   ausência   de   seguros,   aumentando, assim, sua propensão a acidentes. O mercado de trabalho é, também, afetado por esse problema. Suponha que um indivíduo decida abrir uma loja,

117 Como estamos interessados na intuição que leva a recomendações de intervenções do Estado na

economia, o modelo simplificado desenvolvido nesta seção é suficiente. Para modelos mais sofisticados de análise de sinalização e de formas possíveis de intervenção do Estado, além de um compêndio de vários escritos de Michael Spence sobre o assunto, vide Spence (2001).

118 Parece   não   haver   consenso   na   literatura   sobre   se   o   “problema   do   risco   moral”   e   o   “problema   do  

agente-principal”   são   sinônimos,   ou   se   o   risco   moral   é   uma   espécie   do   gênero   “agente-principal”,   aplicado somente na manifestação desse problema no mercado de seguros. Varian (1992:455), por exemplo, parece ser adepto dessa segunda abordagem: “In   the   context   of   an   insurance   market,   the  

principal-agent problem with hidden action is known as the moral hazard problem.  The  ‘moral  hazard’   is   that   the   purchasers   of   insurance   policies   will   not   take   an   appropriate   level   of   care” (Grifo no

original). Nessa mesma linha, Phlips (1989:58) define o problema do risco moral da seguinte forma:”Moral   hazard   arises   when   an   agent   can   influence   the   occurrence   of   an   event   (here   product  

failure) against which the agent is insured, but the seller of the insurance policy cannot monitor or detect   this   action”.   Como se percebe pela definição de Pindyck e Rubinfeld que trazemos no início

129 contratando uma equipe de vendedores. Caso o empregador não esteja presente 100% do tempo em seu estabelecimento, ele não será capaz de monitorar perfeitamente o nível de esforço de seus empregados. Assim, há ações não observadas (ocultas) de uma parte (empregados) que podem afetar os resultados do negócio e não podem ser monitoradas perfeitamente pela outra parte (empregador).

A presença de risco moral afeta a capacidade do mercado de alocar os recursos de modo eficiente. Isso ocorre porque, na ausência de monitoramento perfeito, a avaliação de custo-benefício do indivíduo não levará em consideração os custos-benefícios externos. Em outras palavras, o custo-benefício privado difere do custo-benefício social. O agente pode, assim, comportar-se (escolher uma ação) de modo a afetar o resultado do contrato, de uma maneira não observável pelo principal, e que leva a uma ineficiência.

O problema de risco moral é, portanto, uma das formas nas quais o problema da presença de externalidades e de informações assimétricas manifesta-se. Existem várias   circunstâncias   nas   quais   o   próprio   mercado   “cria”   formas para minimizar esse tipo de problema – “internalizando   as   externalidades”.   No   caso   do   risco  moral  no  mercado  de  seguros,  temos,  por  exemplo,  a  instituição  de  “franquias”   (quantia que o segurado tem que pagar a cada vez que aciona o seguro), que constitui um mecanismo de compartilhamento de riscos com o próprio segurado, com a clara intenção de mitigar o problema de risco moral.

Contudo, segundo Arnott e Stiglitz (1990:1), essas soluções de mercado seriam sub-ótimas (second-best). Os casos de soluções realmente eficientes de mercado seriam, na visão dos autores, excepcionais. Os autores defendem que o problema do risco moral existe de forma abrangente na economia e que, na grande maioria das vezes, há espaço para uma intervenção do Estado na economia de forma a tornar a alocação de recursos mais eficiente.

Nesse trabalho e em três anteriores (Arnott e Stiglitz, 1986; Arnott e Stiglitz, 1987; e Arnott e Stiglitz, 1988), os autores fornecem uma taxonomia para as diferentes formas nas quais o risco moral se manifesta em uma sociedade, assim como um desenho das diferentes intervenções (na forma de impostos pigouvianos) que o governo pode levar a cabo de forma a realizar melhoras de Pareto. Vamos nos limitar, nesta seção, a tratar da aplicação do modelo Greenwald-Stiglitz a esse problema.

130 Ao analisar a presença do risco moral no mercado de seguros, os autores partem do fato de que a provisão de seguros incentiva os indivíduos a um comportamento mais propenso ao risco. Mesmo que a firma aja preventivamente, desenhando um contrato de seguro que  preveja,  por  exemplo,  “franquias”,  Greenwald   e Stiglitz (1986:244) afirmam haver um trade-off entre o peso morto gerado pela externalidade negativa do comportamento do segurado e a perda de bem-estar do compartilhamento de riscos. Consequentemente, os autores assumem que a atuação do governo - subsidiando atividades que reduzam a propensão ao risco e taxando aquelas que a aumentem – diminuiria a probabilidade de ocorrência de acidentes, reduzindo a externalidade e, assim, aumentando o bem-estar social.

Os autores partem de um modelo em que o universo dos agentes segurados é formado por famílias idênticas e que o comportamento dos agentes que aumente e/ou reduza seu risco de acidentes não pode ser observado pelas firmas seguradoras. Nesse caso, a família h maximiza

Uh(xh, h,eh)

E

, h = 1,..., H s.a.  hhhh

hj j d I e w x q ( ) ( , )  Onde:

 E – expectativa  em  diferentes  “estados  da  natureza”;;

h- vetor que indica o pagamento de seguros nos diferentes estados

da natureza (por exemplo, h

1

é o pagamento de seguros feito à família h no estado de natureza 1);

 (h,e) - prêmio pago pelo seguro;

eh, - nível  de  “cuidado”  da  família  h e o nível de cuidado médio de e

todas as famílias;

wh - dotação de recursos inicial da família h;

Uh,q,xh,Ih,dhj,

j

- possuem as definições já apresentadas119.

131 Segundo os autores, respeitada as premissas já estabelecidas para o modelo de Greenwald-Stiglitz120, em uma indústria de seguros com retornos constantes de escala e firmas neutras ao risco, o equilíbrio pode ser definido como:

) ( ) , (h e Eh e  

Podemos substituir essa expressão na restrição orçamentária das famílias, de modo a que elas escolham xh, eh e que maximizam E(Uh*

), sujeitas à restrição:

 

0 ) (      

J j hj h h h h a I e E w x q  

A variável pode ser considerada representativa da externalidade (ou seja, é equivalente a z do modelo anterior121). Note que os indivíduos, ao escolherem eh que maximiza a sua utilidade, não levam em conta o efeito da sua escolha em e , que, consequentemente, afetará (h,e).

A partir das premissas descritas acima, Greenwald e Stiglitz (1986:246) demonstram que a equação (7) 122 do modelo, ou seja, o impacto líquido por unidade do imposto (dt) pode ser reescrita como:

  H h dt e d e d e dE dt dR ( )

O primeiro termo da equação,

e d

e dE(h )

, é negativo, uma vez que o aumento  do  “cuidado  médio”  das  famílias  ( e ) diminui o pagamento esperado pelos seguros. Consequentemente, qualquer sistema de impostos e/ou subsídio que aumente este cuidado médio,

dt e

d , aumentaria o bem-estar da sociedade (Greenwald e Stiglitz, 1986:246). Segundo os autores, o governo deveria, assim, subsidiar bens complementares  ao  “cuidado  pessoal”  e  taxar  bens  substitutos.  

Esse resultado é intuitivo. Suponha que, ao fazer o seguro de um carro, o indivíduo se sinta mais inclinado a dirigir mesmo que tenha ingerido grandes 120 Vide seção 4.2. 121 Vide seção 4.2 122 Vide seção 4.2. he

132 quantidades de álcool. Um imposto sobre o álcool certamente, ao diminuir o consumo desse produto por esses indivíduos, diminuirá a probabilidade de acidentes causados por esse comportamento menos avesso ao risco e, consequentemente, diminuirá a externalidade negativa no mercado de seguros. Da mesma forma, uma política de subsídios   que   incentive   a   troca   de   pneus   usados   (“carecas”)   por   pneus   novos   diminuiria a probabilidade de acidentes e, também, a potencial externalidade negativa. Outro exemplo seria no caso dos planos de saúde. Se assumirmos que, ao fumar, os indivíduos aumentam a probabilidade de ter que recorrer ao plano de saúde e que o fato de contratar um plano leva os indivíduos a se preocuparem menos com os riscos do cigarro, então, ao colocar um imposto sobre o cigarro, o governo incentivaria o indivíduo a não fumar e, consequentemente, haveria ganhos de bem-estar associados à diminuição  do    “risco  moral” (Stiglitz,1994:31).

Esse exemplo deixa claro a crença dos autores de que, mesmo que o governo enfrente problemas informacionais semelhantes aos agentes privados (ambos não possuem a informação necessária para monitorar o comportamento do indivíduo), haveria, em tese, espaço para uma intervenção ótima do governo. Isso porque o governo possuiria instrumentos a sua disposição que reduziriam as consequências do risco moral e que não estão à disposição dos agentes privados.

Novamente, o exemplo aqui desenvolvido constitui um caso geral de aplicação do modelo de Greenwald-Stiglitz na presença de risco moral. Para uma caracterização mais detalhada do problema e das intervenções ótimas do Estado, vide Arnott e Stiglitz (1986, 1987, 1988 e 1990).