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Uma análise do processo de mercado

6.7. O empresário kirzneriano e o empresário schumpeteriano

Kirzner (1986), em diversas passagens do livro, distingue sua definição da atividade empresarial do tratamento dado por Schumpeter (1961) ao papel do empresário no mercado. Este faz uma associação estreita entre a atividade empresarial e a inovação. Segundo Schumpeter, caberia ao empresário introduzir mudanças no sistema, criando novos produtos, métodos de produção, canais de venda e distribuição, entre outros. Ao fazê-lo, dá início ao processo que o autor descreveu como  “destruição  criadora”,  quando  antigos  produtos/  tecnologias/empresas  dão lugar a novos. Sua função seria

“(...) reformar ou revolucionar o sistema de produção através do uso de uma invenção ou, de maneira mais geral, de uma nova possibilidade tecnológica para a produção de uma nova mercadoria ou fabricação de uma antiga em forma moderna, através da abertura de novas fontes de suprimento de materiais, novos canais de distribuição, reorganização da indústria, e assim por  diante” (Schumpeter, 1961:166).

O empresário, para Schumpeter, seria, portanto, uma força desequilibradora no processo de mercado. Partindo de uma situação inicial de equilíbrio, o autor demonstra como as inovações introduzidas pelos empresários “abalam”   este   equilíbrio. Posteriormente, por meio da ação de imitadores, um novo equilíbrio será alcançado.

O foco de Schumpeter no papel do empresário como inovador pode ser explicado, segundo Rothbard (2009), pelo autor ter adotado como ponto de partida uma situação de equilíbrio geral. Neste caso, de fato, não há qualquer espaço para o empresário kirzneriano. Não há nenhum ajuste a ser feito; os planos dos indivíduos já estão perfeitamente coordenados. A única atuação possível para o empresário é como força perturbadora, inovadora. Contudo, a inovação, para Rothbard, seria apenas uma das atividades desempenhadas pelos empresários. Além da inovação, eles cumpririam um importante papel no ajuste das discrepâncias do mercado:

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“Entrepreneurial activities are derived from the presence of uncertainty. The entrepreneur is an adjuster of the discrepancies of the market toward greater satisfaction of the desires of the consumers. When he innovates he is also an adjuster, since he is adjusting the discrepancies of the market as they present themselves in the potential   of   a  new  method   or  product…  Entrepreneurship  is   not just the founding of new firms, it is not merely innovation; it is adjustment: adjustment to the uncertain, changing conditions of the future” (Rothbard, 2009: 547;858).

Kirzner entende estas funções de um modo um pouco diferente. Vimos que o autor associa à atividade empresarial uma função essencialmente equilibradora. O empresário kirzneriano seria o responsável por, a partir de uma situação de desequilíbrio, corrigir imperfeições na alocação dos recursos, conduzindo a economia – num cenário de ausência de mudanças – ao equilíbrio.

O tratamento de Schumpeter do papel do empresário no processo de mercado transmitiria a  ideia  de  que  “para atingir o equilíbrio, nenhum papel empresarial é, em

princípio,  necessário” (Kirzner, 1986:53). De fato, para Schumpeter, é por meio da

ação   dos   “imitadores”   que   um   novo   equilíbrio   é   estabelecido.   A   atividade   desse   imitadores, para o autor, não é empresarial. Kirzner (1986), ao contrário, defende que as atividades dos imitadores é tão empresarial quanto a dos inovadores, na medida em que   eles   forçam   o   preço   acima   do   equilíbrio   para   baixo,   “ajustando”   a   realidade   à   preferência dos consumidores.

Kirzner (1986) discorre longamente (p. 52;53;56-58; 91-95) acerca da diferença entre as duas teorias, que envolveriam a noção do empresário como força equilibradora e/ou desequilibradora. O autor identifica, entretanto, várias semelhanças: a distinção que Schumpeter faz do comportamento dos indivíduos no “fluxo  regular  costumeiro”  e  quando  se  deparam  em  com  uma  nova tarefa (que seria análoga à discussão do maximizador robbinsiano e do empresário); o fato de os empresários  em  ambas  as  teorias  serem  dotados  de  um  permanente  “estado  de  alerta”   para novas oportunidades de lucro;;   o   reconhecimento   do   “lucro   puro”   empresarial,   não como uma remuneração de um fator de produção, mas como resultado do aproveitamento de oportunidades antes desapercebidas; entre outras. Nesse sentido, ainda que Kirzner (1986:93)   defenda   que   “os dois sistemas estão discutindo dois

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processos   completamente   diferentes”, a teoria empresarial de Schumpeter e a de

Kirzner nos parecem antes complementares que antagônicas.

Segundo Barbieri (2001), é justamente esta a tese defendida por Boudreaux (1994), ou seja,  que  “os empresários schumpeterianos e kirznerianos exercem papéis

complementares e que a discussão sobre a função equilibradora de um e desequilibradora   de   outro   seria   ociosa”   (Barbieri, 2001:110). Holcombe também

defende a complementariedade entre as duas teorias:

“The disruptive effects of these Schumpeterian entrepreneurs leave some resources employed inefficiently, or in some cases not employed at all. Thus, a profit opportunity is created for Kirznerian entrepreneurs to act on such markets in disequilibrium, reallocating resources to more efficient uses”  Holcombe (2006:197).

O próprio Kirzner, ainda que, por vezes, adote um tom mais contundente ao ressaltar a diferença entre as duas teorias, em diversas passagens reconhece certo grau de complementariedade   entre   elas,   como,   por   exemplo,   quando   afirma   que   “basta

observar que o empresário de Schumpeter e o que desenvolvemos aqui podem, de muitas maneiras, ser considerados - e permitam-me acrescentar, isso é tranquilizador – o mesmo indivíduo” (Kirzner, 1986:52).

Kirzner não ignorou o papel das inovações no mercado. Contudo, o autor acredita que a atividade empresarial per se não consiste na criação de novos produtos ou  novas  técnicas  de  produção,  mas  em  perceber  “onde novos produtos se tornaram

insuspeitadamente valiosos para os consumidores e onde novos métodos de produção tornaram-se   factíveis   sem   que   outros   o   saibam” (Kirzner, 1986:57). Assim, o

empresário não é necessariamente aquele que cria, por exemplo, um computador, mas o que percebe que há uma demanda por esse produto, que existem métodos de produção que tornam viável sua produção para comercialização e que, ao produzi-lo, “corrige”   a   alocação   de   recursos   dada   a   existência   desse   novo   produto. Não é a inovação strictu sensu que caracteriza o empresário, mas a sua atuação no mercado. “Para mim, a função do empresário não consiste tanto em alterar as curvas de custo

ou de receitas que ele vê adiante de si, quanto em notar que elas se alteraram” (Grifo

nosso) (Kirzner, 1986:58). A atividade empresarial per se seria, portanto, sempre coordenadora.

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PARTE IV

A ECONOMIA NORMATIVA DA